Artigo de Fernando Gabeira
O primo do ex-deputado pernambucano Pedro Correia foi
visitá-lo na prisão em Curitiba. O relato da visita, numa entrevista ao
programa “Geraldo Freire”, é interessante. Clóvis Correia, o primo, é também
juiz de direito. Ele sempre aconselhou Pedro a fazer delação premiada. Os
advogados não queriam. O primo constatou, com alegria, que Pedro, finalmente,
decidiu fazer uma delação premiada, contando tudo o que sabe, desde o período
Sarney.
Segundo o visitante da cadeia de Curitiba, os policiais e
procuradores trabalham sem parar porque há uma fila de delatores, inclusive
alguns que virão de outros escândalos, como o publicitário Marcos Valério.
Ainda não houve tempo para ouvir as histórias de Pedro. O primo Clóvis afirma
que, apesar das barbaridades do PT, seria interessante ele contar tudo para se
traçar um panorama da corrupção desde a retomada da democracia.
Um dia, Pedro falará e ficaremos sabendo, aos pouquinhos ou
de uma vez só, tudo o que ele fez e conseguiu ver ao longo dos anos em que
esteve perto do poder. A entrevista do primo de Pedro me faz voltar à suposição
original de que já temos muitas informações sobre os escândalos no Brasil. Não
só falta tempo para processá-las, cruzando atenciosamente os dados, como para
completá-las, pois o fluxo não cessa com a fila de delatores e o desdobramento
de suas confissões.
Nunca se soube tanto. Até as chances de alguém ter feito a
fortuna que Eduardo Cunha declarou foram calculadas: uma em 257 septilhões. É
possível demonstrar matematicamente que Eduardo Cunha é mentiroso. Jamais me
daria a esse trabalho.
Para quem ouviu falar no Big Data, este oceano de
informações que o mundo digital proporciona, fica sempre o temor de que a
atração do jogo de dados acabe ofuscando os objetivos. Pode-se trabalhar
indefinidamente, com números, conexões, novas hipóteses. Mas as grandes
empresas são pragmáticas. Toda vez que ligo o computador aparecem na timeline
anúncios de produtos que pesquisei como comprador.
É inegável que trabalhar com uma grande quantidade de
números e relações entre eles pode sempre levar a novas descobertas. Mas é
preciso não se perder na floresta. Os dados da Lava-Jato nos chegam aos
pedaços. O PT usa isso para afirmar que são vazamentos seletivos. Mas, em
termos de partidos, eles já alcançaram quase todos os grandes, inclusive o
PSDB. Não se passa um dia sem que algo seja acrescido. As informações se
bifurcam, se entrelaçam, iluminam com sua pequena centelha outros cantos
escuros da sala.
Temo que tenham se tornado uma distração. Tenho vontade de
perguntar aos procuradores: se as chances da fortuna de Cunha forem apenas uma
em 300 septilhões, vocês o prenderiam? É preciso um número redondo para fechar
a conta? Para que servem os dados se não levam às consequências? No caso mais
amplo do Petrolão é fantástico supor uma quadrilha organizada apenas por José
Dirceu.
Acossado pelo processo do Mensalão, preso durante algum
tempo na Papuda, é preciso imaginar um vilão de história em quadrinhos para
supor que José Dirceu coordenou sozinho o assalto à Petrobras. Onde estão os
outros? Onde está Lula, onde está Dilma, onde está o restante da cúpula do PT?
Um dos grandes problemas do acúmulo de dados é a maneira de
associá-los, de buscar as conexões corretas para responder aos enigmas. O
computador não resolve sozinho. Se Janot precisa demonstrar que as chances de
Cunha não ser bandido são uma em 257 septilhões, quanto septilhões precisaremos
para enquadrar Dilma e Lula?
Sérgio Moro, que não é suspeito de partidarismo como Janot,
já disse que não há nada contra Lula, embora os vazamentos, aqui e ali, indicam
que há quase tudo contra ele, desde a escolha dos dirigentes da Petrobras à
própria montagem do esquema de rapina. O último vazamento foi a delação de
Cerveró. Uma cópia, segundo as notícias, teria sido encontrada na gaveta de
Delcídio Amaral.
Não só as delações premiadas como o avanço na tecnologia nos
enchem de dados novos. Em tese, posso concluir através deles que, em 22 % dos
contratos os corruptos celebraram tomando o vinho Angelica Zapata ou que suas
mensagens eletrônicas cresciam 46 % no horário noturno. E daí? Se não tentamos
responder às perguntas certas vamos mergulhar nos dados com a mesma alegria com
que o velho time do América tramava seus ataques diante do gol. Lindas e
complexas jogadas. Ninguém chutava para marcar.
Isso vale para todos nós. Muitos divulgaram que Cerveró
denunciou Wagner por ter financiado sua campanha construindo um prédio da
Petrobras em Salvador. Ninguém foi lá saber que empreiteira construiu o prédio,
se é correta a indicação de Cerveró. Um novo vazamento ofuscou o primeiro.
Agora é um negócio entre Wagner, OAS e fundo de pensão dos funcionários da
Caixa.
Podemos seguir, de vazamento em vazamento, como se
tivéssemos nas mãos um controle remoto de TV ou uma tecla do computador. E
dormir, em seguida, como fazemos todas as noites. A visão é, ao mesmo tempo, um
privilégio ou uma armadilha. Depende da nossa escolha.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 17/01/2016
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