Da Época
Versão reduzida da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
No dia 31 de maio de 2011, meses após deixar o Palácio do
Planalto, o petista Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou em Cuba pela primeira
vez como ex-presidente, ao lado de José Dirceu. O presidente Raúl Castro,
autoridade máxima da ditadura cubana desde que seu irmão Fidel vergara-se à
velhice, recebeu Lula efusivamente. O ex-presidente estava entre companheiros.
Em seus dois mandatos, Lula, com ajuda de Dirceu, fizera de tudo para aproximar
o Brasil de Cuba – um esforço diplomático e, sobretudo, comercial. Com dinheiro
público do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, o
Brasil passara a investir centenas de milhões de dólares nas obras do Porto de
Mariel, tocadas pela Odebrecht. Um mês antes da visita, Lula começara a receber
dinheiro da empreiteira para dar palestras – e apenas palestras, segundo mantém
até hoje.
Naquele dia, porém, Lula pousava em Havana não somente como
ex-presidente. Pousava como lobista informal da Odebrecht. Pousava como o único
homem que detinha aquilo que a empreiteira brasileira mais precisava naquele
momento: acesso privilegiado tanto ao governo de sua sucessora, a presidente
Dilma Rousseff, quanto no governo dos irmãos Castro. Somente o uso desse acesso
poderia assegurar os lucrativos negócios da Odebrecht em Cuba. Para que o
dinheiro do BNDES continuasse irrigando as obras da empreiteira, era preciso
mover as canetas certas no Brasil e em Cuba.
A visita de Lula aos irmãos Castro, naquele dia 31 de maio
de 2011, é de conhecimento público. O que eles conversaram, não – e, se
dependesse do governo de Dilma Rousseff, permaneceria em sigilo até 2029. Nas
últimas semanas, contudo, ÉPOCA investigou os bastidores da atuação de Lula
como lobista da Odebrecht em Havana, o país em que a empreiteira faturou US$
898 milhões, o correspondente a 98% dos financiamentos do BNDES em Cuba. A
reportagem obteve telegramas secretos do Itamaraty, cujos diplomatas
acompanhavam boa parte das conversas reservadas do ex-presidente em Havana, e
documentos confidenciais do governo brasileiro, em que burocratas descrevem as
condições camaradas dos empréstimos do BNDES às obras da Odebrecht em Cuba. A
papelada, e entrevistas reservadas com fontes envolvidas, confirma que, sim,
Lula intermediou negócios para a Odebrecht em Cuba. E demonstra, em detalhes,
como Lula fez isso: usava até o nome da presidente Dilma. Chegava a discutir,
em reuniões com executivos da Odebrecht e Raúl Castro, minúcias dos projetos da
empreiteira em Cuba, como os tipos de garantia que poderiam ser aceitas pelo
BNDES para investir nas obras.
Parte expressiva dos documentos obtidos com exclusividade
por ÉPOCA foi classificada como secreta pelo governo Dilma. Isso significa que
só viriam a público em 15 anos. A maioria deles, porém, foi entregue ao
Ministério Público Federal, em inquéritos em que se apuram irregularidades nos
financiamentos do BNDES às obras em Mariel. Num outro inquérito, revelado por
ÉPOCA em abril, Lula é investigado pelos procuradores pela suspeita de ter
praticado o crime de tráfico de influência internacional (Artigos 332 e 337 do
Código Penal), ao usar seu prestígio para unir BNDES, governos amigos na
América Latina e na África e projetos de interesse da Odebrecht. Sempre que
Lula se encontrava com um presidente amigo, a Odebrecht obtinha mais dinheiro
do BNDES para obras contratadas pelo governo visitado pelo petista. O MPF
investiga se a sincronia de pagamentos é coincidência – ou obra da influência
de Lula. Na ocasião, por meio do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto,
o ex-presidente negou que suas viagens fossem lobby em favor da Odebrecht e que
prestasse consultoria à empresa. Segundo Lula, suas palestras tinham como
objetivo “cooperar para o desenvolvimento da África e apoiar a integração
latino-americana”.
Outro lado
Procurado, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel,
afirma que, no período em que exerceu o cargo de ministro do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, “não atuou em favor de empresas, nem tampouco a
pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”. Diz o texto que várias
empresas brasileiras participaram de consulta do governo uruguaio sobre o Porto
de Rocha e o governo não atuou em favor de nenhuma das empresas. A Odebrecht
afirma em nota que o ex-presidente não teve “qualquer influência” nas suas duas
obras em Cuba, o Aeroporto de Havana e o Porto de Mariel. A empresa diz que as
discussões sobre bioenergia com o governo cubano não avançaram, mas ainda
estuda oportunidades nesse setor em Cuba, a partir da reformulação da Lei de
Investimento Estrangeiro. A Odebrecht diz que a empresa na qual trabalha o
ex-ministro Silas Rondeau foi uma das contratadas como parceira de estudos na
área de energia.
Em nota, a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto informou
desconhecer o conteúdo dos documentos aos quais ÉPOCA teve acesso. Contudo, o
Planalto destaca a importância estratégica do projeto de Porto de Mariel para
as relações de Brasil e Cuba. “A possibilidade crescente de abertura econômica
de Cuba e a recente reaproximação entre Cuba e Estados Unidos vão impulsionar
ainda mais o potencial econômico de exportação para empresas brasileiras.” O
BNDES afirma que a Odebrecht é a construtora brasileira com maior presença em
Cuba, portanto faz sentido que a maior parcela das exportações para aquele país
financiadas pelo banco seja realizada pela empresa. Diz ainda que mantém com a
Odebrecht relacionamento rigorosamente igual a qualquer outra empresa. O BNDES
nega que esteja financiando projetos envolvendo direta ou indiretamente a
Odebrecht no setor de energia, bioenergia ou sucroalcooleiro em Cuba. Sobre
entendimento para financiamento de um porto no Uruguai, como indicou o então
ministro Pimentel, o BNDES disse que não há nenhuma tratativa referente ao
projeto em curso no Banco. Procurado por ÉPOCA, o ex-presidente Lula não quis
se manifestar.
Em depoimento à CPI do BNDES, o presidente do banco, Luciano
Coutinho, disse que Lula jamais interferiu em qualquer projeto de
financiamento. Os documentos obtidos por ÉPOCA mostram uma versão diferente.
Caberá ao MPF e à PF apurar os fatos.
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