Uma notícia me deixou impressionada. No Rio de Janeiro, um
jovem soldado da PM que enfrentou os rigores do treinamento para uma vaga na
UPP com o estoicismo de quem não pode sequer pensar em desistir morreu após uma
série de exercícios muito intensos.
Imagino o sofrimento da família, a tristeza dos amigos e me
pergunto se os dirigentes do Estado conseguem ver o conflito íntimo de milhões
de jovens que batem às portas das instituições em busca de uma chance na vida,
já tendo passado nas duras provas da mortalidade infantil, violência,
precariedade na educação e todos os "vestibulares" da pobreza.
Pensava em comentar o assunto quando outra notícia me deixou
ainda mais impressionada. Uma jovem, no interior de São Paulo, morreu num
acidente após fotografar e enviar pelo celular o velocímetro do carro marcando
170 km/h. Mais uma vez, as imagens de uma família em luto e amigos sofrendo.
Penso em minhas filhas, nessa mesma faixa de idade, e me emociono.
Desisti de escrever sobre essas notícias. Exigem longas
reflexões e consultas aos pensadores que tentam dar conta da complexidade da
sociedade contemporânea. Ressaltam a mudança no que antes conhecíamos como
"sentido da vida", hoje balizado por necessidades que vão além da
mera sobrevivência e possibilidades que vão além do acesso ao consumo.
O cotidiano de nossas cidades está marcado por essas
tragédias, tão numerosas que já fazem parte de nosso modo de ser e estar no
mundo. De longe, no noticiário, não percebemos como são emblemáticas e como
dizem respeito às nossas vidas, nossas famílias e comunidades.
Depois pensei: devo ao menos registrar o quanto importa a
notícia da vida e morte desses jovens, como um convite à reflexão. Refletir
para além de condenar, buscar culpados, protestar na forma de queixa ou
revolta. Essas vidas não podem passar despercebidas na insensibilidade de nossa
pressa, no alucinante ritmo urbano, que é, afinal, o causador de tantas mortes
e sobre o qual devemos pensar com tempo e profundidade.
Assuntos e tragédias do cotidiano precisam ser debatidos com
calma, sem a ansiedade dos índices de audiência. Devemos ser capazes de fazer
isso em nossas famílias, comunidades, círculo de amigos: parar um pouco e
conversar sobre os acontecimentos que vivemos em nossas cidades e os
significados que carregam.
Em nosso diálogo podem surgir ideias, projetos com que nos
identificamos, veredas para um futuro onde a vida seja cheia de sentido e
valor. Que não esteja presa na necessidade imposta pelo excesso da falta nem
abandonada ao excesso da desmedida presença.
Que a vida seja cultivada e valorizada, jamais suprimida.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na versão
impressa da Folha de S. Paulo.
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