segunda-feira, 18 de março de 2024

UM PAÍS EM CONFLITO

Artigo de Fernando Gabeira

Num artigo sobre pesquisas, mencionei a polarização política como dado constante e crescente no país. Apenas esbocei a necessidade de atenuá-la. É preciso reconhecer que a polarização de certa forma interessa a algumas forças políticas, mas não só a elas. O país rigidamente dividido cria uma espécie de zona de conforto onde, não importa o que se defenda, sempre será bem-visto quem favorecer um dos lados. Criar, portanto, estreitas superfícies de contato em que se possa desenvolver algo em comum é muito difícil e, além do mais, desperta a suspeita de que se está sutilmente trabalhando para um dos lados.

No entanto existe uma infinidade de circunstâncias em que uma espécie de unidade nacional aumenta o potencial do país. Não me refiro apenas aos possíveis inimigos externos que inspirem uma defesa nacional. Parto de situações mais simples, como a epidemia de dengue. No estágio atual, não se pode contar principalmente com vacina. É preciso limpar as casas e desenvolver iniciativas de vizinhança que localizem problemas nos terrenos baldios, residências abandonadas. É preciso um nível mínimo de convivência respeitosa para realizar um trabalho assim.

Da mesma forma, iniciativas de vizinhança podem aumentar a segurança de suas áreas. Não proponho que substituam as polícias, nem que criem comitês de defesa ou coisa parecida. Discussões permanentes, acordos, medidas comuns, troca de informações, tudo isso cria uma cultura que torna mais eficaz e também monitorado o trabalho policial.

Lembro-me de estar viajando de ônibus em Israel e, subitamente, o motorista parar e sair correndo para apagar um incêndio na margem da estrada. Ele se sentia responsável, achava que era sua tarefa iniciar o combate ao fogo.

Outro aspecto que me parece importante é a preparação das comunidades para eventos extremos oriundos do aquecimento global. É preciso que estejam treinados, que conheçam os moradores vulneráveis, que armazenem pequenos barcos, enfim, algo parecido com o que fazem os japoneses. Isso também torna-se possível quando há um nível razoável de convivência.

Tenho uma querida amiga que é petista. Suas bananeiras dão frutos que caem no quintal da vizinha. Elas brigam na Justiça por isso, por causa de bananas. A amiga diz que é coisa de bolsonarista; provavelmente a vizinha responde que petistas não podam suas árvores. A verdade é que tanto Bolsonaro como o PT nada têm a ver com isso, não há o mínimo vestígio em seus programas sobre a evolução dos cachos de bananas.

Quantos episódios não estão artificialmente politizados? Quantas amizades não se romperam, quantas famílias não se falam com medo de a política irromper na mesa de jantar?

Parece quixotesco remar contra a polarização excessiva. É assim nos Estados Unidos, está ficando assim na Europa. Acontece que, nos países do Norte, existe um fator ausente aqui: os grandes fluxos migratórios. Os estrangeiros passam a ser uma espécie de linha divisória, despertando o medo de perda de emprego, violência urbana.

O Chega cresceu em Portugal com discurso contra imigrantes e contra a corrupção. Este último fator tem peso na polarização brasileira, mas é muito mais fácil de ser superado, a partir de um denominador comum: a tese aceita por todos do aumento da transparência.

As diferenças políticas na sociedade brasileira, como em todas as outras democracias, continuarão a existir. Mas é preciso determinar um ponto em que passam a ser prejudiciais aos dois lados e, consequentemente, ao próprio país.

Não é um caminho fácil insistir nessa tecla. Mas tenho algumas razões para supor que isso é possível, por meio da repercussão do meu próprio trabalho. Sempre que tentei, de uma certa forma, deu certo.

Artigo publicado no jornal O Globo em 18/03/2024

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INCLUSÃO NÃO É FAVOR

Ana Cristina Rosa, Folha de S. Paulo

Ações de promoção da equidade racial devem ser respeitadas e fomentadas num país racista como o Brasil

Inclusão não é favor. Inclusão é direito! Essa é a principal razão pela qual ações voltadas à promoção da equidade racial devem ser respeitadas, defendidas e fomentadas num país racista como o Brasil.

Nos últimos anos, temos presenciado o aumento de iniciativas para ampliar a inserção social de pretos, pardos e indígenas. O cenário, fruto da ação de movimentos sociais, ainda é tímido se comparado ao nível das desigualdades raciais vigentes. No entanto, tem se mostrado suficiente para provocar irresignação entre quem não convive bem com a ideia de compartilhar direitos que, na prática, sempre constituíram privilégios de uns poucos.

Nesse sentido, ações afirmativas que têm surtido resultados efetivos —caso das cotas raciais— têm sido atacadas, tratadas como injustiça ou até favor.

Sob a perspectiva histórica e o contexto socioeconômico contemporâneo, trata-se de um contrassenso numa nação que ao longo de séculos optou por dar as costas aos descendentes de escravizados.

Contudo, em nome de um imaginário "prejuízo aos pobres", há quem ignore tanto o passado quanto o presente para vislumbrar um cenário alheio à realidade nacional. Não só porque a maioria da população que está na linha da pobreza —ou abaixo dela— é negra. Mas sobretudo por desconsiderar que uma sociedade racista impõe um ônus a pretos e pardos.

Ações afirmativas precisam ser analisadas pelo ganho social que representam. Por incrível que pareça, os percalços suportados por um negro pobre e um branco pobre não são os mesmos.

Com as cotas raciais, pela primeira vez uma política pública voltada à população afrodescendente vem apresentando resultados efetivos e mensuráveis. A presença notável de pretos e pardos em bancos acadêmicos serve de exemplo e prova que essas cotas têm potencial para frear o processo de exclusão institucionalizado contra negros ao longo da nossa história. Ainda assim, há quem trate a solução como problema.

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PARABÉNS, MARTA SUPLICY !

Hoje é dia de parabenizar a querida ex-senadora, Marta Suplicy. Marta Teresa Smith de Vasconcelos, nasceu em São Paulo, 18 de março de 1945.

Formada em psicologia, Marta apresentou vários programa na tv brasileira, se destacou em seu primeiro programa, o TV Mulher da Rede Globo na década de 80.

Ex-deputada federal - 1995 /1999 - foi prefeita de São Paulo - 2001 / 2005 - e ministra do Turismo - 2007 /2008. Em 2010 foi eleita senadora, primeira mulher a representar São Paulo no Senado.

Perseverante e determinada, Marta Suplicy representa a força da mulher na política brasileira e sua contribuição tem sido de valor imensurável para uma sociedade mais justa e igualitária.

Parabéns, Marta!

Recomendo - O blog Sou Chocolate e Não Desisto recomenda a leitura do livro de Marta Suplicy Minha vida de prefeita - o que São Paulo me ensinou.
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domingo, 17 de março de 2024

AS CENAS DE UM ATO ILEGAL

Míriam Leitão, O Globo

Ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica descortinam a construção de uma tentativa de golpe de Estado liderado pelo ex-presidente Bolsonaro

As cenas são cinematográficas, mas descritas naquele mar de “que” do texto do inquérito policial. O brigadeiro Batista Jr. pilotava o avião voltando a Brasília em 16 de dezembro de 2022. Ao lado dele, o general Heleno, que deixara a festa da formatura do neto no Instituto Tecnológico da Aeronáutica para ir a uma convocação urgente de Bolsonaro. Ali Heleno ficara “atônito”. Numa conversa na sala reservada do ITA, o brigadeiro, o piloto daquele voo, dissera que a FAB não apoiaria o golpe. No dia 14 de dezembro de manhã, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira convocou os comandantes ao seu gabinete para analisar uma das versões da minuta do golpe. O brigadeiro Batista Jr. perguntou: “Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente da República?”. O ministro ficou em silêncio. Ele saiu da sala. A minuta ficou sobre a mesa do general. Numa das reuniões convocadas por Jair Bolsonaro para convencer os comandantes militares a apoiá-lo, o general Freire Gomes, do Exército, teria dito ao então presidente que se ele insistisse em atentar contra o regime democrático teria que prendê-lo. Freire Gomes em seu depoimento amenizou. Falou em “responsabilidade penal”.

Foram terríveis os meses de novembro e dezembro de 2022 no relato dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica. O então presidente, que há muito tempo tentava uma forma de anular o processo eleitoral, passou a assediá-los depois das eleições. Queria o apoio deles para um projeto concreto, redigido em algumas versões, mas com o mesmo objetivo: dar um golpe militar para mantê-lo no poder. Assim as democracias morrem.

O conjunto dos depoimentos é robusto. Não são apenas falas. Quando os dois militares são confrontados com os textos de minutas eles reconhecem o que foi apresentado a eles pelo então presidente. O comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, disse sim. Os outros negaram. E se o Exército tivesse aceitado? Batista Jr. respondeu a essa pergunta.

“Indagado se confirma que o então comandante do Exército, general Freire Gomes, não anuiu com a proposta de golpe de estado, respondeu que sim; indagado se o posicionamento do general Freire Gomes foi determinante para que uma minuta que viabilizasse um golpe de estado não fosse adiante respondeu que sim; que caso o comandante tivesse anuído, possivelmente a tentativa de golpe de estado teria se consumado”. E assim por um fio, um triz, uma negativa, o Brasil não se curvou à vontade do candidato a ditador que nos governou por quatro anos, e que durante todo o mandato conspirou contra a democracia.

No dia 7 de dezembro, Bolsonaro recebeu o general Freire Gomes na biblioteca do Palácio Alvorada. A convocação para a reunião havia sido feita pelo ministro da Defesa, general Paulo Sérgio. Lá foi apresentado a Freire Gomes uma das minutas do decreto de ruptura institucional, através da decretação de Estado de Defesa, Estado de Sítio e Operação da Garantia da Lei e da Ordem. Bolsonaro atirava para todos os lados, usava tudo o que está na Constituição para momentos emergenciais. E não havia qualquer emergência. Apenas o presidente eleito estava ocupado em montar seu governo.

Bolsonaro está definitivamente envolvido. É o comandante em chefe da conspiração contra a ordem democrática brasileira. Ordem que nunca prezou. Terá de terminar preso por isso. Mas ainda há muito a explicar sobre outros participantes desse movimento de sedição contra a democracia.

Houve, como se sabe, uma carta de oficiais da ativa pressionando o general Freire Gomes a aderir ao golpe. Houve até reunião para redigi-la. De tudo os investigadores já sabem. Num determinado trecho, os escribas fardados registraram a frase “Covardia e injustiça são qualificações mais abominadas por soldados de verdade”. Perguntado se o documento se referia a ele, Freire Gomes respondeu que sim. Disse que soube do documento pelo serviço de comunicação do Exército e determinou aos comandantes de área fazerem uma apuração para identificar os autores e tomar as “providências cabíveis”. Ele diz que “foi identificada a participação de alguns militares que foram punidos na medida de suas participações no ato”. Mas quem são eles? E que punições? Isso ele não disse nem lhe foi perguntado. Há dúvidas. E uma grande certeza. Bolsonaro tentou, por todas as formas, por muito tempo, de forma insistente e inegável dar um golpe de Estado.

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O ÚLTIMO A ABANDONAR BOLSONARO APAGUE A LUZ

Do Blog do Noblat, Metrópoles

Quem serão os últimos a abandonar Bolsonaro depois que o Exército, pelo menos enquanto instituição, como gosta de frisar o ministro José Múcio Monteiro, da Defesa, já o abandonou?

Monteiro não diz literalmente que o Exército abandonou Bolsonaro. Prefere dizer que o Exército nunca esteve com Bolsonaro na aventura golpista de dezembro de 2022, que por pouco não se consumou.

Aventura que Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, chama de “operação mequetrefe”. Quando bate duro em alguma coisa, mequetrefe é um dos termos favoritos de Gilmar.

Mequetrefe é uma palavra usada para coisas que não têm valor, ou para definir uma pessoa intrometida, trapaceira, sem importância. Bolsonaro foi importante, mas era um trapaceiro. Era não, é.

Valdemar Costa Neto, presidente do partido que abriga o mequetrefe, também abandonou Bolsonaro. Disse à Polícia Federal que só pôs em dúvida os resultados das eleições porque Bolsonaro o pressionou.

O que teriam a dizer os políticos que subiram em 25 de fevereiro no palanque de Bolsonaro, em São Paulo, sobre as revelações feitas à Polícia Federal pelos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica?

Não se sabe porque nenhum deles, até agora, nada disse. Eles taparam a boca. Sentem-se metidos numa tremenda saia-justa. Discutem o que poderão dizer quando forem procurados pelos jornalistas.

A essa hora, o governador Tarcísio de Freitas (Republicano), de São Paulo, embarcou para Israel? O governador Ronaldo Caiado (União-Brasil), de Goiás, embarcou. Devem estar refletindo.

Os dois foram vistos no palanque de Bolsonaro na Avenida Paulista, solidários com ele, assim como o governador Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, deputados federais e senadores.

O comício serviu para que Bolsonaro se defendesse das acusações que carregava nas costas até aquele momento. Não seria o caso de convocar outro comício para defender-se das novas acusações?

A julgar pelo que se viu nas últimas 48 horas, melhor não. Bolsonaro juntou pouca gente em périplo pelo interior do Rio para lançar candidatos a prefeito e vereador. Teve que forjar fotos de multidões.

E ontem, no lançamento da candidatura de Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a prefeito da capital do Estado, foi pior.

O ato se deu na quadra semivazia da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. Ramagem evocou um samba da escola que diz que “sonhar não custa nada”. Pois é, não custa.

Bolsonaro, medindo as palavras para não agravar ainda mais sua situação, falou somente por meia hora. Apresentou-se como “um paralelepípedo no sapato da esquerda”. E emendou:

“Poderia estar muito bem em outro país. Preferi voltar para cá com todos os riscos que corro. Não tenho medo de qualquer julgamento, desde que os juízes sejam isentos”.

Tradução: se isentos, os juízes o absolverão. Se o condenarem, é porque não foram isentos. O Exército reservou uma casa no Setor Militar Urbano de Brasília para que Bolsonaro fique ali preso.

Bolsonaro não seria o que é, um sem caráter, um sem amigos, que entrega qualquer cabeça para salvar a sua, se não desse uma estocada gratuita em alguém – e o escolhido foi Tarcísio:

“Temos hoje governando São Paulo um governador que não conhecia o estado, um colega meu que era carioca, que era torcedor do Flamengo”.

Acrescentou que a eleição de Tarcísio para o governo de São Paulo foi graças à passagem dele por seu governo como ministro dos Transportes e “à liberdade que dei a ele”

Apague a luz o último a abandonar Bolsonaro.

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OLHE PARA A LENTE DA VERDADE

Há exatos 15 anos morria em Brasília no Hospital Santa Lúcia, o deputado federal, Clodovil Hernandes, 71 anos. A morte cerebral foi anunciada pelo diretor do hospital, após 30 horas de ser encontrado desmaiado em sem seu apartamento, em Brasília. O texto abaixo é do Estadão de 2019, quando completou uma década sem Clodovil Hernandes.

Do Estadão

Em 17 de março de 2009, há exatamente 10 anos, morria o apresentador, estilista e deputado federal Clodovil Hernandes. Conhecido por sua personalidade forte, seus comentários ácidos e seu frequente envolvimento em polêmicas, Clodovil conquistou uma legião de fãs e outra de desafetos ao longo da carreira.

O estilista passou por quase todas as emissoras de TV aberta no Brasil, algumas das quais nem existem mais. Dono de uma personalidade forte, dificilmente conseguia se manter na mesma emissora por muito tempo - e colecionava inimigos por onde passava.

Na Globo, por exemplo, tinha desafetos com Marília Gabriela. Na RedeTV!, chegou a chamar Luisa Mell, então namorada de um diretor da emissora, de 'Rita Cadillac do futuro'. Na Band, fez críticas a Adriane Galisteu, envolvida com o patrocínio de seu programa.

"Comecei a fazer televisão com 20 anos. Fiz muito programa vespertino com a Janete Coutinho, aquelas mulheres, na Tupi. Fiz muitas vezes a Rede Record, que era o máximo à época, e tal, muitas entrevistas", afirmava Clodovil, em vida. "Saí brigado de todas as emissoras que trabalhei, mas é porque eu, burramente, defendia os interesses do proprietário", justificava.

Foi em 1977, no extinto 8 ou 800, da Globo, apresentado por Paulo Gracindo, que Clodovil teve uma de suas primeiras participações marcantes na televisão brasileira.

No programa, exibido nas noites de domingo, os participantes precisavam responder perguntas sobre um tema ou personalidade em busca do prêmio máximo de 800 mil cruzeiros. Clodovil escolheu Dona Beija, figura brasileira do século 19. E saiu vitorioso.

TV Mulher com Marília Gabriela (Globo)

Desde a estreia do TV Mulher, em 1980, até o ano de 1982, Clodovil possuía um quadro no programa em que dava dicas de estilo, desenhava modelitos e entrevistava nomes conhecidos do mundo da moda.

Posteriormente, ele passou também a ler cartas de telespectadoras para aconselhá-las sobre quais roupas usar em determinadas ocasiões.

O primeiro programa solo de Clodovil (Band)

Em 21 de março de 1983, às 21h, foi ao ar o primeiro programa solo de Clodovil, levando seu nome, na Bandeirantes.

"O público exigiu minha volta. Foram nove meses de conversação, até que eu me decidisse a fazer o programa, cuja proposta é levar ao público uma coisa bem brasileira", afirmava o apresentador, que estava longe das telas havia quase um ano.

No programa, Clodovil cantava, dançava e conversava com diversas personalidades sobre os mais variados temas.

Rede Manchete e a polêmica com Ulysses Guimarães

Em 23 de janeiro de 1984, Clodovil estreou na Rede Manchete, emissora que havia sido fundada há menos de um ano. Seu primeiro trabalho no canal foi participando do Manchete Shopping Show, divulgado como "um programa de atualidades, serviços e informação dirigido à mulher moderna [...]Um encontro diário com colunistas, gente famosa e convidados especiais".

Em 1985, apresentou o De Mulher para Mulher, exibido nas tardes da emissora. No ano seguinte, veio Clô Para Os Íntimos, investindo no formato ao qual já estava acostumado.

No programa, o apresentador conseguiu a presença de inúmeras personalidades da época, como Fernanda Montenegro, Myrian Rios, Luiz Carlos Barreto, Augusto Boal, Malcolm Roberts e Elizeth Cardoso.

Em 1988, porém, uma indisposição com o então presidente da Assembleia Nacional Constituinte realizada no Brasil, Ulysses Guimarães, custou seu cargo na emissora.

"Quando falei naquela época na televisão: 'Escuta aqui, isso é uma constituinte ou uma prostituinte?', o Ulysses Guimarães ligou pra Manchete e disse assim: "Tire esse viado filho de uma p*** do ar hoje!", relembrou Clodovil anos depois.

Retorno à Manchete

Em junho de 1992, Clodovil foi chamado para um retorno à Manchete. Pouco depois, em 13 de julho, estreou o Clodovil Abre O Jogo.

Com o bordão "Olhe para a tela da verdade e me diz", o programa era vendido bem ao estilo do apresentador: "Talk-show é talk-show. Mas sob o comando de Clodovil, é algo mais. É jogo aberto. Nada de meias palavras. Muito sincero e sempre surpreendente, o que Clodovil diz para as lentes faz da sua TV uma tela da verdade".

"Vocês querem que eu ponha o dedo nas feridas, mas não estou gostando muito desse papo de mandar abrir o jogo. Lavar roupa suja no meu programa? Vai virar O Povo na TV, é?", questionava à sua equipe durante as primeiras gravações.
A atração contava também com o pianista Ronaldo Pelicano, chamado de "Paixão" por Clodovil. Ele, porém, não gostava muito do apelido: "Não que eu ache chato, mas isso precisa ser reconversado, porque não quero ser apenas o 'Paixão do Clodovil'".

Com o programa gravado, Clodovil não escondia seu desapontamento com o fato: "Eu preferia que fosse ao vivo. Imagine se na vida real a gente para de repente para arrumar a luz?"

No primeiro semestre de 1993, Clodovil deixou novamente a emissora, e não poupou críticas. "Pior do que eu estava na Manchete? Cortaram os telefones por falta de pagamento, cheguei a fazer programa sem plateia porque não havia dinheiro para pagar os ônibus que traziam o público e nem o lanche".

A saída de Clodovil se deu em meio a uma disputa judicial sobre o canal, na qual a gestão de Hamilton de Lucas de Oliveira foi obrigada a devolver a emissora para Adolfo Bloch. Clodovil reclamava uma dívida de 115 mil dólares, à época.

"Que mal fiz para o pessoal da Manchete para eles me tratarem assim? [...] É o segundo calote que levo. No primeiro, me puseram na rua sem nada. E depois estamparam na capa da [revista] Amiga que eu estava com aids. Eles usam a desgraça para ganhar dinheiro".

Clodovil Abre o Jogo na Rede OM / CNT

Em 23 de maio de 1993, Clodovil estreou na Rede OM, que pouco depois passaria a se chamar CNT (Central Nacional de Televisão), rede que chegou a contar com o locutor Galvão Bueno em sua equipe de contratados naquela época.

O nome de seu programa continuou como Clodovil Abre o Jogo. Além disso, também passou a apresentar um programa semanal, o Em Noite de Gala.

Clodovil afirmava que, mesmo com "várias" propostas de SBT, Record e Bandeirantes, havia optado pela emissora por conta do pedido de uma antiga cliente sua, a mãe de José Carlos Martinez, dono da rede - além, é claro, de uma proposta financeira mais vantajosa. "A emissora é pequena porque não tem grandes estrelas", dizia.

Em janeiro de 1994, enquanto fazia uma viagem a Paris, a emissora trocou toda a equipe de produção de seu programa. Em novembro daquele mesmo ano, chegou ao fim o contrato de Clodovil na CNT. A emissora entrou com uma ação pedindo rescisão por justa causa por "desrespeito à hierarquia e sucessivos desentendimentos com a casa".

"Ele gerou tanta confusão que acabou tornando insustentável a sua permanência. Chegava tarde para as gravações e não era raro vê-lo destratar técnicos ou mesmo convidados", afirmava José Carlos Martinez à época.

O ponto final foi uma entrevista com Adriane Galisteu. Nela, Clodovil questionou se Ayrton Senna, que havia sido seu namorado até a sua morte, meses antes, seria gay. "A ofensa a um ídolo nacional não podia ser tolerada", justificava Martinez.

Clodovil, por sua vez, alegava que a demissão era uma retaliação contra suas reclamações por salários atrasados, estimados entre mais de R$ 100 mil, incluindo cachês publicitários. O apresentador chegou a dar uma entrevista ao jornal O Globo criticando a direção da emissora cerca de três semanas antes de ser despedido. "Nunca deixamos de pagar religiosamente o salário de R$ 40 mil", garantia Martinez.

Clodovil com Bala na Agulha na Rede Mulher
Em agosto de 1995, Clodovil foi contratado pela Rede Mulher para apresentar o Clodovil com Bala na Agulha, com formato elaborado por Eduardo Sidney, ex-redator da Escolinha do Professor Raimundo.

A expectativa dos diretores da rede, à época, um canal acessível apenas para quem tivesse TV a cabo ou antena parabólica, o que reduzia bastante o alcance de seus programas, era que o nome de Clodovil impulsionasse a audiência. "O fato de poucos assistirem não me impede de manter a qualidade", afirmava.

No programa, Clodovil fazia entrevistas e falava sobre moda e temas polêmicos. Seus atritos com o canal começaram antes mesmo de sua contratação. O então superintendente da Rede Mulher, Percival Palesel, chegou a anunciar sua estreia. Clodovil, porém, negava a existência de um contrato: "Por enquanto é tudo conversa. Sou um produto caro".

Clodovil conseguia levar seus programas a conquistar até três pontos de audiência na contagem da época, o que era significativo, uma vez que a emissora estava acostumada ao 'traço'.

Além disso, nomes importantes toparam lhe dar entrevistas na Rede Mulher, como Fernanda Montenegro e o então jogador de futebol Edmundo.

"Não tive problemas na Rede Mulher, mas eu era muita areia para o caminhãozinho deles", afirmou Clodovil após sua saída da emissora, na qual passou cerca de seis meses.

Flores, porém, foram o estopim para sua saída. Assustada com o valor da nota da conta de uma floricultura, a direção da emissora exigiu que Clodovil realizasse o pagamento de seu próprio bolso, o que foi negado. Na sequência, a relação que já não vinha bem, chegou ao fim.

Mesmo assim, o canal continuou exibindo reprises da atração durante algum tempo, o que fez com que alguns telespectadores sequer soubessem de sua saída.

Clodovil e seus Retratos: de volta à CNT
Dois anos depois, em 29 de julho de 1996, ele retornou à emissora para apresentar o Retratos, alegando ter refletido sobre sua forma de conduzir entrevistas: "É provável que tenha afastado algumas pessoas. Eu aprendi que ser temido não significa o mesmo que ser respeitado".

A proposta era que o programa trouxesse o estilista desenhando algumas criações de improviso enquanto falasse sobre temas ligados ao universo feminino, além de contar com entrevistados.

Clodovil queria que a estreia contasse com uma entrevista bombástica de PC Farias, tesoureiro do então presidente Fernando Collor que acabou morrendo poucas semanas antes de uma possível gravação.

O apresentador pretendia conquistar a confiança de Farias com a ajuda de um amigo em comum entre os dois, cogitando até mesmo realizar a gravação em Alagoas e não abordar processos criminais durante a conversa.

"O carma dele era horrível. Ter a energia do inconsciente coletivo de todo um País contra você não é brincadeira", dizia Clodovil após a morte do tesoureiro.

Retorno à Band por três meses: polêmica com Adriane Galisteu
Em janeiro de 1998, passou um período isolado em Ubatuba e chegou a afirmar que "só voltaria à TV se fosse na tela da Globo". Meses depois, já estava negociando com a CNT, mas acabou fechando com a Band em agosto, para a apresentação do Clodovil Soft.

Afastado da TV havia quase um ano, Clodovil tinha perdido cerca de 10 quilos. "Cansei de ficar esperando e fui falar com o Johnny Saad (então vice-presidente da Band)", afirmava sobre o contrato de dois anos.

Inicialmente com o vespertino Clodovil Soft, que estreou em 24 de agosto almejava voos maiores com um programa em horário nobre: "À tarde, a gente ganha fama. À noite, prestígio".

Além disso, nomes importantes toparam lhe dar entrevistas na Rede Mulher, como Fernanda Montenegro e o então jogador de futebol Edmundo.

"Não tive problemas na Rede Mulher, mas eu era muita areia para o caminhãozinho deles", afirmou Clodovil após sua saída da emissora, na qual passou cerca de seis meses.

Flores, porém, foram o estopim para sua saída. Assustada com o valor da nota da conta de uma floricultura, a direção da emissora exigiu que Clodovil realizasse o pagamento de seu próprio bolso, o que foi negado. Na sequência, a relação que já não vinha bem, chegou ao fim.

Mesmo assim, o canal continuou exibindo reprises da atração durante algum tempo, o que fez com que alguns telespectadores sequer soubessem de sua saída.

Clodovil e seus Retratos: de volta à CNT
Dois anos depois, em 29 de julho de 1996, ele retornou à emissora para apresentar o Retratos, alegando ter refletido sobre sua forma de conduzir entrevistas: "É provável que tenha afastado algumas pessoas. Eu aprendi que ser temido não significa o mesmo que ser respeitado".

A proposta era que o programa trouxesse o estilista desenhando algumas criações de improviso enquanto falasse sobre temas ligados ao universo feminino, além de contar com entrevistados.

Clodovil queria que a estreia contasse com uma entrevista bombástica de PC Farias, tesoureiro do então presidente Fernando Collor que acabou morrendo poucas semanas antes de uma possível gravação.

O apresentador pretendia conquistar a confiança de Farias com a ajuda de um amigo em comum entre os dois, cogitando até mesmo realizar a gravação em Alagoas e não abordar processos criminais durante a conversa.

"O carma dele era horrível. Ter a energia do inconsciente coletivo de todo um País contra você não é brincadeira", dizia Clodovil após a morte do tesoureiro.

Retorno à Band por três meses: polêmica com Adriane Galisteu
Em janeiro de 1998, passou um período isolado em Ubatuba e chegou a afirmar que "só voltaria à TV se fosse na tela da Globo". Meses depois, já estava negociando com a CNT, mas acabou fechando com a Band em agosto, para a apresentação do Clodovil Soft.

Afastado da TV havia quase um ano, Clodovil tinha perdido cerca de 10 quilos. "Cansei de ficar esperando e fui falar com o Johnny Saad (então vice-presidente da Band)", afirmava sobre o contrato de dois anos.

Inicialmente com o vespertino Clodovil Soft, que estreou em 24 de agosto almejava voos maiores com um programa em horário nobre: "À tarde, a gente ganha fama. À noite, prestígio".

O programa contava com a presença da personagem Mamãe Mídia (Lourdes Rosa), sua 'secretária', além de um ajudante de palco e um bizarro fantoche de uma câmera de vídeo afeminada chamada Pink Pintosa - talvez uma tentativa de entrar no embalo do sucesso de Louro José, de Ana Maria Braga, e de Xaropinho, do Ratinho.

orém, em novembro, o clima mudou. Ao receber Roberto Justus, então noivo de Adriane Galisteu, Clodovil sugeriu que ela "iria cair de paraquedas nas joias da futura sogra". O detalhe é que uma sopa vendida por Galisteu era a principal patrocinadora do programa.
A Band alegou que Clodovil foi "ofensivo a um patrocinador" e encerrou a atração. Clodovil, à época, afirmava que a Band se recusava a pagar os custos de sua demissão e ameaçou levar o caso à Justiça.

Volta à Rede Mulher e briga com Edir Macedo
Em 1999, o apresentador retornou à Rede Mulher à frente do Clodovil. A ideia era recriar um clima inspirado na praia de Ubatuba, onde morava, semelhante à Ilha da Fantasia (seriado da década de 1960).

"A primeira coisa que pergunto é se a entrevista é com você ou sobre você. Receberei todo tipo de pessoa", planejava o apresentador, que garantia que deixaria seus convidados à vontade.

Para fechar os programas, o jargão: "Fale qualquer coisa que sempre teve vontade, mas nunca teve coragem."

O Clodovil, que ia ao ar diariamente às 21h50, estreou em 22 de março daquele ano, mas durou menos de um mês. Em 15 abril, a emissora foi adquirida pela Rede Família, ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, que também é proprietário da Record TV.

Os novos donos pareceram não ter gostado muito da imagem de Clodovil ligada ao canal, o que gerou desavenças. Em 19 de abril, o apresentador foi demitido. "Edir Macedo me processou por difamação, mas ganhei. Ele recorreu e vou ganhar de novo, a não ser que o processo caia nas mãos de um juiz comprado. Quero mandar um recado para esse senhor", criticava Clodovil em entrevista a Luciana Gimenez na RedeTV! em setembro de 2002.

"Sr. Edir Macedo, vou responder pela minha vida diante de Deus e o senhor também. Eu só quero ver como o senhor vai se comportar por ter vendido o nome de Deus em benefício próprio. Nem que passasse fome trabalharia na Record. Minha forma de encarar Deus é diferente da deles. Não tenho uma misericórdia fingida. Vender religião com uma proposta comercial por trás, em nome de Deus, é o que eles fazem", criticava, de forma incisiva.

Anos depois, Clodovil falou sobre sua saída da emissora em entrevista a Xuxa Meneghel: "Fui mandado embora da Rede Mulher porque a Igreja Universal comprou a emissora, achou que eu não era conveniente pro comportamento da igreja e me mandou embora no mesmo dia. Mas, claro, mostrou todos os programas que estavam gravados, né? Porque aí era questão de dinheiro e isso é uma outra história..."

Gravação de piloto no SBT
Pouco depois, em maio de 1999, Clodovil chegou a gravar o piloto de um programa no SBT. A emissora pretendia criar o TeleShow, semelhante ao Vídeo Show, da Globo, mostrando os bastidores da casa com apresentação de Márcia Golschmidt, Otávio Mesquita, Marcelo Augusto e Sonia Abrão. A ideia, porém, não foi para a frente.

"O quadro do Clodovil será um dos principais. Ele já pensou em alguns sofás vermelhos para cenário, onde vai fazer suas entrevistas", afirmou Sonia Abrão ao Estado, à época.

Segundo a Folha, ele teria exigido um camarim separado dos outros apresentadores durante uma gravação.

Em 2001, Clodovil esteve entre os principais nomes pedidos pelo público para participar da 2ª edição da Casa dos Artistas no SBT, mas não chegou a participar do reality.

'Passeio' pela Globo

Em entrevista ao Estado, em 2003, Clodovil falou sobre a emissora: "A grande verdade é que todo artista quer trabalhar na Globo. Pensei bem e concluí que o meu talento é meu título de nobreza e eu sou eu em qualquer lugar."

Anos antes, em agosto de 1999, Clodovil deu um "passeio" pela rede Globo e participou de diversos programas da casa, apesar de não ter sido contratado. Para o Zorra Total, gravou o quadro Rosto a Rosto, exibido em 14 de agosto, no qual era entrevistado por Alberto Roberto, clássico personagem de Chico Anysio. Ele ainda participou do quadro Fernandinho e Ofélia, estrelado por Lucio Mauro e Cláudia Rodrigues, que foi ao ar em 4 de setembro.

Não foi a primeira vez que Chico e Clô se encontraram na TV. Onze anos antes, em 1988,  ele participou de esquetes do Chico Anysio Show, quando foi 'entrevistado' pela personagem Neide Taubaté.

No Domingão do Faustão que foi ao ar em 8 de agosto, conversou ao vivo com o apresentador durante quase uma hora.

Segundo a edição da Istoé Gente de 21 de fevereiro de 2000, os dois apresentadores eram amigos. "Há um ano, ele [Faustão] soube que Clodovil enfrentava uma fase financeira difícil e não hesitou. Mandou imediatamente um buquê de flores ao estilista, algumas notas graúdas presas por um grampo de ouro, que, somadas, chegavam a R$ 40 mil, e um cartão escrito à mão: 'Não é dinheiro. É um presente de um amigo.'"

Anos depois, Clodovil ainda fez uma participação na novela O Clone, exibida entre 2001 e 2002, em que aparecia com seu cachorrinho no colo durante a inauguração de uma boate na trama.

Frente e Verso: mais um retorno de Clodovil à CNT
Em março de 2000, a CNT / Gazeta pretendia contar com o apresentador, conforme afirmava Silvio Alimari, criador do programa Mulheres e superintendente-geral da Gazeta: "Queremos o Clodovil conosco. As negociações com ele estão bastante adiantadas."

No mesmo ano, Clodovil ainda chegou a apresentar um prêmio ao lado de Max Fivelinha no VMB da MTV.

A expectativa era de que seu programa estreasse ainda em dezembro, mas foi adiado para janeiro de 2001, quando foi ao ar o Frente e Verso, exibidos às terças e quartas-feiras, às 22h. A convidada de seu primeiro programa foi Vera Loyola com sua cadela, Pepezinha.

Questionado se sentia falta de estar em uma grande emissora, Clodovil era contraditório: "Não tenho saudade de nada. Para que serve estar em uma emissora com uma audiência enorme se ninguém está interessado no que eu estou dizendo? É claro que eu queria estar em uma emissora maior. Mas não me chamam. Outro dia fui ao Domingão do Faustão e dei um ibope de mais de 40 pontos. Ainda assim, ninguém me chamou para voltar", complementava.

Mulheres

Em 1º de maio de 2001, Clodovil passou a apresentar o Mulheres, da TV Gazeta, ao lado de Cristina Rocha, com quem apresentou o programa até fevereiro de 2002. No início de setembro de 2002, foi demitido da emissora, que, à ocasião, dispensou mais da metade de seus artistas.

Dias depois, Clodovil foi cotado para apresentar o Bom Dia Mulher na RedeTV!. Porém, antes de a possibilidade se concretizar, participou do Falando Francamente e, em entrevista a Sonia Abrão, insinuou que não queria dividir a apresentação do programa com Solange Frazão e Solange Couto.

Irritada com as declarações, a direção da RedeTV! encerrou as negociações, que já contava até com um pré-contrato assinado com o apresentador. Elas foram retomadas posteriormente, e, um ano depois, as coisas foram diferentes.

A Casa É Sua e a chegada de Ofrásia

Cerca de um ano depois, em novembro de 2003, o apresentador fechou contrato com o canal, substituindo Leonor Corrêa, irmã de Faustão, no A Casa É Sua. "O público está cansado daquela porcaria que se tornou a TV à tarde. A programação vespertina estava cheirando mal, só explorando a violência, crimes, escândalos. Não venham me dizer que os programas mostram a realidade. Toda casa tem esgoto e privada, mas também tem sala, dormitório, living e jardim. Mas o que a gente enfatiza é o esgoto. É gente que não vê a beleza, por isso que as pessoas aceitaram bem meu programa", afirmava à época.

Entre os quadros do programa estavam o Hora das Flores, em que oferecia um arranjo de flores a uma personalidade, o Moda & Estilo, o Fuxico na Cozinha e o De Frente com o Espelho. Foi no A Casa É Sua que Clodovil passou a conviver com sua fiel escudeira Ofrásia (Vida Vlatt).

Em seus primeiros momentos no canal, o apresentador continuava ferino, como sempre. "É um entra e sai nesse estúdio, parece a Rua Direita" e "Gente, eles fazem cara de retardado, é a APAE aqui?" foram algumas das frases ditas por ele durante as gravações.

"Me perguntaram se eu já não tinha loucos demais na emissora. O que eu espero é que o Clodovil lute por audiência. Admitiremos qualquer posicionamento dele, desde que ele demonstre garra ao trabalho", afirmava o então vice-presidente da RedeTV!, Marcelo Carvalho.

Na RedeTV!, Clodovil ficou marcado por uma briga com os integrantes do programa Pânico, por quem se dizia perseguido.

Em 29 de março de 2004, outro fato inusitado: após se atrapalhar com uma tesoura e fazer um corte profundo em seu dedo durante o programa ao vivo, Clodovil sumiu de cena durante uma hora para ir até um hospital, levar três pontos e, em seguida, retornar elegantemente ao ar.

Em 14 de janeiro de 2005, Clodovil foi demitido por meio de um fax enviado pela direção da emissora. Desta vez, ele havia chamado a apresentadora Luisa Mell, à época namorada de Amilcare Dallevo Jr., presidente da emissora, de "Rita Cadillac do futuro".

À época, o comentário não chegou a ir ao ar, já que seu programa era pré-gravado.

Em 2008, Clodovil disse ter saudades do período que passou na emissora: "Foi quase um ano de alegria. Eu ia com alegria pra televisão, uma vontade de chegar logo na emissora. Fui posto pra fora de lá por uma amante de uma das pessoas de lá, fazer o quê?"

Por Excelência, o último programa de Clodovil

Em 2007, já como deputado federal, Clodovil apresentou seu último programa na TV, o Por Excelência.

Após sofrer um AVC, porém, acabou se afastando das gravações e teve seu contrato rescindido pela emissora, "tendo em vista o período em que o apresentador absteve-se de gravar o programa".

"Seu impedimento permanente, por mais de um mês e meio, causado pela enfermidade a qual foi acometido, importou na rescisão contratual", informou comunicado divulgado pela TVJB, à época.

As imitações de Clodovil na TV

Por conta de sua personalidade forte, era comum ver humoristas imitando o jeito de Clodovil. Durante sua participação no Domingão do Faustão, em 1999, o apresentador falou sobre o tema. "Primeiro, pra ser imitado, é preciso que a gente exista. Um Zé Mané qualquer por aí não será imitado, ninguém nem sabe que ele existe. Me sinto reverenciado toda vez que os artistas me imitam, ou melhor, tentam me imitar".

E prosseguiu: "Toda pessoa que faz uma caricatura, faz com tintas fortes. É preciso que seja assim, porque, se não, não tem graça. Se fosse idêntico... Mas queria que vocês soubessem que tenho um lema de vida: exijo que as pessoas riam comigo, mas que não riam de mim."

Porém, nem sempre tudo foram flores. Clodovil já teve divergências com humoristas que o imitavam ao longo da vida, como Wellington Muniz, o Ceará, do Pânico, e Agildo Ribeiro, que criou o personagem Clô Clô em Planeta dos Homens.

Clodovil chegou a entrar na Justiça após Agildo aparecer interpretando o personagem em um comercial de TV, em novembro de 1981. No ano seguinte, em 23 de maio, o Fantástico promoveu um encontro para fazer as pazes entre os dois.

"Não me dou com o personagem, a caricatura do Clodovil, que é uma coisa bem triste, né? Mas me dou com o Agildo. Engraçado é você, o outro [imitação] é triste", afirmou o estilista ao comediante, à época.

Diversos outros nomes também chegaram a imitar Clodovil na TV, como Tom Cavalcante, Zé Américo, Pedro Manso e Diego Varejon.
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sexta-feira, 15 de março de 2024

TRAMA GOLPISTA

Fabio Serapião, Cézar Feitoza, Julia Chaib, Folha de S.Paulo

Ex-comandante do Exército liga Bolsonaro a minuta golpista encontrada na casa de Torres

General Freire Gomes prestou depoimento de 7 horas à PF; ex-presidente e ex-ministro não comentam

BRASÍLIA O ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes disse à Polícia Federal que a minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres é a mesma versão que foi apresentada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aos chefes das Forças Armadas em reunião em dezembro de 2022.

No depoimento, obtido pela Folha, o general afirmou que o documento foi apresentado por Bolsonaro em uma segunda reunião entre os chefes militares e o então presidente da República.

"Que confirma que o conteúdo da minuta de decreto apresentada foi exposto ao declarante nas referidas reuniões. Que ressalta que deixou evidenciado a Bolsonaro e ao ministro da Defesa [general Paulo Sérgio Nogueira] que o Exército não aceitaria qualquer ato de ruptura institucional", disse o general, segundo o termo de depoimento.

Procurada, a defesa de Torres preferiu não comentar o teor do depoimento. A defesa de Bolsonaro e de Garnier não se manifestaram.

Freire Gomes afirmou à PF não se recordar da data exata da reunião com Bolsonaro.

Ela teria ocorrido após um primeiro encontro, em 7 de dezembro de 2022, no qual o ex-presidente teria apresentado aos chefes militares um documento que listava uma série de supostas interferências do Judiciário no governo —os "considerandos" relatados pelo tenente-coronel Mauro Cid que embasariam a ação golpista.

O mesmo documento foi levado a uma reunião entre os chefes militares e o ministro da Defesa, em 14 de dezembro.

Freire Gomes diz que em todos os momentos, ele e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior, mostraram-se contrários aos planos golpistas. O chefe da Marinha, almirante Almir Garnier, teria se colocado à disposição do ex-presidente.

"Que ele e Baptista afirmaram de forma contundente suas posições contrárias ao conteúdo exposto. Que não teria suporte jurídico para tomar qualquer atitude. Que acredita, pelo que se recorda, que o almirante Garnier teria se colocado à disposição do presidente da República", contou Freire Gomes, segundo a PF.

Esta é a primeira vez que a minuta encontrada na casa de Anderson Torres em janeiro de 2023 —com proposta de decreto para instaurar estado de defesa e reverter o resultado da eleição presidencial— é ligada à trama golpista no fim do governo Bolsonaro.

O ex-ministro negou reiteradas vezes que tivesse levado o texto ao ex-presidente e afirmou à PF que o documento era "totalmente descartável".

No depoimento, o ex-chefe do Exército disse que Anderson Torres participou de reuniões em que o golpe de Estado foi tramado. De acordo com ele, o ex-ministro explicava o "suporte jurídico para as medidas que poderiam ser adotadas".

Os defensores das medidas golpistas, segundo Freire Gomes, usavam "interpretações do jurista Ives Gandra da utilização das Forças Armadas como Poder Moderador, com base no artigo 142".

TRAMA GOLPISTA SOB BOLSONARO

Ex-presidente é alvo de investigação da Polícia Federal

Ex-comandante do Exército liga Bolsonaro a minuta golpista encontrada na casa de Torres

Comandante da Marinha colocou tropas à disposição de Bolsonaro, diz ex-chefe da Aeronáutica à PF

O que se sabe sobre minuta do golpe, central em investigação da PF contra Bolsonaro

Bolsonaro somou evidências golpistas às claras antes de delação de Cid e operação da PF

Minuta golpista foi discutida na Defesa sob Bolsonaro e teve momento de tensão

O depoimento de Freire Gomes à Polícia Federal ocorreu em 1º de março e durou cerca de 7 horas. Ele falou aos investigadores como testemunha.

O general estava na Espanha, visitando a família, quando recebeu contatos de que seria intimado a prestar o depoimento. Segundo oficiais ouvidos pela Folha, Freire Gomes antecipou a volta ao Brasil para falar à PF.

Segundo o ex-comandante, as minutas apresentadas por Bolsonaro passaram por edições até se chegar ao texto que decretava estado de defesa e criava uma comissão de regularidade eleitoral para apurar a "conformidade e legalidade do processo eleitoral".

Na primeira reunião convocada por Bolsonaro, em 7 de dezembro, Freire Gomes conta que não sabia previamente qual seria a pauta do encontro.

Segundo a versão apresentada pelo general, o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins, leu os "considerandos e fundamentos jurídicos da minuta". Depois da leitura, Bolsonaro informou que o "documento estava em estudo" e que "reportaria a evolução aos comandantes".

Na segunda reunião no Palácio da Alvorada, o ex-chefe do Exército contou que a versão do documento já era diferente: tinha uma fundamentação resumida e com a "decretação do estado de defesa e a criação da comissão eleitoral".

O relato descrito no termo do depoimento mostra que o delegado que conduz as investigações leu a minuta de decreto encontrada na casa de Anderson Torres e perguntou se era o mesmo texto apresentado por Bolsonaro no segundo encontro. Freire Gomes confirmou se tratar do mesmo documento.

O texto apreendido com Torres, revelado pela Folha, possuía três páginas e tinha como objetivo reverter o resultado da eleição presidencial vencida por Lula (PT).

A minuta decretava estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, com o "objetivo de garantir a preservação ou o pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral presidencial do ano de 2022".

A sede e demais unidades do TSE ficariam fechadas para preservação de documentos. Uma comissão iria avaliar a "conformidade e legalidade" do processo eleitoral (leia a íntegra do documento).

A Comissão de Regularidade Eleitoral seria composta por 17 membros: do Ministério da Defesa (oito pessoas), do Ministério Públicos Federal (dois), da Polícia Federal (dois), do Senado Federal (um), da Câmara dos Deputados (um), do Tribunal de Contas da União (um), da Advocacia-Geral da União (um) e da Controladoria-Geral da União (um).

O relatório final da comissão conteria, segundo o documento, o material probatório analisado e a relação nominal de eventuais envolvidos em desvios de conduta ou atos criminosos, de forma individualizada.

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O ENIGMA DAS PESQUISAS

Artigo de Fernando Gabeira

As recentes pesquisas que indicam uma queda de prestígio do governo são de difícil interpretação. Evidentemente, cada um tem uma série de motivos para indicar como suspeitos. Mas não há nada em que se possa apoiar de forma conclusiva.

Os indicadores da economia são considerados positivos. Pessoalmente, suspeito de que o preço dos alimentos tenha um pequeno papel, sobretudo na população de baixa renda. Há alguns meses que chamo a atenção para o enlace de dois fenômenos: o El Niño e o aquecimento global. Eles devem ter sido responsáveis pelo aumento do preço de hortigranjeiros e de frutas. Posso constatar isso na feira semanal: a compra que me custava R$ 90 no ano passado custa, agora, R$ 140. Ouço muitas vezes reclamações sobre os preços, sobretudo o da banana.

Apesar dessa constatação empírica, os números não autorizam supervalorizar o aumento do preço dos alimentos. Com tudo o que aconteceu este ano, a inflação de fevereiro, de 0,83%, é praticamente igual à de fevereiro do ano passado (0,84%).

Se o preço dos alimentos tem um discreto papel nesta história, o que mais pode ser anotado em minha experiência empírica?

Ouço muitos lamentos sobre tiroteios e crimes nas áreas mais pobres do Rio de Janeiro, conflagradas pela guerra de traficantes, milicianos e, às vezes, truculentas intervenções policiais. As pessoas clamam por segurança pública, sobretudo na cidade onde moro, e nem todas sabem que é uma atribuição do Estado. Para elas, todos os governos são responsáveis.

Graças a um amigo, tenho a sorte de receber jornais de muitos lugares do mundo. Não vejo governos com grande popularidade. A exceção é El Salvador, onde cresce o prestígio de Nayib Bukele, por causa de uma política de segurança que encarcera grande parte do pequeno país e não reconhece direitos humanos.

Muitos observadores falam da política externa como fator de desgaste. Mencionam a frase de Lula associando a guerra em Gaza a Hitler; e outros ressaltam seu apoio a Nicolás Maduro, na Venezuela.

Também de uma forma empírica, registro que são muito raras as observações sobre política externa nas ruas. No caso de Israel, há uma posição clara a seu favor entre os evangélicos brasileiros e norte-americanos. Isso se deve a uma visão profética que prevê a volta de Cristo e o combate final entre as forças do bem e do mal ali, em Israel.

Neste quadro, dificilmente não haverá desgaste entre eles, mesmo se o governo se limitar à crítica da força desproporcional da resposta israelense ao ataque do Hamas, mesmo se afirmar apenas que não aceita a morte de mulheres e crianças. Aliás, algo que está inscrito na nossa política internacional, pois firmamos a declaração de Dublin sobre a proteção de civis inocentes durante a guerra.

Desde o lançamento do livro de Guy Debord A Sociedade do Espetáculo existe um consenso de que a visão que o público tem de um governo é mais uma impressão do que uma análise minuciosa de seus feitos. No século passado, essa impressão era transmitida pelos jornais, rádio e televisão. Agora, grande parte dessa tarefa se concentra nas redes sociais.

Essa nova situação obrigaria a um estudo detalhado das redes para tentar explicar o que não está muito claro nas pesquisas. Nem tudo o que repercute na imprensa tradicional repercute na rede, e vice-versa.

Será necessário um exame específico para avançar com mais precisão na análise. Algo parece certo: aumentou a sensação de um país polarizado.

Isso faz com que a comunicação pelas redes sociais ganhe mais força. Sou testemunha desse processo. Comentários pela tevê e artigos de jornal às vezes repercutem. Mas nada circula mais do que rápidas intervenções na rede. Sobretudo as que se distanciam da visão convencional.

O fato de o Brasil ainda estar com um alto nível de polarização é negativo para o governo. Afinal, os vencedores têm mais poder de distensionar.

Pela experiência empírica também, as análises que questionam o poder circulam mais rápido e intensamente, sobretudo entre eleitores que se alinham à direita. E, mais ainda, o conceito de governo para muita gente não separa quem executa de quem julga ou legisla. Para elas, governo são todos eles, presidente, STF e Congresso.

Dentro dessas especulações, acredito que a impressão do governo será dominantemente construída nas redes, e, como há supremacia de oposição, a transformação desse quadro depende, claro, da vida cotidiana, mas muito também da luta no mundo virtual.

Os meios de comunicação tradicionais, que gastam dinheiro para apurar e confirmar as informações, continuam sendo a principal fonte de temas de debate. Mas existe uma forte tendência a descrevê-los como se fossem um só bloco com este governo ampliado, uma desconfiança que se estende também à academia e à ciência.

Enfim, mesmo que se entenda bem o mecanismo, será complicado transformá-lo. Confesso que não tenho a fórmula, embora tenha escrito artigos e feito comentários indicando, modestamente, algumas atitudes que só fazem radicalizar a polarização. A grande tarefa é reduzir o abismo de hostilidade e desconfiança, encontrar, ainda que muito estreita, toda a faixa de uma experiência comum.

Artigo publicado no Estadão em 15/03/2024

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quinta-feira, 14 de março de 2024

O EXERCÍCIO DA LIBERDADE

Míriam Leitão, O Globo

Quem quer censurar ‘O avesso da pele’ não se incomoda com o que é realmente escandaloso neste país: a queda da educação no IDH e o racismo que fere os negros com uma divisão inaceitável

Qual foi a intenção do escritor Jeferson Tenório ao escrever o “O avesso da pele”? Foi o que eu perguntei a ele. A obra está no meio de um turbilhão após ter sido atacada pelo obscurantismo e pela censura por supostamente não ser apropriada para jovens do ensino médio. “Eu tinha a intenção de fazer uma grande declaração de amor ao conhecimento, aos livros, às bibliotecas, às referências literárias.” Na história, Henrique, o professor de literatura, consegue atrair seus alunos para “Crime e castigo”, de Dostoiévski. Ele se entusiasma com a vitória e planeja levá-los para Kafka, Cervantes, Virgínia Woolf, Toni Morrison. Ele pensava nisso tão intensamente, andando na rua, que não ouve as sirenes. Ele sonhava com literatura, quando a polícia chegou. Ele era negro.

Vencedor do Prêmio Jabuti em 2021, traduzido em 16 países e proibido a estudantes do Paraná, Mato Grosso e Goiás, o livro pode ser entendido como uma obra sobre o afeto entre filho e pai, a complexidade das relações raciais no Brasil, a violência cotidiana de gestos, palavras, supostas piadas, abordagens policiais a que os negros brasileiros são submetidos. Fala da dificuldade de ensinar literatura a jovens, e da corrida do professor entre colégios para ter uma renda. É um livro sobre o Brasil com suas feridas. É tudo, menos um livro de pornografia.

Quem quer censurar usa uma cena ou um palavrão para atirar contra o livro. Pretexto. Parte de quem não vê o que é realmente escandaloso no país. É a educação ter caído no IDH em 2022. É sermos ainda um país que fere diariamente os negros com uma divisão inaceitável. Muita gente tem reagido em defesa do livro, mas ficam as dúvidas. Quando termina um movimento que começa com a retirada de livros das escolas? Que mal íntimo a censura faz ao autor? Perguntei a Jeferson Tenório se esses fatos podem acabar provocando a autocensura.

— Acho que isso é uma das estratégias do ultraconservadorismo, em que se inverte a lógica. Então você coloca a culpa na vítima. Como se fosse um crime colocar um palavrão ou uma cena de sexo num livro. E aí o autor, o artista, passa a se questionar: será que eu estou de fato exagerando? É um exercício que a gente deve fazer enquanto criadores. O exercício de liberdade. Um exercício interno de entender que o que eu estou produzindo depende justamente desse consentimento de liberdade que o fazer estético nos dá. Ou seja, eu só posso criar uma obra literária a partir dessa premissa da liberdade. Mas não é fácil mesmo porque a gente tem que estar sempre lutando consigo mesmo: será que eu coloco isso aqui? Será que não? — respondeu Jeferson, na entrevista que fiz com ele na GloboNews.

A censura é insidiosa. Ela arma essa cilada. Tenta ganhar até quando perde, entrando dentro do autor. Jeferson está escrevendo um novo livro que se passa no ambiente acadêmico em mudança, após a chegada de pessoas negras.

— Houve uma revolução silenciosa, o rosto da universidade se modificou e com isso mudou também o conhecimento que é validado ali dentro.

Hoje há muito mais negros publicando obras que fazem sucesso e têm destaque, mas há aí uma sutileza importante a ser entendida, no que ele define como uma “primavera negra”.

— Isso deve ser comemorado. A gente pode falar de Conceição Evaristo, Itamar Vieira Junior, Eliana Alves Cruz, Ana Maria Gonçalves. Por outro lado, me preocupa um pouco esse discurso de tentar “guetizar” os escritores negros, e dizer que eles não fazem uma literatura canônica. Como se a gente estivesse fazendo outra coisa que não literatura. Porém, é importante que a gente marque um território político ao dizer e reforçar, em determinados momentos, que são autores negros e, em outros, se colocar como autor.

“O avesso da pele” é sobre literatura, relações familiares, racismo estrutural. O autor explica:

—O professor Henrique é um professor negro de literatura, essas relações familiares acabam sendo atravessadas pela questão do racismo estrutural e pela violência policial. É um livro que congrega todos esses temas em torno da história entre pai e filho.

“O avesso da pele” é lindo, forte e narrado de forma a criar a imediata intimidade do leitor com a história. “Até o fim você acreditou que os livros podiam fazer algo pelas pessoas”, diz Pedro ao seu pai, Henrique. É esse o livro que tentam censurar no Brasil. Começam assim as fogueiras.

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CIRO ESTÁ ERRADO SOBRE OS PRECATÓRIOS

Felipe Salto*, O Estado de S. Paulo

O STF decidiu corretamente ao brecar a descida da bola de neve pela montanha. O governo agiu acertadamente ao cumprir a decisão

Já votei em Ciro Gomes e nutro admiração pelo seu estilo aguerrido e combativo. O ex-governador e ex-ministro tem muita experiência e colaborou bastante para o debate público e a elaboração de políticas públicas no Ceará e no Brasil. Na questão dos precatórios, entretanto, discordo de Ciro em suas recentes avaliações.

Quando da promulgação das Emendas Constitucionais n.º 113 e n.º 114, derivadas da famigerada PEC dos Precatórios, avaliei que o limite estabelecido pelo artigo 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) teria efeitos deletérios sobre as contas públicas. Chamei aquilo de bola de neve, o que rendeu um desenho do saudoso Paulo Caruso na entrevista que concedi em dezembro de 2021 ao Roda Viva, na TV Cultura, com a frase pescada da minha resposta à jornalista Vera Magalhães, âncora do programa: “PEC é bola de neve rolando a montanha”.

O precatório é uma dívida pública derivada de decisão judicial. Para ter claro: o juiz manda pagar e estipula o prazo. A ordem não pode ser desobedecida. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101, de 2000) determina, inclusive, que todo precatório expedido não pago na data determinada pela Justiça seja contabilizado na chamada dívida consolidada do respectivo ente federado. A meu ver, como já defendi neste espaço, aliás, em artigo escrito em parceria com o professor Fernando Facury Scaff, todo e qualquer precatório tem essa mesma natureza. Agora me lembrei de Leonel Brizola: “Tem cara de jacaré, rabo de jacaré e boca de jacaré, e não é jacaré?”.

Se os precatórios não pagos no prazo fossem contabilizados como dívida pública, então, contabilmente, as despesas realizadas quando do seu pagamento seriam financeiras, e não primárias. Isso porque teriam como contrapartida a baixa no passivo. É como ocorre quando são pagos o principal mais os juros dos títulos públicos, no seu vencimento, para os detentores dos papéis. A despesa é realizada, mas o passivo, a dívida do Estado, cai. Não se trata só de um tópico contábil, antes que venham os colegas economistas com quatro pedras na mão, como se contabilidade pública fosse coisa menor.

A questão é intrincada. Primeiro, decisão judicial, num país sério, se cumpre. Os precatórios, portanto, todos derivados de decisões judiciais, devem ser pagos e ponto final. Foi assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) fulminou a PEC do Calote, na verdade, o texto do artigo mencionado que estabelecia um limite para o pagamento dos precatórios. O efeito daquele teto era jogar para a frente o excedente, em efeito bola de neve que atingiria prováveis R$ 300 bilhões até 2027. Calote puro.

A justificativa tinha duas pernas: a falta de controle desse gasto, que emana de decisão judicial e, portanto, não pode ser comandado pelo Executivo; e o seu crescimento exponencial observado nos últimos anos. Quanto a isso, falta, na verdade, planejamento. A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) fazem um trabalho primoroso, pautado por excepcional qualidade técnica, e alertam o governo sobre os riscos, classificando as ações judiciais quanto à probabilidade de perda e o valor envolvido. Conheci o trabalho quando estive à frente da Instituição Fiscal Independente (IFI). Isso já aparece em boa medida no Balanço Geral da União e no Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, ano a ano. É preciso, isto sim, criar um sistema de monitoramento, como propus em 2021.

Como conciliar a boa gestão fiscal, sob princípios adequados de planejamento orçamentário e econômico e sob regras fiscais, à dinâmica dos precatórios? A saída contábil, a meu ver, é a que descrevi acima. De rigor, nada de usar o espaço eventualmente gerado no resultado primário para torrar. Todo o espaço seria destinado à amortização da dívida pública. Um dispositivo simples na LRF resolveria essa grande preocupação, de fato, da qual compactuo. Fato é que para tudo há solução, a não ser para a morte.

Mas o ponto de Ciro Gomes é outro. Ele está preocupado com o pagamento feito a toque de caixa, no final do ano passado, para instituições que adquiriram o direito de receber junto dos precatoristas, com deságio. Por partes. Se o direito de receber foi negociado pelo precatorista, trata-se de decisão individual. Ele preferiu a liquidez em troca de um pedaço do seu precatório. A outra parte assumiu o custo de esperar para receber. Não há nada de ilegítimo ou ilegal nisso. Errado é defender que não se pague um precatório. Sob qual justificativa? Descumprir uma decisão judicial que determinou, por exemplo, o direito a um benefício de aposentadoria mal calculado, a um valor por serviço prestado ao poder público, a um auxílio-alimentação de um servidor etc.?

O STF decidiu corretamente ao brecar a descida da bola de neve pela montanha. O governo agiu acertadamente ao cumprir a decisão. Problema resolvido? Longe disso. É hora de moldar um sistema de monitoramento para os precatórios e promover a mudança contábil que temos defendido há algum tempo. Há outras possibilidades sobre a mesa. Vamos discuti-las.

*Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo

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SENADO NA CONTRAMÃO CIVILIZATÓRIA

Thiago Amparo, Folha de S. Paulo

Democracias que se prezem adotam política oposta com relação às drogas

Se a intenção da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado era atestar, na letra da Constituição, o quão atrasado em matéria de política de drogas é o país, conseguiu. Nesta quarta (13), a comissão aprovou uma PEC que cristaliza o oposto do que todas as democracias que se prezem estão fazendo mundo afora: incute na Carta o crime de possuir ou carregar qualquer tipo de droga, mesmo que seja para consumo próprio.

Ao usar o cartucho de uma PEC para piorar a já ruim lei de drogas —principal responsável pelo inchaço de 257% das prisões brasileiras nas duas últimas décadas—, o Senado usa uma arma nuclear para explodir um ladrão de galinha. Para justificar a emenda que piora o soneto, o relator da proposta, Efraim Filho (União Brasil-PB), inventou um oximoro: "Tráfico em pequenas quantidades". A realidade, senador, é outra: a maioria dos presos por tráfico nem sequer tem relação com facções, conforme estudo do Ipea de 2023.

Na ausência de um critério objetivo que ajude a diferenciar traficante de usuário —principal gargalo da lei de drogas ora sob análise do STF—, ser negro e pobre parecem ser fatores determinantes para enquadrar o réu como traficante, mesmo quando não o é. O que o Senado faz é agravar essa situação ao criar uma punição genérica que torne ainda mais nebulosa a diferença entre traficante e usuário; e sabemos que, mesmo com categorias turvas, o Judiciário não falha em ver negros como o primeiro e não o segundo.

A CCJ do Senado Federal, ainda, exagera os efeitos da decisão do STF. Mesmo que decida uma quantidade objetiva de maconha para consumo pessoal, o parecer da corte deve ter pouco ou nenhum efeito sobre um sistema judicial que privilegia a palavra do policial e sobre um sistema policial que se alimenta da impunidade referendada pelo Judiciário para praticar abordagens e operações violentas. A deliberação do Supremo em nada muda isso, e é justamente com essas mazelas, e não com populismo penal retrógrado, que o Senado deveria se preocupar.

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quarta-feira, 13 de março de 2024

UM COMÍCIO QUE MARCOU A HISTÓRIA DO BRASIL

Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense

Era mais útil respeitar as decisões do Congresso e convencer a sociedade de que as reformas eram necessárias, em vez de tentar impô-las, fiando-se no “dispositivo militar”

A memória do ex-presidente João Belchior Marques Goulart (PTB) será lembrada nesta quarta-feira num evento convocado pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), sob a presidência do jornalista Octávio Costa, a propósito dos 60 anos do Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. Estarão presentes a viúva do ex-presidente João Goulart, dona Maria Thereza; Clodsmidt Riani Filho, organizador do comício; e o jornalista, professor de literatura e ex-capitão do Exército Ivan Proença, ex-presidente do Conselho Deliberativo da ABI, que pertencera ao chamado “dispositivo militar” de Jango, como oficial de sua confiança nos Dragões da Independência.

Em 1º de abril, após impedir a invasão do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (Caco) da Faculdade Nacional de Direito por um grupo paramilitar de extrema-direita, ao voltar para o Ministério do Exército, Proença foi preso pelos colegas. Jango havia se deslocado para Brasília, o golpe de Estado estava consolidado. Deu errado o famoso “dispositivo” do chefe do Gabinete Militar da Presidência, Argemiro de Assis Brasil, que consistia em promoções e nomeações a comandos importantes de militares supostamente leais ao presidente da República.

A situação havia se radicalizado desde o plebiscito que restabeleceu o presidencialismo, em 6 de janeiro de 1963. A oposição ao presidente João Goulart, que havia assumido o Palácio do Planalto após a surpreendente renúncia de Jânio Quadros, no contexto de um regime parlamentarista negociado com a oposição, acusava Jango de preparar um golpe de Estado aliado aos comunistas.

Em 12 setembro daquele ano, em Brasília, uma rebelião de sargentos da Aeronáutica e da Marinha, que não aceitaram a decisão do Supremo Tribunal Federal de não reconhecer a elegibilidade dos sargentos para o Legislativo com base na Constituição, alimentou as suspeitas. Em protesto, os sargentos tomaram de assalto a Base Aérea e o Ministério da Marinha, fecharam rodovias e o aeroporto, invadiram o Congresso Nacional e ocuparam o prédio do STF.

Os comandantes militares liquidaram a rebelião dos sargentos, mas ficaram ressentidos com Jango, por sua “neutralidade” diante da insubordinação e da quebra de hierarquia militar, que sempre foram vistas como ameaça aos fundamentos organizacionais e operacionais das Forças Armadas. Além disso, desde outubro, quando fora entrevistado pelo jornal Los Angeles Times, o governador carioca Carlos Lacerda (UDN) atacava o presidente da República e os chefes militares que o apoiavam.

Irritado com Lacerda, Jango solicitou ao Congresso a decretação de estado de sítio para intervir na Guanabara, mas houve forte reação dos grandes partidos da época, PTB, UDN e PSD, e até dos comunistas, que rejeitaram a proposta. O desgaste de Jango foi grande. A oposição passou a acusá-lo de inimigo da democracia e da legalidade, ao mesmo tempo em que ela própria conspirava para destituir o presidente da República.

Apelo às massas

A situação econômica do país era delicada, com uma inflação de 79,9%, a economia estava estagnada, com uma taxa de crescimento de 1,5%, o que levou o empresariado e a classe média à oposição. Além disso, num ambiente de guerra fria, a aproximação de Jango com os países socialistas, principalmente União Soviética, China e Cuba, apesar de ter sido iniciada por Jânio Quadros, levou ao bloqueio financeiro pelos credores externos. E os Estados Unidos, presidido por Lyndon Johnson após o assassinato de John Kennedy, se negaram a renegociar a dívida externa brasileira.

Foi quando o assessor de imprensa de Jango, o jornalista Raul Riff, ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), procurou Antônio Ribeiro Granja, integrante do secretariado do Comitê Central da legenda, para marcar um encontro de Jango com o líder comunista Luís Carlos Prestes. Os dois se reuniram num apartamento em Copacabana. À saída do encontro, Prestes comentou com Granja que Jango estava se sentindo acuado e temia o colapso financeiro do governo. Por isso, havia sugerido ao presidente da República que “apelasse às massas” para realizar as reformas de base. Dessa conversa resultou o comício da Central do Brasil, para o qual os sindicatos controlados por PTB e PCB promoveram intensa mobilização.

No foyer do nono andar da ABI, será inaugurada a exposição Rio 64 — a capital do golpe, que permanecerá em cartaz até 13 de abril. A exposição traz uma representação iconográfica dos principais acontecimentos que culminaram no golpe de 31 de março, consumado na madrugada de 1º de abril, data desprezada por ser o dia da mentira. Não foi, os militares permaneceram no poder por 20 anos. Há diferentes leituras sobre o golpe de 1964, todas têm em comum a conclusão de que Jango havia se isolado, os Estados Unidos patrocinaram o golpe de Estado e as esquerdas não tinham a força que imaginavam na Central do Brasil. Em vez de apostar num “dispositivo militar”, era mais importante respeitar as decisões do Congresso e convencer a sociedade de que as reformas eram necessárias. E não as impor.

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terça-feira, 12 de março de 2024

COMISSÃO DE EDUCAÇÃO VIROU XEPA

Carlos Andreazza, O Globo

Só por isso ficou com Nikolas Ferreira. O PT escolheu a de Saúde. O resto é fita para afetar indignação

As emendas de comissão foram preparadas para ser — neste ano eleitoral — o novo abrigo (nova fachada) à dinâmica autoritária do orçamento secreto; que nunca acabou e que, mantido o núcleo duro de sua operação, vai se adaptando, de rubrica em rubrica, à natureza da superfície em que se desenrola. Com o aval do governo Lula e o despercebimento do STF — Corte constitucional cuja onipresença proativa tornou fútil o controle de constitucionalidade.

Não importa se afinal reunindo (o veto do presidente posto na pista para negócio) R$ 16 bilhões ou R$ 11 bilhões. Ali, nas emendas de comissão, constituiu-se um fundo eleitoral paralelo; não à toa a carga — e o pacto informal entre Planalto e Parlamento — pela liberação das verbas até junho.

Para que se estime o potencial da cousa, o fundo eleitoral oficial aprovado terá menos de R$ 5 bilhões.

Desnecessário, doravante, explicar a importância extraordinária-estratégica de controlar as comissões mais bem dotadas. Ter poder sobre parte desses recursos é garantir competitividade — e se blindar contra os adversários. E o adversário do governo na Câmara, hoje, não é o bolsonarismo de Nikolas Ferreira. É o Lirão dominador do Orçamento.

Foi em função da grana, do acesso aos dinheiros, que se batalhou a distribuição dos comandos dos colegiados. Esse é o jogo grande; aquele em que o PL bolsonarista, por robusta e barulhenta que lhe seja a bancada, não tem lugar.

A comissão de Educação (apenas R$ 180 milhões para emendas) foi tornada xepa, só por isso ficou com Nikolas Ferreira. O resto é fita para afetar indignação.

Leu-se por aí variação sobre esta manchete: “Base tenta conter danos após revés em comissões”. Que base? O governo Lula não tem a que apregoa. Está aí o União Brasil, uma confederação de patrimonialismos e outros oportunistas, com seus bivares em guerra, para exemplificar impossibilidade e inexistência. A base governista — aquela, modesta, com que se pode contar sempre — sendo composta por parlamentares de PDT, PSB e, quase sempre, PSOL, afora os do PT.

E então o “revés” — a eleição de bolsonaristas para o comando das comissões de Educação e de Constituição e Justiça — cujos “danos” se tentaria “conter”. Que revés? Um que é produto de acordo? O governo Lula fez acordo, donde escolha. O PT, segunda maior bancada, poderia ter pegado a Comissão de Educação — e, pois, não haveria Nikolas Ferreira. Não quis. (Daí Nikolas Ferreira, o “dano”.)

Preferiu a de Saúde, bilionária em emendas parlamentares (R$ 4,5 bilhões), para se proteger — para proteger o governo — contra o Lirão, interessadíssimo na bufunfa e agente pelo enfraquecimento da ministra da Saúde. Dano e danos. Daninhos e danões. O mundo real que se impõe.

Esse é o jogo grande, em que a Comissão de Educação se transformou em preocupação menor. A chegada do PL bolsonarista ao comando de comissão outrora tão cara ao petismo derivando de oportunidade no vácuo da peleja real. Disputa da qual saíram um Lira menos vitorioso do que vende a propaganda e um governo menos derrotado do que pretenderia o “revés”. O PL bolsonarista a ocupar as brechas — a vitória possível aos ora irrelevantes.

Este é o choque — governo versus Lirão. A oposição, a que se exerce materialmente via controle de fundos orçamentários, com que o Planalto se preocupa. O resto, nas sobras, sendo onda, que faz volume e desvia as atenções: “Partidos da base governista estão montando tropa de choque para tentar conter possíveis iniciativas da ala mais radical do PL”.

Partidos da base governista armam tropa de choque para dividir o protagonismo instagramável numa comissão de cujo comando o governo abriu mão. Bom para todos os envolvidos, “base” incluída. Muito barulho. Muita produção de vídeos curtos para as redes. Muito engajamento. Muita espuma — a espuma da resistência — para tapar a realidade que José Guimarães, líder do PT, expõe:

— Tem compromisso do líder [do PL] Altineu Côrtes de não criar nenhuma dificuldade nas políticas que o ministro Camilo [Santana] está desenvolvendo.

Pode-se desconfiar da capacidade de o PL bolsonarista criar dificuldades reais — que não a convocação semanal de ministros ao Parlamento — para o governo. (Questão de competência.) Não se pode confiar em compromisso de líder de oposição que consista em não tentar fazer oposição.

O ministro Camilo pagará a conta, chamado ao palco da lacração. Daninho. O sacrifício, no tablado da segunda divisão, em troca de dividir o fundo eleitoral paralelo e evitar o danão.

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segunda-feira, 11 de março de 2024

TEM NEGRO MORRENDO, MAS NÃO 'TÔ NEM AÍ'

Ana Cristina Rosa, Folha de S. Paulo

Impressionante o desrespeito à cidadania e a afronta aos direitos humanos

Não há como pensar sobre segurança pública no Brasil sem considerar o racismo institucional.

A conclusão deveria ser óbvia para quem acompanha o noticiário nacional. País afora, são reiteradas as situações de abuso e violência cometidos por agentes de forças policiais contra pessoas negras.

Tem jovem tomando tiro pelas costas, no DF; disparo de fuzil a queima roupa contra homem desarmado, no RJ; prisão da vítima no lugar do agressor, no RS; morte por asfixia em viatura oficial, no SE; E por aí vai...

Contudo, na mais importante unidade da federação o governador decidiu dar de ombros, ironizar e assumir que não está "nem aí" para denúncias de abusos contra negros e pobres durante a Operação Verão, da PM, na Baixada Santista, após a morte de um soldado.

Registros oficiais apontam que, em São Paulo, as mortes em decorrência de intervenção policial subiram 94% nos dois primeiros meses de 2024, segundo a Conectas Direitos Humanos e a Comissão Arns, que apresentaram queixa à Organização das Nações Unidas (ONU) na semana passada.

"Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí", disse Tarcísio de Freitas a respeito dessa que é a segunda ação mais letal da história do Estado. Perde só para o massacre do Carandiru.

Impressionante o desrespeito à cidadania e a afronta aos direitos humanos. Mas a história ajuda a lembrar que a origem da nossa polícia militar remonta ao século 19, com a chegada de Dom João 6º, em 1808. À época, foi criada a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro para proteger os nobres. Um doce para quem adivinhar: proteger de quem?

Segurança pública inclui diversas nuances e é, com certeza, um tema tão importante quanto complexo. Mas é preciso admitir que está atravessado pelo vale tudo colonialista alimentado pelo preconceito e pelo racismo.

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LAMENTOS DO RIO

Artigo de Fernando Gabeira

Às vezes, acordo com o barulho de tiros no morro. Sento-me na cama e me pergunto: tiros ou fogos de artifício? Tiros. Volto a deitar seguro: a configuração arquitetônica torna improvável uma bala perdida na minha cama.

Na última semana, a Defensoria Pública do Rio fez um amplo relatório da ação da polícia nas favelas, destinado ao STF. Os dados foram colhidos das câmeras dos soldados.

Foram muitas as abordagens violentas. Instado a comentar o tema, pensei em falar na educação e no equipamento dos policiais. Dei-me conta de que apenas acionava o piloto automático. Com os mesmos recursos, os policiais não repetem sua atuação truculenta nos bairros mais ricos da cidade.

Tudo isso me reforça a sensação de que vivemos numa área protegida do caos urbano no Rio Janeiro, ameaçada apenas por pequenos furtos e alguns assaltos. Grande parte do Rio, talvez mais da metade, está sob controle de grupos armados, milícia ou tráfico. A chegada do poder público simbolizada pela polícia traz mais apreensão e confrontos violentos.

O jovem advogado Rodrigo Crespo foi assassinado no Centro do Rio. Dos três suspeitos, um era da PM, e dois trabalhavam na Assembleia Legislativa. Isso é mais uma demonstração do quadro de coração das trevas: crime, polícia e políticos entrelaçados. Já no passado, o escritório do crime que funcionou no Rio revelou também que um de seus líderes trabalhava num gabinete parlamentar. Tudo indica que o crime organizado no Rio não se limita a produzir recursos por meio da venda de segurança, gás, do transporte em vans e construções irregulares. Emprega também alguns dos seus atores no próprio Parlamento estadual.

O cerco cada vez mais se fecha sobre a área que ainda consegue respirar alguma liberdade no Rio. Em breve teremos eleições, o que me parece mais uma insanidade, no sentido dado à palavra por Einstein: fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes.

O Rio continua ocupado por milícias e tráfico, apesar da queda do grupo de Santa Cruz na semana que passou. Mesmo as quedas não conseguem resolver esse problema, pois um novo grupo ocupa o espaço vazio. Não há esperança de que as eleições resolvam o problema, sobretudo num estado com tantos governadores que já foram presos. A possibilidade maior é que voltem à cena políticos que passaram pela penitenciária.

É provável que, no futuro próximo, a área que ainda respira se veja diante de um dilema: resistir coletivamente ou deixar a cidade. Claro que resta ainda a alternativa de nada fazer esperando que o tempo conserte as coisas. Nesse caso, o tempo funciona como uma dimensão mítica que modifica o destino das pessoas sem a interferência delas.

Outras cidades do mundo passaram por esse momento dramático e o superaram. Nova York já pareceu um lugar sem futuro, Medellín, na Colômbia, era tida como território perdido para o tráfico de drogas e assassinos a soldo, os sicários. Com todo o respeito a esses lugares (Medellín conheci depois da morte de Pablo Escobar), nenhum deles tem o perfil paradisíaco da natureza do Rio. A cidade merece uma energia extra para resgatá-la da decadência.

O governo federal chegou a esboçar um projeto de trabalho conjunto com o Rio. Mudou o ministro da Justiça, não se sabe como ficará o projeto. O interessante é colocar na mesa do próprio Haddad e convencê-lo de que a insegurança pública inibe novos investimentos e expulsa os existentes. Creio que esse enfoque, facilmente demonstrável, poderia acionar o poder público, embora a tarefa transcenda a governos. É um esforço que depende também da própria sociedade.

Artigo publicado no jornal O Globo em 11/03/2024

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"FAZ O PIX AÍ"

Bruno Abbud, da coluna do Guilherme Amado, Metrópoles

“Faz o Pix aí”: homem de Zema em Brasília trata de propina em mensagem

Então coordenador do Podemos, Bruno Ornellas fala em vender por R$ 900 mil de propina nomeação em Goiás, governado por Ronaldo Caiado

Uma conversa entre um empresário de Brasília e o advogado Bruno Ornelas, atual representante do governo de Minas Gerais na capital federal, revela um esquema de venda de cargos no Departamento Estadual de Trânsito de Goiás.

Nos diálogos por WhatsApp, de maio de 2022, aos quais a coluna teve acesso, Ornelas pede dinheiro para nomear um indicado do empresário para a gerência do Departamento de Tecnologia da Informação do órgão de trânsito. O preço do possível tráfico de influência: R$ 900 mil.

À época, o advogado era responsável pela coordenação política nacional do Podemos, partido ao qual, em março de 2022, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, entregou a administração do Detran em troca de apoio à reeleição. Na ocasião, Eduardo Machado, ex-presidente do PHS, partido incorporado pelo Podemos em 2019, assumiu a presidência da instituição.

Nos diálogos, Ornelas diz agir a pedido de Felipe Cortês, então colega de partido e candidato derrotado a deputado estadual em Goiás em 2022, ao pedir pagamentos ao empresário: “O Detran lá é nosso, mas o jogo é dele [Cortês]”, afirmou. Diversas mensagens mostram a pressão exercida pelo advogado: “Faz o Pix aí”; “Lindão, faz logo de 100”; “Manda mais 100k”; “Lindão, só trabalho com comprovante”; “Ou tem capim ou não tem”; “Irmão, 17 horas é o prazo final pra TED”; “Manda os 100 que garanto irmão”, entre outras (veja os prints).

Em uma das mensagens, Ornelas pede o adiantamento de R$ 100 mil para Cortês, e menciona o governador Ronaldo Caiado: “Faz o Pix do Felipe aí, carai. 100k”; “[Cortês] Disse que vai rodar sim. Esteve com o governador [Ronaldo Caiado]. Mas é a gerência de Tecnologia. Não será a diretoria”. Em um vídeo enviado por Ornelas ao empresário, Cortês também citou o governador de Goiás ao prometer nomear o indicado do empresário para o cargo no Detran: “O governador já fez o compromisso. Até sexta-feira, graças a Deus, vamos publicar a po… da TI”, disse Cortês. A assessoria de imprensa do governador Ronaldo Caiado não retornou as perguntas enviadas pela reportagem. Procurado, Caiado também não respondeu.

Comprovantes aos quais a reportagem teve acesso mostram o depósito de R$ 150 mil à dupla do Podemos – sendo R$ 100 mil destinados à conta da esposa de Cortês, Fabiola Prado, que chegou a ser nomeada neste ano para um cargo de assessora especial no governo de Caiado, mas a nomeação foi anulada e ela não tomou posse. Outros R$ 50 mil foram destinados pelo empresário a uma conta indicada por Ornelas, em nome da empresa Hiperpay Serviço de Pagamentos Ltda.. Apesar dos pagamentos, a nomeação também não foi consumada.

Mais tarde, diante de mais pedidos de dinheiro, o empresário reclamou: “Só pede, só pede, aff”. “Tem um mês que mandamos lá pra ele [Cortês] os 150 mil. Ele fez nada”, escreveu. “Tem que dar saída lá papai. São 900 mil. Bb. Né 90 mil não”; e “Manda ele mostrar q tá andando”. Ornelas respondeu: “Deixa rolar primeiro. Aí vamos lá sentar na cadeira do presidente [Eduardo Machado]”.

Em outra mensagem, Ornelas enviou ao empresário uma foto da presidente Nacional do Podemos, a deputada federal Renata Abreu, durante um encontro de correligionários, e, em seguida, a mensagem: “Seus amigos”. O advogado trabalhou como assessor no gabinete da deputada por quase dois anos, entre 2017 e 2019. Procurada, a presidente do Podemos, Renata Abreu, não respondeu até o fechamento desta reportagem.

Bruno Ornelas afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “desconhece qualquer negociação de cargo ou qualquer outra ação que tenha usado seu nome de forma indevida e criminosa” e que “não mantém nenhum vínculo com o Governo do Estado de Goiás, sendo, dessa forma, impossível qualquer ingerência sua sobre qualquer assunto ou processo de contratação”.

“A verdade é que não há nem nunca houve qualquer negociação referente ao assunto tratado”, informa outro trecho da nota. Confrontado com as mensagens, Ornelas não respondeu.

Felipe Cortês chegou a retornar o contato feito por telefone, mas depois ignorou as chamadas. Ele também não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem. O espaço continua aberto para que todos se manifestem.

Procurada, a assessoria do governador Romeu Zema enviou nota: “A assessoria de comunicação da Casa Civil informa que todos os contratados pela pasta passam por processo seletivo. Assim ocorreu com o referido servidor [Bruno Ornelas] e somente ele pode responder por qualquer fato anterior à sua nomeação”.

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