Da IstoÉ
Desde que a Lava Jato passou a condenar e levar para a
cadeia políticos do PT e empresários graúdos, o ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, não teve mais sossego. Chefe funcional da Polícia Federal,
principal braço da Operação que já entrou para a história do País por prender
corruptos e corruptores considerados até então inatingíveis, o ministro virou
alvo de uma saraivada de críticas – a maior parte delas oriunda do Partido dos
Trabalhadores. Nos últimos meses, Cardozo tem sido atacado de maneira
inclemente por algo que deveria ser encarado como uma grande virtude sua: não
interferir no trabalho dos agentes federais. Num País onde sempre prevaleceu a
máxima “aos amigos, tudo; aos inimigos, os rigores da lei”, o zelo do ministro
pelo artigo 5º da Constituição brasileira, segundo o qual todos deve ser iguais
perante a legislação, nunca deveria ser considerado um demérito. Infelizmente,
é o que tem ocorrido.
Na última semana, o bombardeio ao ministro atingiu o seu
ápice. Isso porque na segunda-feira 26, véspera do aniversário de 70 anos do
ex-presidente Lula, a Polícia Federal cumpriu um mandado de busca e apreensão
na LFT Marketing Esportivo, empresa de Luis Cláudio Lula da Silva, filho da
estrela máxima do PT. O caçula de Lula é investigado na Operação Zelotes por
receber R$ 2,4 milhões de uma empresa suspeita de fazer lobby junto ao Palácio
do Planalto para comercializar medidas provisórias em benefício de empresas
automotivas. Ao saber da devassa da PF no escritório de seu filho, Lula
investiu-se de fúria. Disparou palavrões – todos impublicáveis – a esmo. A
interlocutores, responsabilizou a presidente Dilma Rousseff pelas ações
classificadas por ele de “indecentes e inaceitáveis” da PF e pelo fato de ainda
não ter substituído o atual ministro da Justiça por alguém capaz de segurar o
ímpeto dos policiais federais. O que Lula confidenciou intramuros, o presidente
do PT, Rui Falcão, extravasou publicamente. Declarou que o filho de Lula
estaria sofrendo uma “perseguição inominável, inexplicável” e afirmou haver uma
“campanha direcionada para atingir o PT, a Dilma e o Lula”.
Mas há um alento para os defensores intransigentes do pleno
funcionamento das instituições e uma má notícia para os que acham que o Estado
deve estar a serviço de seus interesses: Cardozo mantém-se firme no propósito
de deixar o trabalho da PF, como se diz na gíria, correr solto. Em entrevista
exclusiva à ISTOÉ, concedida em seu gabinete na quinta-feira 29, o ministro
garantiu que não pretende intervir na maneira de atuar da Polícia Federal.
“Como ministro, só intervirei quando houver caracterização de um descumprimento
objetivo da lei ou de abuso de poder por parte de policiais. Até agora não
recebi nenhuma representação de quem quer que seja no sentido de que algum
policial tenha violado algum dispositivo legal”, afirmou. No que depender de
Cardozo, a despeito das fortes pressões que vem sofrendo do meio empresarial e
político, a lei será “igual para todos”. “O ministro da Justiça não deve
jurídica e eticamente tentar controlar uma investigação, dizendo que não se
investigue um amigo ou se puna inimigos”, acrescentou. Seu dique de proteção é
a Carta Magna. Para Cardozo, o ministro que tentasse controlar uma investigação,
não só estaria ferindo a ética republicana, como cometendo um crime. “Quem
ocupar esse cargo até pode tentar usar subterfúgios para tentar orientar
apurações, como já foi feito no passado.
Mas duvido que hoje, após a conquistada independência institucional da
PF, algum ministro consiga fazer isso de forma exitosa e sem ter problemas com
a própria Justiça”, defende-se.
Apesar de partir do PT, agremiação mais afetada com as
investidas da Lava Jato, as mais duras críticas ao trabalho do ministro da Justiça,
Cardozo diz não se incomodar. “Não tenho nenhuma razão para me sentir
incomodado. Incomodado deve se sentir quem ao longo do período de sua vida
defendeu isso e agora nega o que sempre defendeu”, disse à ISTOÉ. No partido,
ao qual é filiado, o ministro é tachado de “egoísta” e “ingrato” por não se
importar em proteger os próprios colegas. Cardozo não se faz de rogado. Para
ele, o PT tem direito de se manifestar sobre aquilo que acredita, mas “o
ministro da Justiça só deve atuar para exigir que a lei seja cumprida”.
Nas últimas semanas, os ataques desferidos a Cardozo
extrapolaram as fronteiras do petismo. Ao tentar costurar um acordão com o
governo para salvar a própria pele, o presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), procurou recentemente o ministro da Casa Civil, Jaques
Wagner, para pedir que o chefe da Justiça fosse substituído pelo
vice-presidente da República, Michel Temer. O recado foi levado a Dilma assim
que ela retornou de uma viagem ao exterior. A presidente, que se recusou a
rifar seu subordinado na ocasião, cometeria suicídio político se o fizesse
agora: demonstraria fraqueza à população num momento de baixíssima
popularidade, enfraqueceria uma instituição que ela própria, durante a campanha
à reeleição, se vangloriou de ter fortalecido e ficaria marcada nas páginas da
história como a mandatária que interrompeu o combate à corrupção e a faxina
ética promovida pela PF para atender a interesses nada republicanos de aliados.
Embora os petardos tenham se intensificado nos últimos dias,
depois da batida da PF no escritório de Luís Cláudio, as escaramuças entre
Cardozo e Lula remontam a 1997, durante o conhecido caso do CPEM (Consultoria
para Empresas e Municípios). Naquele ano, prefeituras petistas foram acusadas
pelo então militante petista Paulo de Tarso Venceslau de beneficiar uma empresa
comandada por Roberto Teixeira, compadre de Lula. O PT resolveu, então,
instalar uma comissão de sindicância interna para apurar suspeitas. Integrada
por Cardozo, Helio Bicudo e Paul Singer, a conclusão foi a de aplicar uma
punição a Teixeira. Lula ficou enfurecido e outro colegiado foi constituído,
culminando em decisão oposta: manter o denunciado, Teixeira, e expulsar o
denunciante, Venceslau.
Em 2005, quando eclodiu o mensalão, Cardozo e Lula voltaram
a ficar em trincheiras opostas. Petistas que discordavam das deliberações da
presidência da legenda decidiram fundar uma corrente chamada Mensagem ao
Partido, tendo o ex-governador Tarso Genro e Cardozo como principais
militantes. O movimento divergente floresceu e tornou-se hoje a segunda maior
força dentro da legenda, perdendo apenas para a Construindo um Novo Brasil, na
qual militam Lula e Rui Falcão.
Os embates internos, somados a algumas decepções com a
política, mexeram com Cardozo. Em 2010, após dois mandatos como deputado
federal, ele enviou a seus eleitores uma carta anunciando que não se
candidataria mais a cargos eletivos enquanto não houvesse mudança no atual
sistema político, com elevados custos políticos e baseados nos atuais moldes de
arrecadação de recursos para campanha, que contribuem para toda sorte de
desvios. Neste mesmo ano, trabalhou ativamente na primeira campanha
presidencial de Dilma. Integrou o núcleo duro da campanha, fazendo parte do
trio apelidado como “três porquinhos”, ao lado de Antonio Palocci e de José
Eduardo Dutra, por conta da forma física arredondada dos três petistas.
Elogiado pela presidente, que o tem na mais alta conta, Cardozo ganhou aliados
principalmente no chamado entorno de Dilma.
Para estes, Lula ensaiou, na última semana, um conveniente
discurso de rompimento com o governo, se for necessário mais adiante, ao entoar
que sua família virou alvo de uma arbitrariedade cometida pela Polícia Federal.
“Ele não precisava ter manifestado sua contrariedade por meio de emissários.
Bastava ter conversado com Dilma, olho no olho. Ao agir assim, mostra que
prepara uma porta de saída, se for o caso”, disse à ISTOÉ um auxiliar da
presidente com assento no Palácio do Planalto. Desvinculado da atual gestão,
raciocina a mesma fonte, o ex-presidente teria mais facilidade para pavimentar
sua candidatura para 2018, sem ter de carregar o ônus dos fracassos do atual
governo.
Escaldado, Cardozo fez um movimento destinado a apaziguar os
ânimos no final da semana passada. Baseando-se apenas em notícias publicadas em
sites da internet, se antecipou e pediu explicações ao diretor-geral da Polícia
Federal, Leandro Daiello. Queria saber por qual motivo Luis Cláudio, o filho
caçula de Lula, teria recebido às 23h de terça-feira 27 a intimação para depor
na Polícia Federal . Segundo o despacho enviado pelo ministro, o horário seria,
“em tese, fora do procedimento usual”. Com a iniciativa, Cardozo estendeu
bandeira branca em meio ao ambiente inflamável. Errará, no entanto, quem enxergar
no gesto um recuo.
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