Da Exame
Brasília - Em meio a uma crise de energia sem precedentes no
país e em busca de fontes alternativas para evitar um racionamento, o governo
brasileiro vai gastar R$ 60 milhões para reformar e doar uma usina térmica para
a Bolívia. O Ministério de Minas e Energia está nas tratativas finais para
viabilizar a negociação.
A usina térmica Rio Madeira pertence à Eletronorte, uma das
empresas do grupo Eletrobras. Inaugurada em 1989, ela foi uma das responsáveis
por abastecer os estados de Rondônia e Acre por 20 anos. Com potência de 90
megawatts, o empreendimento fica em Porto Velho (RO) e é capaz de fornecer
energia para uma cidade de 700 mil habitantes.
Segundo uma fonte, a usina precisa passar por uma
"recauchutagem geral" para entrar novamente em operação. Antes de
doá-la, a Eletronorte vai converter a usina para gás natural, combustível
abundante na Bolívia.
Essa reforma, com o transporte e montagem na Bolívia,
custará R$ 60 milhões. O dinheiro já foi transferido pelo governo para a
Eletronorte, responsável pela reforma. Uma usina térmica nova, com capacidade
de 100 MW, custa hoje em torno de R$ 100 milhões.
A transação está prestes a ser concluída pela estatal e
depende apenas de um sinal verde do Ministério de Minas e Energia. A doação da
usina faz parte dos compromissos bilaterais assumidos entre os dois países.
A térmica Rio Madeira foi desativada em outubro de 2009,
quando o Estado de Rondônia foi conectado ao Sistema Interligado Nacional (SIN)
e passou a ser abastecido por hidrelétricas, que produzem energia mais barata.
Em janeiro de 2014, a fiscalização da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel) constatou que a usina, embora desligada, tinha
condições de operar parcialmente. Seu prazo de concessão acabava apenas em
2018. No entanto, "devido ao alto custo de operação, esta dificilmente
seria despachada".
Por essa razão, a Aneel declarou os bens da usina como
"inservíveis à concessão de serviço público". Em 2010, cada
megawatt-hora (MWh) produzido pela usina custava R$ 846,98. Atualmente, a
térmica mais cara em operação no Brasil é a de Xavantes, também a movida a óleo
diesel, com custo de operação de R$ 1.167 por MWh.
A conclusão da Aneel deu aval para a continuidade das
negociações, que agora estão em fase final. Segundo uma fonte da Eletrobras a
par do assunto, trata-se de uma "térmica de qualidade ruim", por isso
o Brasil não faria questão de ficar com a planta.
Por meio de nota, o Ministério de Minas e Energia informou
que o acordo teve como objetivo "promover a cooperação energética com a
Bolívia". O ministério disse que a transferência de R$ 60 milhões foi
autorizada por meio da Medida Provisória 625/2013.
O ministério informou ainda que os trâmites necessários para
operacionalizar o acordo deveriam ser informados pela Eletronorte. Já a empresa
declarou que o governo deveria se pronunciar sobre o assunto, já que se trata
de uma negociação internacional.
O pedido de doação da termelétrica foi feito diretamente
pelo presidente boliviano, Evo Morales, em uma reunião bilateral com Dilma
Rousseff - a primeira entre os dois - durante a primeira Cúpula da Comunidade
de Estados Latino-americanos (Celac), na Venezuela, em dezembro de 2011.
No encontro, Evo explicou à presidente os problemas de
energia e os apagões constantes enfrentados por seu país e pediu ajuda. Apesar
de ser um dos maiores produtores de gás do mundo, a Bolívia não tem os
equipamentos para transformá-lo em energia elétrica.
Dilma prometeu ceder então à Bolívia a termelétrica Rio
Madeira, que estava sem uso no Brasil, mas que precisava ser reformada. O
contrato seria de empréstimo por 10 anos, renováveis. Na prática, no entanto, o
empréstimo se transformaria em uma doação, já que o custo de devolver a usina
para o Brasil dificilmente compensaria.
A política de boa vizinhança, no entanto, tem por trás não
apenas também necessidade de garantir a boa vontade dos bolivianos. Maior
fornecedor de gás ao Brasil, o governo da Bolívia já aumentou duas vezes o
preço do metro cúbico enviado ao país, mas garante o abastecimento de outras
usinas brasileiras.
Além disso, o Brasil quer viabilizar a construção de uma
hidrelétrica binacional, na divisa entre os dois países. Trata-se de um projeto
antigo e discutido há anos pelos dois governos, sem ter nenhuma decisão prática
até hoje.
O governo ainda terá que elaborar um memorando de
entendimento para fazer a cessão formal à Bolívia, o que só deve acontecer
quando a usina estiver pronta para ser enviada aos bolivianos. O ato também é
enxergado como uma forma de melhorar a imagem do Brasil em La Paz, abalada
desde a fuga do senador Roger Pinto Molina da embaixada brasileira, ajudado
pelo diplomata Eduardo Sabóia.
A Bolívia continua sofrendo com apagões, especialmente no
interior do país, para onde deve ser enviada a termelétrica do Rio Madeira.
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