Quando Dilma assumiu pela segunda vez, alguns analistas
afirmaram que enfrentaria uma tempestade perfeita, tal a configuração de
fatores negativos que a cercavam. Esses analistas não contavam ainda com a
desaceleração chinesa nem com a tempestade das tempestades: o El Niño, que deve
ser intenso este ano. Hoje, é possível dizer que Dilma enfrenta uma tempestade
mais que perfeita. Além dos fatores habituais, economia e política, ela terá de
se preparar para grandes queimadas no Norte e inundações no Sul do Brasil.
Como deputado, trabalhei no tema El Niño em 1998. Não se
consegue impedir as consequências do aquecimento do Pacífico Sul. Com alguma
preparação adequada é possível atenuá-las. Usando a velha tática petista,
quando o El Niño chegar, o governo vai sair gritando: “toma que o filho é teu”.
Ela decidiu agora que seu próprio secretário pessoal será o
articulador político. Isso me lembra uma peça de Harold Pinter: dois andarilhos
entram numa cozinha de restaurante e, de repente, começam a surgir pedidos de
pratos suculentos. Na magra mochila de viagem, tentam achar algo que possa pelo
menos atenuar a pressão dos pedidos.
Dilma está tirando da sua mochila um secretário pessoal para
ser a interface com as raposas do Congresso. Certamente vão devorá-lo, com o
mesmo apetite dos índios que comeram o bispo Dom Pero Sardinha no litoral
brasileiro. Dilma e o PT estão fazendo um aprendizado doloroso com as palavras.
Em certos momentos criam uma nova língua; em outros, limitam-se a cortar as
frases a machadadas. Dizem, por exemplo: “nunca um governo investigou tanto a
corrupção”. Mas hesitam horrorizados diante da conclusão lógica: descobrimos
que somos nós os culpados.
Pela primeira vez, Dilma mencionou o assalto à Petrobras,
lamentando o envolvimento de algumas pessoas do PT. O tesoureiro do partido
está preso. Tantos anos de assalto. Dilma custou a reconhecê-lo. Meses depois,
está desapontada porque havia gente do PT. Não sei o que é pior: fingir que não
viu ou levar tanto tempo para descobrir.
Dilma disse que não pode garantir que 2016 será maravilhoso.
Claro que não pode. Primeiro porque os fatos econômicos apontam para um ano
difícil. Segundo, porque em 2016 ninguém sabe onde ela estará. “Demorei a me
dar conta da gravidade da crise”, disse ela. Era um governo de idiotas ou de
mistificadores? Como não se dar conta de uma realidade ululante?
Valeria entrevistar agora aquela assessora do Santander que
descreveu a crise. Perseguida pela campanha de Dilma e pelo próprio governo,
acabou sendo demitida pelo banco. Como será que ela reagiu à desculpa
esfarrapada? Naquele momento, Dilma não apenas demorava a se dar conta da
crise. Considerava descrevê-la como um ato de terrorismo eleitoral.
Dilma recusou-se a reduzir ministérios. Agora, aparece um
ministro dizendo que vão cortar dez, mas não menciona quais nem quando. O
discurso do governo é apenas cascata. A própria Dilma é uma cascata, inventada
por Lula. Dirigiu o setor de energia no Brasil, com fama de gerentona. Deu
quase tudo errado, do preço da conta de luz à ruína da Petrobras.
Essa história de coração valente é um mito destinado a
proteger a roubalheira de agora com o manto de uma luta pretérita. É uma versão
atenuada dos braços erguidos de Dirceu ao ser preso pela primeira vez. Há
varias razões para se respeitar o passado. Uma delas é realçar a necessidade da
luta contra o governo militar, reconhecendo, no entanto, na luta armada um
equivoco histórico. E no seu objetivo estratégico, a ditadura do proletariado,
uma aberração que os tempos modernos desnudaram com absoluta nitidez.
Como um personagem do teatro do absurdo, Dilma vai continuar
buscando na mochila vazia respostas patéticas para as demandas complexas que o
momento coloca.
Muita gente acha que não há motivo para impeachment. Mas o
Ministro Gilmar Mendes, pelo menos ele, teve o cuidado de examinar as
irregularidades de campanha e propor um cruzamento com os dados da Lava-Jato.
O Brasil é dirigido por um governo que transformou a
política numa delinquência institucional. O país acaba de descobrir o maior
escândalo de corrupção da História. Gilmar Mendes apenas colocou o ovo de pé:
houve um grande escândalo de corrupção que beneficiou o PT. Dilma fez uma
campanha milionária. Depoimentos do Petrolão indicam que o dinheiro foi para a
campanha. Empresas fantasmas já apareceram. Por que não investigar o elo entre
a campanha de Dilma e as revelações da Lava-Jato?
Não se trata de ser contra ou a favor. Trata-se apenas de
não sentar nos fatos, Como velho jornalista, sei que os fatos são como
baioneta: sentando neles, espetam.
Artigo publicado no O Globo
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