sábado, 25 de abril de 2015

FALANDO FRANCAMENTE

Por Pedro Dias Leite, Páginas AmarelasVeja  
Marta Suplicy foi deputada, prefeita de São Paulo, ministra do Turismo, da Cultura e atualmente cumpre mandato de senadora. Sempre pelo PT, partido em que milita desde o início da década de 80. Trinta e cinco anos, de muitas vitórias e algumas derrotas, um mensalão e um petrolão depois, que descreve como uma "avalanche de corrupção", ela decidiu deixar a legenda a que dedicou metade de sua vida. Marta tem convite de quase todos os partidos políticos do Brasil, mas se inclina mais para o PSB de Eduardo Campos, o candidato morto em um desastre de avião na campanha presidencial do ano passado. Enquanto desenhava estrelinhas em uma folha de papel, Marta falou a VEJA de seus motivos para romper com o PT e de seu "projeto de nação".
A senhora saiu do PT ou o PT a deixou antes?
Tenho muito orgulho de ter ajudado a fundar o PT. Acreditei, me envolvi, trabalhei décadas, com dedicação total. Saio do PT porque, simplesmente, não é o partido que ajudei a criar. O PT se distanciou dos seus princípios éticos, das suas bases e de seus ideais. Dessa forma traiu milhões de eleitores e simpatizantes. Eu sou mais uma entre as pessoas que se decepcionaram com o PT e não enxergam a possibilidade de o partido retomar sua essência. Respondendo a sua pergunta, estou segura de que meus princípios nunca mudaram, são os mesmos da fundação do PT, os mesmos com os quais criei os meus três filhos. Agora tenho um desafio, o desafio do novo. Quero ter um projeto para o meu país. Um projeto em que acredite. É isso que eu vou buscar.
O que mais pesou na sua decisão?
O componente ético é muito forte. A decepção foi tremenda. Não foi fácil ver os integrantes da cúpula do partido na prisão. Discordo da maneira pública pela qual eles foram julgados e sentenciados. O processo judicial pode ter sido perfeito, mas a humilhação pública que eles sofreram não se justifica. Por essa razão eu não me manifestei durante o julgamento do mensalão. Mas senti que havia um profundo distanciamento do que nós, petistas, queríamos para o Brasil. Reconheço o muito que já se fez em termos de diminuição da pobreza e do aumento da mobilidade social. Mas eu percebo também que a cúpula se fechou e, cercada por interesses corporativistas de certos movimentos sociais e sindicalistas, trabalha apenas para se manter no poder. O PT não tem mais projeto para o Brasil. Se não recuperar seus princípios éticos, da fundação, não voltar às suas bases, se ficar só no corporativismo, o PT vai virar uma pequena agremiação. Teria chance se fosse no caminho oposto, mantendo sua base social, mas incorporando uma classe média que ele mesmo ajudou a criar. Mas, se você perguntar se o PT fará o que é preciso para se salvar, minha é resposta é não.
Houve uma gota d'água?
A escolha do Fernando Haddad para ser candidato à prefeitura de São Paulo, em 2012, foi muito difícil para mim. Mas respirei fundo e fiz campanha para ele. Sei que minha participação foi fundamental para a vitória do Haddad. Antes já tinha sido praticamente abandonada na minha eleição para o Senado. Ganhei com enorme dificuldade. O PT fez campanha muito mais forte para o candidato Netinho do que para mim. Então comecei a pensar no que estava fazendo no PT. Em 2014, meu nome nem foi cogitado para a corrida ao governo de São Paulo, embora eu tivesse 30% das intenções de voto. Aí vem essa avalanche de corrupção. Engoli muita coisa na política. Mas, quando vi que estava em um partido que não tem mais nada a ver comigo, que não luta pelas bandeiras pelas quais eu me bati e que ainda me tolhe as possibilidades - e eu sei que sou boa -, a decisão de sair ficou fácil.
A senhora não viu os sinais da "avalanche de corrupção" no PT?
Não, porque eu nunca participei disso. Não tinha a mais leve ideia. Como a maioria dos petistas não tinha também. Se você não estava ali naquela meia dúzia, você não sabia.
Quando ficou evidente sua saída, a máquina de destruição de reputações do partido começou a agir com a acusação de que a senhora, uma aristocrata, nunca foi realmente do PT. Isso magoa?
Essas pessoas nunca estiveram na minha pele. Dei ao PT uma cara de classe média palatável. Isso abriu outro horizonte, com a adesão de uma classe média que não se identificava com o sindicalismo. Se não posso dizer que a inventei, tenho certeza de que contribuí muito para a modernidade do PT. Esse tipo de crítica não me afeta.
A senhora teve um papel de destaque no "Volta, Lula", movimento para afastar Dilma e lançar como candidato o ex-presidente. Por quê?
Eu tinha certeza de que, se a Dilma vencesse, teria um segundo mandato muito difícil, como está sendo efetivamente. Achava que com o Lula teríamos condição de rever com clareza os erros cometidos e, assim, reunir força política para tirar o Brasil daquela situação. A maioria dos deputados e dos senadores preferia a candidatura do Lula pelas mesmas razões que as minhas. Eles só foram mais cuidadosos.
O rompimento com o PT significa seu afastamento do ex-presidente Lula?
É preciso saber separar o lado pessoal. Mesmo quando fui impedida de ser candidata, em 2006, não rompi com o Lula. Porque existe uma coisa muito pessoal, gosto muito dele, o admiro. Acredito que ele também tenha admiração por mim. Tive uma conversa muito franca com ele no segundo semestre do ano passado e explicitei o que iria acontecer se ele não fosse o candidato. Disse: “Presidente, estou buscando meu caminho”. Depois, não nos falamos mais. Não é uma questão de candidatura, é de não me sentir mais no ninho. Tenho um momento em que você diz basta.
Seu descontentamento já era grande. Por que demorou tanto a deixar o governo Dilma?
Primeiro, o Lula pediu que eu ficasse. Disse que minha saída atrapalharia o projeto. Entenda-se, o projeto de ele ser o candidato. Quando a vitória de Dilma nas eleições foi confirmada, liguei para a presidente, dei-lhe os parabéns e disse que estava saindo. Foi uma conversa longa e ríspida. Ela pediu que eu esperasse sua volta do descanso, na Bahia. Quando voltou, fui conversar com ela, que me pediu que esperasse de novo, até seu retorno da Austrália, em 18 de novembro. Concordei. Qual não foi minha surpresa quando, de volta ao ministério (da Cultura), minha chefe de gabinete avisou que haviam ligado da Casa Civil, por parte do ministro Aloizio Mercadante, pedindo a carta de demissão de todos os ministros. Obviamente ele estava querendo aguar minha saída, para que ela não fosse entendida como na realidade era, um gesto político. Imediatamente pedi à minha chefe de gabinete que protocolasse minha carta de demissão, que estava pronta, no Palácio do Planalto.
Como era despachar com a presidente Dilma?
Até eu começar o “Volta, Lula”, foi agradabilíssimo. Ela é uma pessoa muito culta. Tem uma vasta cultura, é muito agradável para conversar. Lê muito, entende muito de arte, de teatro, conhece profundamente vários museus. Depois do “Volta, Lula”, ela passou a implicar com tudo.
A senhora fala como se o governo Lula fosse completamente diferente, mas os dois grandes escândalos, o mensalão e o petrolão, floresceram nos mandatos dele. As máculas éticas do PT não pertencem tanto a ele quanto a ela?
É difícil apontar a responsabilidade de cada um, e não compete a mim fazer essa afirmação. Não posso afirmar se Dilma ou Lula sabiam da corrupção. Eles tanto poderiam quanto não poderiam saber, mas, repito, não compete a mim esse julgamento. No caso do governo Dilma ficam evidentes os gigantescos prejuízos ao Brasil provocados pela má gestão. E não só por ela. Mas pelo intervencionismo e pelo autoritarismo. Quem se sente dono da verdade não escuta. Não escutar é mortal. Você pode discordar, mas tem de ouvir.
É ruim também pelo fato de ter uma mulher na Presidência e que não deu certo?
Eu sou uma feminista desde o começo. Sempre achei que uma mulher na Presidência faria muito a diferença. Ainda acho. Mas a questão principal é que o temperamento deixou o gênero em segundo plano. A sensibilidade do gênero feminino faz a diferença na hora de governar. São séculos e séculos cuidando de crianças, dos velhos e dos doentes. A Dilma tem essa sensibilidade, mas o temperamento prevaleceu sobre ela.
Qual é a sua visão sobre o impeachment?
Sou contra, não vejo nenhum fato objetivo para buscar essa saída.
Para qual partido a senhora vai?
Quando estava amadurecendo a ideia de deixar o PT, fui procurada por uma frente formada por PSB, PP, PPS, PV e Solidariedade. Agora, também comecei conversas com o PDT. Vários outros partidos me procuraram. O martelo ainda não está batido, mas é com PSB que as conversas estão mais avançadas.
Mas esses outros partidos não têm, talvez, os mesmos problemas que a senhora vê no PT?
Não tenho mais 30 anos, tenho 70. Não vivo mais de ilusões. Sou uma pessoa bastante machucada por toda a experiência partidária, por um sonho destruído. Vou procurar um partido no qual possa realizar meu projeto de nação.
A procura começa como candidata à prefeitura de São Paulo em 2016?
Não estou saindo do PT porque quero ser candidata. Mas, para quem foi prefeito de São Paulo e ama sua cidade, é inescapável interessar-se de perto por todas as questões que dizem respeito ao cotidiano dos paulistanos. É inescapável não conseguir ficar calada vendo tanta coisa malfeita e prioridades erradas. Prefeito tem de energizar a cidade inteira, o que não vejo o atual prefeito fazer. Haddad é fraco. Eu tinha, em valores de hoje, 30 bilhões de reais de orçamento. Ele tem 51 bilhões. Qual a marca dele? Ciclovia? É muito obvio. Todo mundo é a favor de bicicleta, mas isso não é solução para uma megalópole.
A senhora julga que foi uma boa prefeita, de 2001 a 2004, em São Paulo?
Criei o Bilhete Único, os CEUs, escolas de periferia com piscinas e teatros de qualidade. Minhas amigas me diziam que suas empregadas me adoravam e elas mesmas não entendiam muito por quê. A resposta era porque eu me dediquei mesmo com mais afinco a melhorar a vida de quem mais precisava.
Mesmo assim a senhora não foi reeleita. Por quê?
Meu grande erro foi achar que ia conseguir fazer tudo em quatro anos. A cidade tem pressa e eu também. No final do mandato fiz obras urbanas que, reconheço, foram um martírio para muitos paulistanos. Isso atrapalhou minha reeleição. Deveria ter feito essas obras com mais calma, ocasionando menos transtorno.
Por que várias bandeiras históricas que a senhora, pioneiramente, empenhou – por exemplo, a legitimação do casamento gay – não são viáveis no Congresso?
Acho que as pessoas se chocam com coisas erradas. Veja o caso da novela Babilônia. No primeiro capítulo, teve o beijo das lésbicas, achei interessante. Em seguida, a vilã, Gloria Pires, deu um tiro a sangue-frio no motorista. Depois, uma outra começou a achacar alguém. Ninguém se chocou com a exibição desses crimes. O beijo das mulheres chocou. Que visão de mundo isso revela? Revela que achamos normal a corrupção e o assassinato, mas reagimos contra uma manifestação de amor.
Quanto sua separação de Eduardo Suplicy influiu na sua vida política?
Alguns me viram como uma pessoa má por ter separado do Eduardo. Em parte, fui responsável. Eu me sentia tão culpada que não tive condição de fazer minha defesa. Quando não se ama mais alguém, a separação é a saída natural. Eu me apaixonei por outra pessoa, não tive medo, paguei o preço, que foi enorme. Ainda por cima era um argentino. O Eduardo se colocou publicamente como vítima em uma situação em que não há vítimas nem algozes. Separei-me do argentino. Não o amava mais. Depois conheci o Márcio (Toledo), que é uma coisa muito boa na minha vida.
Pessoas públicas têm direito à privacidade?
Ter a privacidade devassada é inerente à política. Quem não quer pagar esse preço não deve entrar.
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