sábado, 20 de setembro de 2014

O GOVERNADOR E O DELATOR

Da IstoÉ
Como era a relação entre o governador Cid Gomes e o delator e ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que se estreitou nos últimos seis anos a ponto de ultrapassar a fronteira do contato institucional
ISTOÉ revelou na semana passada que o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa incluiu o governador do Ceará, Cid Gomes (PROS), na lista de políticos beneficiados pelo esquema de corrupção na estatal. Ao ser confrontado com a informação, Cid Gomes começou a se encalacrar nas próprias versões. Primeiro disse que não sabia quem era Paulo Roberto Costa. Depois, alegou nunca haver estado com ele na vida. Suas explicações iniciais, porém, foram desmontadas em pouquíssimas horas. No mesmo dia da publicação da reportagem de ISTOÉ, pipocaram nas redes sociais fotografias de encontros e eventos em que Paulo Roberto Costa e Cid Gomes aparecem lado a lado. Numa das imagens, o delator e o político cearense demonstram intimidade.
Sorriem um para o outro. Uma dessas fotos foi tirada no dia 10 de junho de 2008 no Palácio de Iracema, antiga sede do governo do Ceará. Na imagem, Cid está sentado à cabeceira de uma ampla mesa de reuniões, tendo Costa imediatamente a seu lado. No encontro, os dois trataram do ambicioso projeto da refinaria Premium II, anunciada com pompa pelo governo do Ceará como a futura maior refinaria de petróleo do mundo com produção de 300 mil barris por dia e investimentos estimados em R$ 11 bilhões. Foi apenas o primeiro de muitos encontros entre Cid e Costa.
Os dois estiveram juntos participando de reuniões para tratar de negócios privados, mesmo depois de Costa ter deixado a Petrobras em abril de 2012. Em maio de 2013, ambos trataram de um projeto pessoal do delator e ex-diretor de Abastecimento da estatal: a instalação no Estado de uma minirrefinaria de petróleo. Em 17 de janeiro deste ano, Costa esteve em mais um encontro com Cid. Na reunião, o governador do Ceará lhe prometeu uma área de dez hectares no Complexo Industrial e Portuário de Pecém. À imprensa local, na ocasião, o ex-diretor da Petrobras disse que estava otimista e previa construir a minirrefinaria em até 18 meses. Dois meses depois, ele foi preso. Esses fatos derrubam categoricamente a segunda versão apresentada por Cid Gomes. Ao não conseguir desmentir as fotos em que aparece ao lado de Costa, o governador refez sua declaração inicial. Em nota oficial, negou qualquer envolvimento ou tratativas pessoais com o delator. “Todo o meu relacionamento com a Petrobras sempre foi institucional”, disse. Como se vê, a nova versão de Cid também não se sustenta.
O projeto de minirrefinarias de Costa era antigo, mas enquanto ele ocupou a direção de Abastecimento e Refino da Petrobras nunca conseguiu executá-lo. Em 2005, Costa e o então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, tentaram emplacá-lo sem sucesso no Rio Grande do Norte, na ocasião governado por Wilma de Faria (PSB). A ideia era usar a minirrefinaria como uma forma de compensar a construção da refinaria de grande porte em Abreu e Lima, Pernambuco. Naquele momento, o hoje falecido Eduardo Campos gozava de prestígio no Palácio do Planalto. Ao conseguir para seu Estado o investimento bilionário da estatal, Campos buscou alternativas para contemplar os aliados do partido, que se sentiram desprestigiados. Além da governadora Wilma de Faria, era preciso agradar também aos caciques Cid e Ciro Gomes, hoje no PROS, mas que, à época, estavam filiados ao PSB de Eduardo Campos. Para o Ceará, o governo articulou a construção de uma siderúrgica com investimento da Vale e das coreanas Dongkuk e Posco, e Paulo Roberto Costa acenou com a criação da minirrefinaria. Mas os Gomes, naquela ocasião, não acharam suficiente. Queriam algo mais grandioso. Ambicionavam um projeto como a pernambucana Abreu e Lima.
Quando assumiu o governo em 2007, Cid conseguiu o aval de Gabrielli para a realização de seu desejo. O encontro de 10 de junho de 2008 no Palácio de Iracema, registrado pela imagem que ilustra a abertura desta reportagem, selou as tratativas para a construção da refinaria Premium II e também marcou o início de uma longa relação entre Cid Gomes e Paulo Roberto Costa. Depois do encontro com o governador, Costa atravessou a noite em Fortaleza na companhia de técnicos da Petrobras. No dia seguinte, visitaram Pecém e a área que seria disponibilizada para a construção da refinaria. Após sobrevoar o local, o executivo decretou: “O terreno está numa área industrial bem localizada e próximo a um porto com logística capaz de atender nossas necessidades”. Acompanhou a comitiva o então presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Ceará (Adece), Antônio Balhmann, hoje deputado federal pelo PROS e homem de confiança de Cid, e o presidente do Conselho de Desenvolvimento do Ceará (Cede), Ivan Bezerra.
Dois meses depois, em 20 de agosto, Paulo Roberto Costa voltou ao Ceará para a inauguração do Terminal de Regaseificação do Pecém. Além do próprio Cid, estavam presentes o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, e Gabrielli. No palanque, Costa sentou-se exatamente atrás do governador do Ceará, como é possível ver em várias fotos oficiais. A construção da Premium II foi confirmada com a assinatura de protocolo de entendimentos e o lançamento da pedra fundamental anunciado para dezembro de 2009, o que só acabou ocorrendo no final de 2010. Em 29 de dezembro, no último ato de governo, Lula participou da cerimônia oficial, assim como Gabrielli, Costa e o presidente da Transpetro, o cearense Sérgio Machado. Àquela altura, porém, ainda não havia terreno, licença ambiental ou estudos de impacto, nem mesmo um projeto técnico concluído ou contrato firmado. Naquele ato, Costa destacou que a produção da refinaria seria destinada ao mercado interno. Ele sentou-se na primeira fileira de autoridades, ao lado de Machado, Lula, Cid, Gabrielli e do senador Inácio Arruda (PCdoB).
Em 24 de abril de 2012, Paulo Roberto Costa, já demissionário, foi a Fortaleza participar como palestrante do Ciclo de Debates do Centro Industrial do Ceará. Disse que a Petrobras estava pronta para iniciar as obras e aguardava apenas a entrega do terreno de dois mil hectares no Pecém. A doação da área foi um dos grandes entraves para a refinaria, uma vez que a posse do local era questionada por índios da tribo Anacé. No dia seguinte, foi à Universidade de Fortaleza, onde palestrou para alunos de engenharia sobre os projetos de refino da estatal. Foi quando revelou que a Petrobras buscava sócios para erguer a Premium II. Costa, então, apresentou o problema a Cid, que se empenhou pessoalmente na busca de um investidor. Iniciou conversas com a coreana GS Energy, mas a parceria não prosperou.
Temendo que a Premium II se transformasse num pesadelo eleitoral, Cid pressionou pelo andamento dos projetos. Costa falava que a refinaria havia sido concebida a partir de detalhados estudos técnicos e econômicos, além de ambientais e sociais da estatal, mas logo seria desmentido. Em auditoria, o Tribunal de Contas da União (TCU) se deparou com uma série de irregularidades graves em relação aos estudos de viabilidade técnica, geotécnicos e topográficos. Sobre a ausência de viabilidade técnica, a Petrobras alegou, por exemplo, que estava reformulando o projeto, cujo orçamento saltou de iniciais R$ 11 bilhões para R$ 20 bilhões. O contrato para o estudo inicial era estimado em R$ 2,5 milhões. O TCU chegou a pedir documentos para uma auditoria, mas nada havia sido feito ainda porque faltava a doação do terreno para a Petrobras.
Uma vez fora da estatal, o ex-diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, abriu a empresa “REF Brasil (Refinaria de Petróleo do Brasil), sediada num novíssimo conjunto de edifícios empresariais da Barra da Tijuca, no Rio. A REF Brasil funcionaria como guarda-chuva de quatro minirrefinarias – o velho projeto que ele acalentava desde 2005, mas que, quando estava na direção da Petrobras, não conseguiu viabilizar. No dia 13 de setembro de 2013, depois de tratativas informais com Cid Gomes desde maio daquele ano, Paulo Roberto Costa criou a empresa Refinaria Cearense num edifício empresarial de Fortaleza, em parceria com Francisco José Machado Sant’Anna, do grupo Energio Nordeste. No dia 17 de janeiro de 2014, Paulo Roberto Costa encontra-se novamente com Cid na capital cearense. Após o encontro, anunciou publicamente a construção de uma mini refinaria no Ceará, através de sua empresa REF Brasil. Com produção de 5 mil barris por dia e investimento de R$ 120 milhões, a refinaria deveria ficar pronta em 18 meses. O maquinário seria importado da China. Costa foi preso dois meses depois. Em junho, a empresa foi formalmente dissolvida. Os rastros da relação entre o delator e o governador Cid Gomes, no entanto, não têm como serem apagados.
As trapalhadas de Cid Gomes
Eleito em 2006 com mais de 62% dos votos válidos, Cid Gomes tem uma gestão marcada por denúncias de favorecimento a parentes e gastos milionários injustificáveis. Logo que foi eleito, Cid protagonizou seu primeiro grande escândalo ao patrocinar um tour pela Europa de jatinho oficial com assessores e respectivas mulheres. Estiveram na comitiva europeia a primeira-dama do estado, além da própria sogra de Cid, Pauline Carol Habib Moura. Detalhe, a viagem custou mais de meio milhão de reais. Tudo pago pelos cofres públicos.
As polêmicas não pararam por aí. No ano passado, Cid pagou um cachê de R$ 650 mil para Ivete Sangalo cantar na inauguração do hospital em Sobral, berço político dos irmãos Gomes. O evento gerou repercussão nacional, ainda mais depois que parte da marquise desabou um mês depois da inauguração da unidade hospitalar. Em 2013, Cid Gomes voltou a ser alvo de críticas da oposição devido à contratação pelo governo de um buffet orçado em R$ 3,4 milhões. Destinado a abastecer a cozinha do Palácio da Abolição, sede do governo do Ceará, o buffet previa até 495 pratos diferentes, uma variação de receitas preparadas com caviar, escargots, bacalhau, salmão, presunto de Parma, funghi, vieiras, frutos do mar, pães exóticos, croissants e até trufas. “Enquanto o sertão sofre com a seca, o palácio do governo se banqueteia”, disse à época o deputado estadual Heitor Ferrer. 
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