segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

ARMADILHAS DA VISÃO

Artigo de Fernando Gabeira
O primo do ex-deputado pernambucano Pedro Correia foi visitá-lo na prisão em Curitiba. O relato da visita, numa entrevista ao programa “Geraldo Freire”, é interessante. Clóvis Correia, o primo, é também juiz de direito. Ele sempre aconselhou Pedro a fazer delação premiada. Os advogados não queriam. O primo constatou, com alegria, que Pedro, finalmente, decidiu fazer uma delação premiada, contando tudo o que sabe, desde o período Sarney.
Segundo o visitante da cadeia de Curitiba, os policiais e procuradores trabalham sem parar porque há uma fila de delatores, inclusive alguns que virão de outros escândalos, como o publicitário Marcos Valério. Ainda não houve tempo para ouvir as histórias de Pedro. O primo Clóvis afirma que, apesar das barbaridades do PT, seria interessante ele contar tudo para se traçar um panorama da corrupção desde a retomada da democracia.
Um dia, Pedro falará e ficaremos sabendo, aos pouquinhos ou de uma vez só, tudo o que ele fez e conseguiu ver ao longo dos anos em que esteve perto do poder. A entrevista do primo de Pedro me faz voltar à suposição original de que já temos muitas informações sobre os escândalos no Brasil. Não só falta tempo para processá-las, cruzando atenciosamente os dados, como para completá-las, pois o fluxo não cessa com a fila de delatores e o desdobramento de suas confissões.
Nunca se soube tanto. Até as chances de alguém ter feito a fortuna que Eduardo Cunha declarou foram calculadas: uma em 257 septilhões. É possível demonstrar matematicamente que Eduardo Cunha é mentiroso. Jamais me daria a esse trabalho.
Para quem ouviu falar no Big Data, este oceano de informações que o mundo digital proporciona, fica sempre o temor de que a atração do jogo de dados acabe ofuscando os objetivos. Pode-se trabalhar indefinidamente, com números, conexões, novas hipóteses. Mas as grandes empresas são pragmáticas. Toda vez que ligo o computador aparecem na timeline anúncios de produtos que pesquisei como comprador.
É inegável que trabalhar com uma grande quantidade de números e relações entre eles pode sempre levar a novas descobertas. Mas é preciso não se perder na floresta. Os dados da Lava-Jato nos chegam aos pedaços. O PT usa isso para afirmar que são vazamentos seletivos. Mas, em termos de partidos, eles já alcançaram quase todos os grandes, inclusive o PSDB. Não se passa um dia sem que algo seja acrescido. As informações se bifurcam, se entrelaçam, iluminam com sua pequena centelha outros cantos escuros da sala.
Temo que tenham se tornado uma distração. Tenho vontade de perguntar aos procuradores: se as chances da fortuna de Cunha forem apenas uma em 300 septilhões, vocês o prenderiam? É preciso um número redondo para fechar a conta? Para que servem os dados se não levam às consequências? No caso mais amplo do Petrolão é fantástico supor uma quadrilha organizada apenas por José Dirceu.
Acossado pelo processo do Mensalão, preso durante algum tempo na Papuda, é preciso imaginar um vilão de história em quadrinhos para supor que José Dirceu coordenou sozinho o assalto à Petrobras. Onde estão os outros? Onde está Lula, onde está Dilma, onde está o restante da cúpula do PT?
Um dos grandes problemas do acúmulo de dados é a maneira de associá-los, de buscar as conexões corretas para responder aos enigmas. O computador não resolve sozinho. Se Janot precisa demonstrar que as chances de Cunha não ser bandido são uma em 257 septilhões, quanto septilhões precisaremos para enquadrar Dilma e Lula?
Sérgio Moro, que não é suspeito de partidarismo como Janot, já disse que não há nada contra Lula, embora os vazamentos, aqui e ali, indicam que há quase tudo contra ele, desde a escolha dos dirigentes da Petrobras à própria montagem do esquema de rapina. O último vazamento foi a delação de Cerveró. Uma cópia, segundo as notícias, teria sido encontrada na gaveta de Delcídio Amaral.
Não só as delações premiadas como o avanço na tecnologia nos enchem de dados novos. Em tese, posso concluir através deles que, em 22 % dos contratos os corruptos celebraram tomando o vinho Angelica Zapata ou que suas mensagens eletrônicas cresciam 46 % no horário noturno. E daí? Se não tentamos responder às perguntas certas vamos mergulhar nos dados com a mesma alegria com que o velho time do América tramava seus ataques diante do gol. Lindas e complexas jogadas. Ninguém chutava para marcar.
Isso vale para todos nós. Muitos divulgaram que Cerveró denunciou Wagner por ter financiado sua campanha construindo um prédio da Petrobras em Salvador. Ninguém foi lá saber que empreiteira construiu o prédio, se é correta a indicação de Cerveró. Um novo vazamento ofuscou o primeiro. Agora é um negócio entre Wagner, OAS e fundo de pensão dos funcionários da Caixa.
Podemos seguir, de vazamento em vazamento, como se tivéssemos nas mãos um controle remoto de TV ou uma tecla do computador. E dormir, em seguida, como fazemos todas as noites. A visão é, ao mesmo tempo, um privilégio ou uma armadilha. Depende da nossa escolha.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 17/01/2016
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