terça-feira, 21 de janeiro de 2014

ENTREVISTA: EDUARDO SUPLICY

Do jornal O Povo
Eduardo Suplicy entrou agora no 24º ano consecutivo como senador. Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), ele se diz otimista com as chances de reeleição da presidente Dilma Rousseff e faz um balanço favorável do que representarem os onze anos da agremiação no poder federal. Pronto para mais uma campanha de reeleição, Suplicy sustenta, com o entusiasmo de quem parece estar iniciando sua trajetória política, a bandeira da Renda Básica de Cidadania, iniciativa que domina seu discurso e, nos próximos meses, o levará para debates e palestras no exterior. O senador paulista conversou com O POVO em dois momentos. A primeira parte quando de sua passagem por Fortaleza na última segunda-feira, dia 13; a segunda, por telefone, na tarde da quinta, dia 16. Confira a entrevista na íntegra.
O POVO – O senhor é autor de uma proposta que cria a Renda Básica de Cidadania no Brasil, aprovada há dez anos pelo Congresso. O que falta para ela ser, enfim, regulamentada?
Eduardo Suplicy – Estou, justamente, propondo à presidenta Dilma Rousseff que designe um grupo de trabalho com o propósito de estudar as etapas de implantação da Renda Básica de Cidadania, conforme prevê a lei. Definir como iremos fazer a transição de um programa que tem sido tão positivo, o Bolsa Família. Há condicionalidades importantes nele, que até podem ser vistas como um processo educacional interessante.
OP – O que muda, então, em relação ao que há hoje como Bolsa Família?
Suplicy – Claro que só compensaria instituir a Renda Básica, inclusive para os beneficiários do Bolsa Família, se começássemos de um patamar superior a esse de R$ 70,00. Digamos que comecemos com R$ 80,00 por mês e que a presidenta chegue à conclusão, a partir de um grupo de estudos que possa realizar um trabalho e dizer: precisamos pensar numa fonte de financiamento adequado para que o Brasil pague efetivamente o que está previsto na lei. Ou seja, uma renda que, na medida do possível, consiga satisfazer as necessidades vitais de cada um, mesmo que começando de um nível modesto. Digamos, o que seria algo um pouco maior do que garante hoje o Bolsa Família, R$ 80,00 por mês. Então, se surgir essa fonte de financiamento poderá ser objeto deste grupo de estudos e, claro, com o tempo necessário, a partir de janeiro do ano tal, quando se estiver pronto para isso, a presidenta, os governadores, os prefeitos, anunciarão que todas as pessoas residentes neste município, neste Estado, no Brasil, passaremos todos a receber, digamos, R$ 80,00 per capita, um dia será R$ 100,00, um dia R$ 200,00, um dia R$ 500,00, um dia R$ 1.000,00, mais e mais com o progresso da Nação a ninguém será negado. Até para aqueles que recebem mais? Até para o Pelé, a Xuxa, o senador Eduardo Suplicy, o governador Cid Gomes, para o mais bem sucedido empresário brasileiro, Antonio Ermirio de Moraes, para a presidenta Dilma? Sim. Evidentemente que os mais têm contribuirão mais para que todos nós venhamos a receber. Será muito mais simples de todos compreendermos, eliminaremos qualquer tipo de burocracia envolvida no sentido de buscar saber quanto cada um ganha no mercado formal ou informal; eliminaremos o estigma ou sentimento de vergonha da pessoa precisar dizer que só recebe tanto e por isso merece um complemento de renda; eliminaremos o fenômeno da dependência que acontece quando se tem um sistema que diz que quem não recebe até patamar tal tem dinheiro a receber um complemento e a pessoa está por decidir se inicia uma atividade que vai lhe render um montante ‘x’, mas se iniciá-la e receber aquele montante e vier o governo e me retirar o que eu recebia naquele programa, talvez, então, a pessoa opte por desistir dela e entre na armadilha da pobreza ou do desemprego. Se iniciarmos da renda básica em diante, ao contrário, sempre haverá o estimulo ao progresso.
OP – O senhor tem ideia de quanto custaria, hoje, implementar no Brasil o programa da Renda Básica?
Suplicy – Permita apenas que eu aponte a maior vantagem, que é do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano. Do ponto de vista de que de que se o desenvolvimento for para valer deve significar maior grau de liberdade para todos, para a jovem que por falta de alternativas para o sustento de seus filhos resolve vender seu corpo, para o jovem que pela mesma razão resolve se tornar aviãozinho da quadrilha de narcotraficantes, e tantas pessoas mais que às vezes vemos se submetendo a condições de trabalho que lembram a escravidão. Estas pessoas, uma vez que houver a renda básica para si e para todos na sua família, ganharão o direito de dizer ‘não’ diante de uma única alternativa que por ventura surja que possa ferir a sua dignidade, colocar a sua saúde e vida em risco.
OP - Senador, apesar de todas as explicações que o senhor apresenta sobre a ideia, as pessoas perguntam: por que pagar renda mínima para quem não precisa? Como o senhor responde a elas de forma objetiva?
Suplicy – Há extraordinárias vantagens, até para essas pessoas que têm mais e poderiam até abrir mão de receber, isso pode acontecer. Mas, essas pessoas devem saber que para pagar a todos, claro, haverá um custo bem maior do que hoje corresponde ao orçamento do Bolsa Família. O Bolsa Família teve, em 2013, um orçamento de R$ 24 bilhões e, certamente, neste ano ainda haverá um reajuste e deve passar de R$ 25 bilhões. Pagando-se R$ 70,00 ou R4 80,00 para 201 milhões de brasileiros e brasileiras, inclusive para estrangeiros com cinco anos ou mais de residência no País, conforme diz a lei, pelos meus cálculos daria um valor seis a sete vezes mais do que o programa Bolsa Família...
OP – De onde viria esse dinheiro?
Suplicy – Dai porque se deveria pensar bem quanto à fonte de financiamento. Ora, o princípio é que de qualquer fonte gerada numa comunidade, num município, num estado ou num país, teriamos que separar o suficiente para ter esses recursos. Vamos supor o caso aqui de Fortaleza, que tem uma receita muito significativa na área do turismo. Suponhamos que se dissesse a todos nós que visitarmos a cidade que iriamos contribuir com uma experiência inédita no Brasil. Digamos que o prefeito e os vereadores resolvam iniciar aqui uma experiência pioneira, que poderia ser das riquezas geradas no Ceará e citemos o turismo, pela força local que apresenta. Poderia haver uma boa vontade dos turistas ao saber, digamos, que ao pagar os serviços de hotelaria, restaurantes, aquilo que é próprio de suas programações de visita, soubessem que parte dos recursos está sendo destinada a se financiar uma renda básica para toda a população de Fortaleza. Para todos, a ninguém será negada por todas as vantagens que acabo de descrever. Quando, no estado do Alaska, o governador propôs, em 1976, que se separasse 25% dos royalties decorrentes da exploração dos recursos naturais para instituir um fundo que perterceria a todos, sugeriu um debate e uma votação. O resultado é que 76 mil pessoas votaram sim e 38 mil votaram não, ou seja, na base de dois para um venceu (a aprovação do fundo). Recentemente houve um novo referendo no Alaska e mais de 80% da população votou pela sua continuidade e hoje se considera suicídio político no estado propor o fim de um sistema que já dura trinta anos. A cada ano se paga no Alaska um rendimento igual a todos os, hoje, 700 mil habitantes, e uma pessoa que ganhe extraordinariamente bem pode até não preencher o requerimento que a cada período entre 1º de janeiro e 31 de março todo cidadão tem o direito de preencher informando nome, endereço, qualificação, dizendo há quanto tempo reside ali, sem a necessidade de dizer qual seu rendimento, patrimônio etc. Feito isso, lá pelo final de setembro, por transferência eletrônica ou cheque enviado à própria residência, o cidadão vai recebendo 300, 400, 500 até o valor máximo de 3.264 dólares anuais, o que fez do Alaska, em trinta anos, o mais igualitário dos 50 estados norte-americanos. Deu certo, portanto, e, hoje, há experiências locais positivas, em pequenas escalas, que têm acontecido na Namíbia, em Uganda, na Índia. No Irã, acho que foi no ano de 2010, o governo resolveu criar uma lei para extinguir os subsídios aos combustíveis, como gasolina, óleo diesel, produtos que tinham preços muito mais baixos no país do que nos vizinhos. Era muito subsidiado. Obviamente, quem usa mais o transporte são as pessoas de maior rendimento, mas, ao elevar-se significativamente o preço e terminar o subsídio, também houve um impacto importante para o pessoal da baixa renda. O que fez o governo, então? Resolveu pagar aos 75 milhões de iranianos 40 dólares por mês, o que veio a beneficiar objetivamente muito mais a população de menor renda. Preciso ir ao Irã para entender melhor como está sendo feito, faltam-me ainda algumas informações, mas em 2012, parece, o governo pediu às 12 milhões de pessoas com maior renda que abrissem mão voluntariamente para continuar a universalidade do sistema. Parece que houve ali um pouco de problema econômico.
OP – Existem outros modos de distribuir renda senador...
Suplicy – Claro.
OP – Por exemplo, o sistema de cobrança de impostos no Brasil é bastante injusto. O senhor é economista e sabe, há taxas enormes em cima do consumo e há menos taxas sobre renda, lucro etc. Não seria uma forma de se fazer a correção, por que tão pessoas investem neste lado do problema?
Suplicy – Justamente, o grupo que estou propondo à presidenta Dilma Rousseff que forme poderá estudar as inúmeras alternativas para financiar a Renda Básica de Cidadania...
OP – Independentemente...
Suplicy – Uma alternativa seria um Imposto de Renda mais progressivo ou, até, um imposto sobre grandes fortunas.
OP – Independente da proposta de renda básica, senador.
Suplicy – Mas, no caso do Alaska, por exemplo, quando se fez com que 25% dos recursos decorrentes da exploração de recursos naturais fossem destinados a um fundo que pertence a todos, este percentual, caso não tivesse ganho esta destinação, provavelmente iria para os proprietários de grandes empresas petrolíferas ou de recursos de exploração de recursos minerais que, por sua natureza, seria altamente concentrado. Então, foi uma forma de equalizar mais a renda, ou seja, é possivel caminhar mais na direção de ter um sistema tributário mais progressivo, mas uma forma racional é distribuir uma renda igual para todos. Claro que a distribuição de uma renda igual suficiente para atender às necessidades de cada um precisa ter como complementação políticas públicas, prover melhor oportunidade de educação para todas as pessoas, de forma universalizada, também uma boa assistência à saúde e outros instrumentos que assegurem maior equidade para toda a população.
OP – Vamos discutir política em outra perspectiva. O senhor desde 1978 que tem mandatos...
Suplicy – Sou representante do povo.
OP – Enfim, foi vereador, deputado federal, é senador há três mandatos etc. A política, dentro deste tempo em que o senhor atua dentro dela, com mandatos, vive o seu pior momento? É correta a compreensão nesse sentido que muitos apresentam hoje na sociedade?
Suplicy – A política sempre esteve sob crítica, mas é importante ver que a população sempre reagiu à maneira de nós melhorarmos a estrutura, a vida pública brasileira. Nós vivemos vinte anos de uma ditadura, de um regime militar que deixou episódios tristíssimos, mas fomos capazes de transformar as instituições e, inclusive, por meios não violentos. Quero sempre conclamar os movimentos sociais, os jovens, inclusive aos Black Blocs, ao Anônymus, que procurem sempre seguir os exemplos e as recomendações de Leon Tostói, Mahatma Ghandi, Marthin Luther King, no sentido de não aceitar aquela ideia de alguns de que as coisas se modificam com o tempo. É importante que consigamos transformar as instituições por meio da não violência. Agora, é preciso que no âmbito político-eleitoral os partidos se dêem conta da necessidade urgente de transformar, apoio integralmente o diagnóstico e apelo do Movimento por Eleições Limpas e Contra a Corrupção, que propõe o fim das contribuições de pessoas jurídicas e a limitação das doações de pessoas físicas para cada pleito. Proponho o limite de R$ 1.700 por pessoa para cada pleito e, por exemplo, no caso agora de 2014, quando teremos eleições para presidente, governador, senador, deputado federal e deputado estadual, seria R$ 1.700 como limite para cada uma das campanhas por pessoa. Acho que também precisa aumentar a parte do financiamento público, mas o essencial é que se garanta a transparência ao longo do processo eleitoral e não somente depois dele, quanto à natureza das contribuições. Ao lado do senador Petro Taques (do PDT do Mato Grosso) apresentei uma proposição segundo a qual em, 15 de agosto, 15 de setembro e no primeiro sábado antes do dia da eleição, que este ano acontecerá em 5 de outubro, cada partido e candidato deve colocar na sua página eletrônica todas as contribuições de qualquer natureza recebidas para financiar sua campanha. Assim o eleitor poderá saber, e até eventualmente comparar visualmente, o que foi o gasto de cada um em relação às contribuições efetivamente realizadas.
OP – Há uma ideia no Nordeste, senador, de que existe uma elite paulista que tem uma visão muito centrada no estado, naquela velha compreensão de que São Paulo comanda a Nação etc e que seria, até, antinordestina. O senhor que faz parte dessa elite, pela origem e não pela política, vê de que forma a questão? Existe mesmo essa ideia de que o desenvolvimento deve se dar por São Paulo?
Suplicy – Não sinto que haja da parte de nós paulistas, por exemplo, estou no Senado, representando São Paulo, ao lado de Aluizio Nunes Ferreira (do PSDB) e de Antonio Carlos Rodrigues (do PR), que assumiu em função da licença da Marta Suplicy para assumir o ministério da Cultura, e nosso sentimento ali tem sido de dialogar respeitosamente com todas as bancadas. Mas, também, de resguardar o estado de São Paulo porque, às vezes, as formas de criação de incentivos fiscais, creditícios, acontecem de uma maneira a dificultar a continuidade do nosso desenvolvimento. É preciso que prevaleça uma visão de harmonia, uma visão que permita ao estado de São Paulo continuar a se desenvolver dentro de um processo de integração cada vez maior com todos os demais estados brasileiros. Acho que uma proposta tal como a que defendo de Renda Básica de Cidadania seria extremamente benéfica, acredito, para todos de qualquer região do Brasil.
OP – O senhor é sempre muito elegante nas respostas, mas qual sua opinião sobre a atitude do presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaff, de ir à justiça contra o aumento do IPTU em São Paulo?
Suplicy - Com todo respeito ao Paulo Skaf, com quem tenho tido diálogo respeitoso, mas acho que os empresários paulistanos, os industriais e comerciantes, precisam perceber que há certas medidas de reforma do sistema tributário, inclusive do IPTU, que merecem a visão de maior equidade e maior justiça fiscal. A proposta do prefeito Fernando Hadad (do PT) é, justamente, de evitar um aumento alto do tributo em lugares mais pobres, até baixando-o em alguns casos, aumentando um pouco mais, sem exagero, nos bairros ou para estabelecimentos localizados em áreas melhores de São Paulo, já beneficiadas por uma estrutura financiada por receitas municipais. É uma questão de equidade, mas, acho, o presidente Paulo Skaf não entendeu isso suficientemente...
OP – São realidades diferentes, claro, mas o senhor está informado de que, em Fortaleza, o PT está do outro lado da trincheira? Ou seja, foi à justiça contra reajuste de IPTU proposto pela administração municipal.
Suplicy – Não conheço bem qual é a proposta de IPTU da prefeitura municipal de Fortaleza, mas acho que o PT deve estar defendendo, também, uma equidade na forma de arrecadar os recursos, cobrando-se de quem tem mais o suficiente para prover e equilibrar tudo que acontece em Fortaleza.
OP – Voltando um pouco a São Paulo, senador, o senhor acha que existe um boicote à gestão Fernando Hadad, que parte da elite, da oposição não saberia apontar exatamente de onde. Recentemente, o Tribunal de Contas do Município proibiu a criação de corredores de ônibus, tem a história do IPTU...
Suplicy – Você sabe que o PT, ao vencer as eleições municipais, uma vez em 2000 e agora em 2012, modificou a estrutura política e o balanço dos agrupamentos em São Paulo. É natural, por isso, que aconteça uma disputa bastante grande e que se espere críticas e oposição. É importante, também, destacar a maneira habilidosa como ele vem procurando ouvir a todos com muito respeito, inclusive as entidades empresariais, da indústria e do comércio, e as entidades populares. Os movimentos populares não dão trégua, o movimento por moradias populares tem realizado enormes manifestações nos últimos dias na zona sul de São Paulo. Graças às atitudes do prefeito de tentar ouvir a todos ele está conseguindo harmonizar toda a situação com grande habilidade. Fernando Hadad, por exemplo, realizou um processo, pela primeira vez, de eleições de conselheiros municipais em todos os bairros e distritos de São Paulo. São núcleos que começam a se reunir agora, em janeiro, dentro de um processo novo, de maior participação nas decisões administrativas. Esse é um procedimento que vai colaborar para que as decisões tomadas sejam melhor aceitas.
OP – O senhor falou antes nos black blocs e no Anonymus, movimentos muito vinculados às grandes manifestações do ano passado que aconteceram em todo o País. Já deu para entender tudo aquilo que aconteceu? Qual é o fenômeno e para onde ele pode nos levar?
Suplicy – Tenho procurado conversar... Logo quando aconteceu aquela manifestação de junho procurei saber quem eram algumas das pessoas e marquei um encontro, na padaria que há em frente à Câmara Municipal de São Paulo, com duas jovens que são lideranças, na verdade elas não se identificam assim, dizem que o movimento é horizontal etc, e conversei longamente com elas. Falei das minhas propostas, como o da renda básica, elas viram com simpatia e tudo. A partir daquele momento elas foram convidadas para o Conselho Municipal, participaram, a partir do diálogo houve a diminuição das tarifas em R$ 0,20, foram ainda a Brasília, chamadas pelo Palácio do Planalto, para dialogar. Há um mês a revista Época me pediu que escrevesse um artigo sobre uma dessas moças, apresentando-a entre as 100 personalidades que mais contribuiram para transformar o Brasil em 2013, a procurei e ela alegou que não poderia falar (como liderança), e tive de escrever de uma maneira muito prudente e respeitosa. Está lá publicado na edição de dezembro, podem ver um artigo meu sobre a Mayara. Enfim, o que quero dizer é que tenho procurado dialogar com esses movimentos diretamente e essas recomendações da não violência eu fiz a todas elas. Como me disseram que entre as metas de 2014 está parar a Copa lembrei que o futebol é algo que o povo brasileiro ama. É importante que isso seja levado em consideração.
OP – O senhor, que é filiado ao PT desde a fundação, considera que a experiência de Poder no País, que acaba de completar onze anos, trouxe quais transformações para o partido? Boas e más.
Suplicy – Considero que o Partido dos Trabalhadores conseguiu, no Governo, atingir grande parte das metas traçadas de combinar o crescimento econômico com a realização de maior justiça social, incluindo a população brasileira. Considero que isso está caracterizado nos dados do que aconteceu desde o ano 2002 até hoje. Outro sentido importante é que o governo contribuiu, em grande parte para que haja uma maior participação de todos os segmentos da população nos destinos da Nação brasileira, seja no que é feito com os recursos públicos, como também quanto aos princípios de procurar assegurar maior transparência e participação da sociedade. Desde os movimentos sociais que, até então, tinham acesso muito restrito ao Palácio do Planalto, aos presidentes da República, como os próprios empresários. Tanto o presidente Lula como a presidenta Dilma Rousseff sempre têm buscado dialogar, de maneira muito significativa. Houve problemas, claro, e nós que sempre fomos muito rigorosos e exigentes no trato da coisa pública, quando aconteceram os episódios de procedimentos inadequados, de desvios de comportamento ou qualquer ação, os responsáveis acabaram sendo afastados pela presidenta Dilma. Agora, é preciso salientar que todos nós aprendemos com tudo que acontece em nossa vida e, claro, nós, do Partido dos Trabalhadores, também temos muito a aprender durante nossos governos. Se erros forem cometidos temos que pensar como preveni-los e como acertar melhor.
OP – O episódio do mensalão, por exemplo, que não diz respeito ao atual governo, mas é de uma gestão do PT...
Suplicy – É, do PT.
OP – Quais lições o episódio deixa? O senhor entende que o PT cometeu os erros pelos quais está sendo punido, teve líderes importantes condenados etc.
Suplicy – Nós queremos assegurar que cada um dos denunciados na alção penal 470, também denominada de mensalão, tenham o completo direito de defesa assegurado. E, pelo que percebemos, nas palavras de alguns dos principais envolvidos, como o próprio ex-ministro e ex-deputado José Dirceu, o ex-presidente e ex-deputado federal José Genoíno, o deputado federal João Paulo Cunha, o Delúbio Soares, que foi tesoureiro do partido, tudo que aconteceu com eles para nós representou uma dificuldade imensa. Todos nós sofremos com todo aquele processo de julgamento. Nas palavras deles e de seus advogados, nem tudo que foi colocado na defesa foi efetivamente considerado, mas, de qualquer maneira, é importante se respeitar as instituições, a justiça em nosso País. Agora, tendo em conta que estão ali petistas para cumprir suas penas, todas elas, pelo que lembro e entendo, estão no regime semiaberto, o que significa a possibilidade de realizarem trabalho, salvo engano, com a regra de poderem sair às 8 horas da manhã do local onde estão detidos e voltar às 18 horas, ou algo assim. No caso do Genoino, em virtude do seu problema de saúde, ele terá direito, acredito, a prisão domiciliar...
OP – O senhor entende, como setores do PT, que a justiça tem sido mais rigorosa dentro do processo com as pessoas filiadas ao partido?
Suplicy – Com os membros do PT houve o rigor máximo, especialmente pelo presidente (do Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa, que conduziu o julgamento. Mas, cabe agora assegurar o pleno direito de esclarecimento, de defesa, acho que a história poderá revelar mais aprofundadamente tudo que aconteceu e acho importante que seja dada a cada um deles a oportunidade de realizar uma atividade produtiva, construtiva, e acredito que eles venham a se recuperar. Todos têm uma experiência de vida e uma dedicação ao partido, ao País e aos objetivos maiores de construção de uma sociedade justa, de coisas boas para o Brasil que, acho, é reconhecido por todos, até pelos adversários maiores, que exigiram o julgamento mais rigoroso. Outro dia assisti pela televisão ao discurso formulado pelo deputado João Paulo Cunha, ouvido com muita atenção pelo plenário da Câmara, quando ele teve a prisão determinada, foram 45, 50 minutos e pessoas como o deputado Inocêncio Oliveira, ex-presidente da Câmara como ele, que fez questão de apresentar um aparte para registrar que por tudo que conheceu a partir da convivência entre os dois na mesa diretora, João Paulo foi sempre correto, transparente. É um exemplo. Da parte do Genoino temos ouvido pessoas de todos os partidos reconhecendo que ele teve uma vida extremamente difícil, depois de lutar pela redemocratização, fazer parte até do movimento no Araguaia, ser preso, ser objeto de perseguição, tortura, e sou testemunha que desde quando se transformou em parlamentar e passou a frequentar minha casa apresenta um padrão de vida em nada caracterizado como enriquecimento ilícito. Da mesma forma que o João Paulo Cunha.
OP – Qual a compreensão pessoal do senhor sobre tudo aquilo? É caixa 2? É compra de voto?
Suplicy – Fui membro da Comissão Parlamentar de Inquérito que ouviu essas pessoas e, por exemplo, o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, quando depôs, reconheceu a utilização de recursos não contabilizados, ou seja, o caixa dois. O próprio Lula, na oportunidade, observou que era uma prática que acontecia com outros partidos. O que não ficou tão claro é em que medida houve o chamado mensalão para que parlamentares fossem pagos para votar de acordo com o governo. Dúvidas surgiram sobre isso, até porque parlamentares do próprio PT, que, por tudo que conhecemos, nunca pediriam recursos para votar. Esta é uma questão que não ficou tão evidenciada.
OP – O certo é que o senhor sempre defendeu a investigação em qualquer circunstância, inclusive no meio da crise, naquelas horas mais difíceis. Chegou a assinar um pedido de investigação...
Suplicy – É fato que, em abril ou maio de 2005, tinha ocorrido o primeiro vídeo, aquele que flagrava um diretor dos Correios e um assessor do Valdomiro Diniz passando dinheiro um para o outro. Tudo filmado. Quando isso surgiu detonou-se a solicitação de apuração dos episódios naquilo que se denominou requerimento da CPI dos Correios. Houve uma reunião do diretório nacional que recomendou que os parlamentares do PT não assinassem. Acontece que quando isso aconteceu, houve uma pressão enorme da opinião pública porque nós sempre éramos a favor das apurações, algo que pudesse significar um comportamento irregular, um mal feito. Na bancada do PT, salvo engano, éramos 13, havia uma divisão e numa proporção de sete contra seis defendiamos investigar. Porém, diante da orientação do diretório houve uma decisão de que assinaríamos caso ficasse inevitável a CPI. Veio então o dia seguinte e, olha, há dias em que recebo 200, 300 e-mails, em situações de grande atenção o número ultrapassa os 1.000, mas, neste dia chegou a maior enxurrada de mensagens que já recebi. Todos conclamando que eu assine. Além disso, eram ligações a cada 10, 15 minutos, de gente perguntando se eu não assinar. Até de minha companheira, Monica Dallari, recebi um telefonema, das pessoas assim, queridas, da maior afetividade, na minha própria equipe. Daí aconteceu uma longa tarde de debates, quando foi à tribuna o senador Pedro Simon (do PMDB-RS), com quem me dou muito bem, historicamente, e disse: senador Suplicy, por tudo que fizemos juntos, todos esses anos, agora que aparece isso espero que você assine o requerimento da CPI dos Correios. E foi tal a energia na sociedade brasileira para que assinasse que eu, de fato, pela primeira e única vez, assinei um documento contra recomendação em contrário do diretório nacional. Era fevereiro, março, daquele ano, e aconteceu que o Delúbio Soares tinha me convidado para fazer parte da chapa do Campo Majoritário. Disse que aceitava e, então, integrava a composição que seria liderada pelo então candidato a presidente José Genoino. Quando aconteceu de assinar o requerimento o Delúbio voltou a me procurar e fui até ele, na sede nacional do PT, em Brasília, quando tivemos um diálogo e fui informado que em virtude de minha posição o grupo tinha avaliado que não era mais o caso de integrar a chapa. Perguntei se podia explicar, mas ele disse que todos já tinham ouvido meu discurso e não precisava mais explicar (risos). Aconteceu de, no final de semana seguinte, vir a entrevista do Roberto Jefferson, que resultou num novo pedido de CPI...
OP – Foi quando a história do mensalão, inclusive o termo, foi introduzido no debate.
Suplicy – Exato. A primeira CPI foi a dos Correios e veio um novo pedido, mas o certo é que a entrevista do Roberto Jefferson causou tal efeito que a própria direção nacional falou que era melhor assinar. Então aconteceu a assinatura do chamado mensalão, até o então líder da bancada no Senado, Delcídio Amaral, tinha dito que não havia gostado da minha primeira assinatura, mas no segundo caso iria assinar em consenso com o diretório nacional. Foi ele, inclusive, quem presidiu a CPI do Mensalão. Não houve, além da exclusão do meu nome da chapa do Campo Majoritório no diretório, qualquer outra sanção do PT contra mim. Tanto é assim que em 2006, por consenso, fui indicado para buscar meu terceiro mandato no Senado. Note bem que na oportunidade disputarem prévias para candidatura ao governo de São Paulo o Aloizio Mercadante e a Marta Suplicy. Houve, na época, mais de 20 reuniões nas zonais, do interior e da capital, onde se preparava para o debate entre Marta e Aloizio. O presidente estadual, salvo engano era o Paulo Frateschi, a cada reunião informava que eu teria 10 minutos para expor minhas intenções como candidato ao Senado e em seguida viriam a Marta e o Aloizio, como pré-candidatos. Sempre fiz questão de dizer que era candidato mais uma vez, mas considerava legítimo que qualquer filiado também buscasse a indicação, dispondo a fazer debate e disputar prévia. Nunca nenhum membro do PT se dispôs, houve uma vez uma ocasião em que o vereador Arselino Tato cogitou. Depois, porém, ele próprio me procurou para falar que não iria. Agora mesmo, quando expressei estar colocando meu nome à disposição para um quarto mandato, a base do partido tem sido fortemente favorável à ideia.
OP – O senhor entrou no 24º ano consecutivo como senador e, ao longo de tanto tempo, protagonizou algumas situações excêntricas. Já mostrou cartão vermelho da tribuna para o então presidente do Senado, José Sarney, costuma cantar nos microfones do plenário, certa vez vestiu uma sunga de super-herói sobre o terno incentivado pelo pessoal do programa Pânico na TV. Há algo do qual hoje se arrependa?
Suplicy – O episódio do Pânico, com a Sabrina Sato, foi o seguinte: era ali por volta de seis e meia da tarde e eu tinha um compromisso em São Paulo. Na saída do plenário apareceu a Sabrina Santo e equipe, com cerca de 20 pessoas no entorno deles, e ela falou que precisava me entrevistar. Expliquei que precisava sair rápido porque estava de saída para São Paulo, ela alegou que era só uma pergunta e questionou se eu tinha um objetivo muito grande na vida, pela qual batalho muito etc. Disse que sim, que ela já havia conversado comigo e sabia de minha luta para ver instituída a renda básica da cidadania. Ela disse, então, que eu era o seu super-herói etc (risos) e que pretendia me dar um presente. E, exatamente, o assessor dela tirou da bolsa lá um calção de super-herói, agradeci etc. Só que ela alegou que queria que eu vestisse, mas argumentei que a última vez que um parlamentar havia vestido uma roupa de baixo, como ela queria, perdera o mandato. Mas ela disse que eu estava de terno, era só uma brincadeira, podia vestir por cima da calça. Resolvi fazer. No dia seguinte, porém, sai na primeira página do jornal a foto e já uma manifestação do senador Romeu Tuma, então corregedor, de que iria verificar se havia ferido o decoro parlamentar. Fui fazer umas palestras em Araraquara, lembro bem, e todo mundo, professores, estudantes, queria saber do episódio, o que iria acontecer e tal. Refletindo, então, resolvi telefonar para o produtor do Pânico, uma pessoa que trabalhava na rádio Jovem Pan, expliquei que tinha procurado atender com todo o respeito, simpatia, mas era possível que o epísódio me causasse algo que de maneira alguma estava pensando. Pedi, então, que o material não fosse colocado no ar e ele, muito gentilmente, disse que me respeitavam e convidou para eu ir ao estúdio onde estavam editando, assistir, comprometendo-se a não passar caso eu considerasse que não deveria. O certo é que, de fato, eles não veicularam. Então, com relação a esse episódio.....
OP – O senhor se arrepende?
Suplicy – Como eu disse na hora à Sabrina, seria melhor não ter vestido... Mas, foi um ato de simpatia a ela, não teve nada grave. 
OP – O senhor tem um bom relacionamento com a população das periferias, especialmente de São Paulo. Então, qual sua opinião sobre o fenômeno dos rolezinhos? Os governos, as polícias, estão lidando com eles de maneira adequada?
Suplicy – Minha recomendação aos shoppings centers é que, ao invés de solicitar à justiça que condene os jovens, como aconteceu outro dia em São Paulo, a pagar R$ 10 mil porque fez um rolezinho... É uma contradição com os princípios constitucionais, com o direito de ir e vir. Esses jovens comparecerem aos shoppings para estar lá passeando, se reunirem numa boa, desde que seja respeitando, que não estejam causando depredações, se não estiverem realizando assaltos, roubos aos clientes, se é uma questão apenas de visitarem o local, de ali ouvirem uma música, se confraternizarem, é um direito constitucional porque os shoppings, afinal, são espaços abertos e públicos. Acho que o que pode haver é um diálogo dos responsáveis dos governos, municipais especialmente, procurando prover espaços adequados aos jovens. Tenho observado que nas justificativas dos rolezinhos está colocado que eles nem sempre têm espaços agradáveis suficientes para se reunirem.
OP – Nós tivemos uma discussão recente muito forte sobre o público e o privado em torno da questão das biografias. O senhor é um homem público, houve um episódio em que sua vida pessoal acabou exposta, na separação com a ex-prefeita, hoje senadora licenciada e ministra da Cultura, Marta Suplicy. Duas pessoas públicas, portanto. Como o senhor entende essa separação entre o público e o privado?
Suplicy - Sinceramente, entendo que as biografias devem ser livres. Agora, cabe responsabilidade a cada autor de procurar respeitar a pessoa, procurá-la, também, e revelar os fatos de cada um, primeiro, que sejam verdadeiros. A dificuldade está quando o autor acaba escrevendo algo não verdadeiro e sem, até, como aconteceu algumas vezes, consultar o biografado para saber se o que aconteceu foi de fato aquilo.
OP – Do ponto de vista do noticiário, já em relação à imprensa, recorrendo de novo ao seu exemplo pessoal, o episódio da separação do senhor com a ministra Marta foi tratado com correção, respeito?
Suplicy – Nunca considerei que a revelação da minha separação com a Marta tivesse algo de desrespeitoso. Pra mim foi um episódio difícil, eu era senador e ela prefeita, tinha acabado de participar intensamente da campanha para eleição dela etc. Foi um episódio muito difícil pra mim, para os meus filhos, mas encarei isso como uma das coisas que acontecem na vida e respondi às perguntas que me foram feitas, a Marta também, que era prefeita, era procurada diariamente pela imprensa, é a mãe querida dos meus filhos, temos diálogo até hoje, e, ademais, somos até colegas senadores.
Confira vídeo em que o senador Suplicy canta, para diretores e jornalistas do O POVO, Father and son, de Cat Stevens, e Blowin' in the Wind, de Bod Dylan. Clique aqui.
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