sábado, 31 de outubro de 2015

MINISTRO, SEM INTERFERÊNCIA

Da IstoÉ
Desde que a Lava Jato passou a condenar e levar para a cadeia políticos do PT e empresários graúdos, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, não teve mais sossego. Chefe funcional da Polícia Federal, principal braço da Operação que já entrou para a história do País por prender corruptos e corruptores considerados até então inatingíveis, o ministro virou alvo de uma saraivada de críticas – a maior parte delas oriunda do Partido dos Trabalhadores. Nos últimos meses, Cardozo tem sido atacado de maneira inclemente por algo que deveria ser encarado como uma grande virtude sua: não interferir no trabalho dos agentes federais. Num País onde sempre prevaleceu a máxima “aos amigos, tudo; aos inimigos, os rigores da lei”, o zelo do ministro pelo artigo 5º da Constituição brasileira, segundo o qual todos deve ser iguais perante a legislação, nunca deveria ser considerado um demérito. Infelizmente, é o que tem ocorrido.
Na última semana, o bombardeio ao ministro atingiu o seu ápice. Isso porque na segunda-feira 26, véspera do aniversário de 70 anos do ex-presidente Lula, a Polícia Federal cumpriu um mandado de busca e apreensão na LFT Marketing Esportivo, empresa de Luis Cláudio Lula da Silva, filho da estrela máxima do PT. O caçula de Lula é investigado na Operação Zelotes por receber R$ 2,4 milhões de uma empresa suspeita de fazer lobby junto ao Palácio do Planalto para comercializar medidas provisórias em benefício de empresas automotivas. Ao saber da devassa da PF no escritório de seu filho, Lula investiu-se de fúria. Disparou palavrões – todos impublicáveis – a esmo. A interlocutores, responsabilizou a presidente Dilma Rousseff pelas ações classificadas por ele de “indecentes e inaceitáveis” da PF e pelo fato de ainda não ter substituído o atual ministro da Justiça por alguém capaz de segurar o ímpeto dos policiais federais. O que Lula confidenciou intramuros, o presidente do PT, Rui Falcão, extravasou publicamente. Declarou que o filho de Lula estaria sofrendo uma “perseguição inominável, inexplicável” e afirmou haver uma “campanha direcionada para atingir o PT, a Dilma e o Lula”.
Mas há um alento para os defensores intransigentes do pleno funcionamento das instituições e uma má notícia para os que acham que o Estado deve estar a serviço de seus interesses: Cardozo mantém-se firme no propósito de deixar o trabalho da PF, como se diz na gíria, correr solto. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, concedida em seu gabinete na quinta-feira 29, o ministro garantiu que não pretende intervir na maneira de atuar da Polícia Federal. “Como ministro, só intervirei quando houver caracterização de um descumprimento objetivo da lei ou de abuso de poder por parte de policiais. Até agora não recebi nenhuma representação de quem quer que seja no sentido de que algum policial tenha violado algum dispositivo legal”, afirmou. No que depender de Cardozo, a despeito das fortes pressões que vem sofrendo do meio empresarial e político, a lei será “igual para todos”. “O ministro da Justiça não deve jurídica e eticamente tentar controlar uma investigação, dizendo que não se investigue um amigo ou se puna inimigos”, acrescentou. Seu dique de proteção é a Carta Magna. Para Cardozo, o ministro que tentasse controlar uma investigação, não só estaria ferindo a ética republicana, como cometendo um crime. “Quem ocupar esse cargo até pode tentar usar subterfúgios para tentar orientar apurações, como já foi feito no passado.  Mas duvido que hoje, após a conquistada independência institucional da PF, algum ministro consiga fazer isso de forma exitosa e sem ter problemas com a própria Justiça”, defende-se.
Apesar de partir do PT, agremiação mais afetada com as investidas da Lava Jato, as mais duras críticas ao trabalho do ministro da Justiça, Cardozo diz não se incomodar. “Não tenho nenhuma razão para me sentir incomodado. Incomodado deve se sentir quem ao longo do período de sua vida defendeu isso e agora nega o que sempre defendeu”, disse à ISTOÉ. No partido, ao qual é filiado, o ministro é tachado de “egoísta” e “ingrato” por não se importar em proteger os próprios colegas. Cardozo não se faz de rogado. Para ele, o PT tem direito de se manifestar sobre aquilo que acredita, mas “o ministro da Justiça só deve atuar para exigir que a lei seja cumprida”.
Nas últimas semanas, os ataques desferidos a Cardozo extrapolaram as fronteiras do petismo. Ao tentar costurar um acordão com o governo para salvar a própria pele, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), procurou recentemente o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, para pedir que o chefe da Justiça fosse substituído pelo vice-presidente da República, Michel Temer. O recado foi levado a Dilma assim que ela retornou de uma viagem ao exterior. A presidente, que se recusou a rifar seu subordinado na ocasião, cometeria suicídio político se o fizesse agora: demonstraria fraqueza à população num momento de baixíssima popularidade, enfraqueceria uma instituição que ela própria, durante a campanha à reeleição, se vangloriou de ter fortalecido e ficaria marcada nas páginas da história como a mandatária que interrompeu o combate à corrupção e a faxina ética promovida pela PF para atender a interesses nada republicanos de aliados.
Embora os petardos tenham se intensificado nos últimos dias, depois da batida da PF no escritório de Luís Cláudio, as escaramuças entre Cardozo e Lula remontam a 1997, durante o conhecido caso do CPEM (Consultoria para Empresas e Municípios). Naquele ano, prefeituras petistas foram acusadas pelo então militante petista Paulo de Tarso Venceslau de beneficiar uma empresa comandada por Roberto Teixeira, compadre de Lula. O PT resolveu, então, instalar uma comissão de sindicância interna para apurar suspeitas. Integrada por Cardozo, Helio Bicudo e Paul Singer, a conclusão foi a de aplicar uma punição a Teixeira. Lula ficou enfurecido e outro colegiado foi constituído, culminando em decisão oposta: manter o denunciado, Teixeira, e expulsar o denunciante, Venceslau.
Em 2005, quando eclodiu o mensalão, Cardozo e Lula voltaram a ficar em trincheiras opostas. Petistas que discordavam das deliberações da presidência da legenda decidiram fundar uma corrente chamada Mensagem ao Partido, tendo o ex-governador Tarso Genro e Cardozo como principais militantes. O movimento divergente floresceu e tornou-se hoje a segunda maior força dentro da legenda, perdendo apenas para a Construindo um Novo Brasil, na qual militam Lula e Rui Falcão.
Os embates internos, somados a algumas decepções com a política, mexeram com Cardozo. Em 2010, após dois mandatos como deputado federal, ele enviou a seus eleitores uma carta anunciando que não se candidataria mais a cargos eletivos enquanto não houvesse mudança no atual sistema político, com elevados custos políticos e baseados nos atuais moldes de arrecadação de recursos para campanha, que contribuem para toda sorte de desvios. Neste mesmo ano, trabalhou ativamente na primeira campanha presidencial de Dilma. Integrou o núcleo duro da campanha, fazendo parte do trio apelidado como “três porquinhos”, ao lado de Antonio Palocci e de José Eduardo Dutra, por conta da forma física arredondada dos três petistas. Elogiado pela presidente, que o tem na mais alta conta, Cardozo ganhou aliados principalmente no chamado entorno de Dilma.
Para estes, Lula ensaiou, na última semana, um conveniente discurso de rompimento com o governo, se for necessário mais adiante, ao entoar que sua família virou alvo de uma arbitrariedade cometida pela Polícia Federal. “Ele não precisava ter manifestado sua contrariedade por meio de emissários. Bastava ter conversado com Dilma, olho no olho. Ao agir assim, mostra que prepara uma porta de saída, se for o caso”, disse à ISTOÉ um auxiliar da presidente com assento no Palácio do Planalto. Desvinculado da atual gestão, raciocina a mesma fonte, o ex-presidente teria mais facilidade para pavimentar sua candidatura para 2018, sem ter de carregar o ônus dos fracassos do atual governo.
Escaldado, Cardozo fez um movimento destinado a apaziguar os ânimos no final da semana passada. Baseando-se apenas em notícias publicadas em sites da internet, se antecipou e pediu explicações ao diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello. Queria saber por qual motivo Luis Cláudio, o filho caçula de Lula, teria recebido às 23h de terça-feira 27 a intimação para depor na Polícia Federal . Segundo o despacho enviado pelo ministro, o horário seria, “em tese, fora do procedimento usual”. Com a iniciativa, Cardozo estendeu bandeira branca em meio ao ambiente inflamável. Errará, no entanto, quem enxergar no gesto um recuo.
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