Nascida na elite paulistana, Iara Iavelberg (1943-1971)
abandonou o conforto, o casamento e a psicologia, aderindo à luta armada nos
anos 1960. Sua morte, em agosto de 1971, foi oficialmente atribuída a um
suicídio - e esta é a tese que o documentário "Em busca de Iara", de
Flávio Frederico, preocupa-se mais veementemente em desmentir.
A raiz familiar do roteiro, da sobrinha de Iara, Mariana
Pamplona, assinala um tom muitas vezes intimista num filme que é também uma
busca. Filha da irmã de Iara, Rosa, Mariana não recebeu o sobrenome inclusive
por temor de represálias durante a ditadura militar.
A história de Iara ilustra um dos muitos desvios radicais de
trajetória determinados a partir do golpe de 1964. Parte de uma rica família
judia, ela casou-se aos 16 anos com um estudante de medicina. Casada, estudou
psicologia, então abrigada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo, ambiente que foi decisivo para sua transformação.
Na USP, Iara foi exposta à intensa efervescência política e
cultural, o que a levou inclusive a estudar marxismo e ao movimento estudantil.
Não só rompeu o casamento como terminou aderindo a grupos da luta armada como o
Polop, VPR e MR-8, ao lado de seu irmão, Samuel.
O grande encontro, porém, foi com o capitão Carlos Lamarca
(1937-1971). De origens completamente diferentes, os dois se complementavam.
Foram juntos da VPR para o MR-8. No diário de Lamarca, ele conta que ela foi
sua "professora de política", indicando leituras marxistas. Os dois
fizeram treinamento militar no Vale do Ribeira, participando de sequestros e
ações armadas.
Por conta de sua relevância dentro da guerrilha, o casal era
um dos alvos preferenciais da repressão. Sua captura seria um troféu para o
regime. Escapando ao cerco em São Paulo e no Rio, eles foram para a Bahia e se
separaram. Iara ficou em Salvador, ele partiu para o interior.
E foi em Salvador, trancada no banheiro de um prédio de
apartamentos no bairro de classe média da Pituba, cercada por forças de
segurança, que ela morreu com um tiro no peito. Segundo a versão oficial,
disparado por ela mesma, ainda que os próprios documentos da época contivessem
diversas lacunas e contradições.
Familiares e amigos de Iara nunca aceitaram essa história.
E, em 2003, uma ação judicial determinou a exumação do corpo, que fora
sepultado na seção destinada aos suicidas do Cemitério Israelita de São Paulo,
fato sempre traumático para os familiares.
A conclusão do novo laudo, assinado pelo legista Daniel
Munhoz, da USP, apontou que o tiro que causou a morte da militante fora dado a
uma distância incompatível com o suicídio, abrindo espaço à tese de uma
execução.
Somando-se a filmes recentes, como "Diário de uma
busca", de Flávia Castro, e "Cidadão Boilesen", de Chaim
Litewski, "Em busca de Iara" oferece uma contribuição ao debate sobre
a herança da ditadura e ao restabelecimento da memória do país.
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb
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