sexta-feira, 27 de maio de 2016

O DELATOR ARAPONGA

Da ISTOÉ
Depois de eleito senador pelo PSDB, presidir a Transpetro apadrinhado pelo PMDB e abençoado pelo PT por longos 12 anos e ser apontado pelo Ministério Público como o responsável por esquemas que desviaram dos cofres públicos mais de US$ 240 milhões, Sérgio Machado passou por uma simbiose. Aproveitou-se do trânsito fácil pelas cúpulas dos principais partidos do País para negociar uma delação premiada com características bem diferentes daquelas que veem impulsionando a operação Lava Jato. Machado se transformou em uma espécie de agente infiltrado. Um delator bomba. Entre o final de fevereiro e o início de abril, o executivo de 69 anos manteve encontros com caciques do PMDB levando consigo um equipamento eletrônico que, além de gravar os diálogos, permite que as conversas sejam ouvidas em tempo real por agentes da Lava Jato, estrategicamente posicionados em um carro estacionado próximo aos endereços visitados. Dessa maneira, ele gravou mais de seis horas de conversas com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o senador Romero Jucá (PMDB- RR) e o ex-presidente José Sarney. Nos diálogos até agora divulgados, Machado procura envolver os interlocutores em uma suposta trama para tentar barrar as investigações comandadas pelo juiz Sergio Moro, enredar ministros do Supremo Tribunal Federal e relacionar líderes do PSDB e do PMDB a propinas na Petrobras.
A homologação da delação de Machado, assinada pelo ministro Teori Zavascki na terça-feira 24, gerou um clima de apreensão tanto no Congresso como no Palácio do Planalto. Há o temor de que caciques do PMDB sejam atingidos pelas gravações, quando o seu inteiro teor for conhecido. Não apenas os peemedebistas, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), encontram razões de sobra para se preocupar. O que vem por aí, extraído do arsenal de Machado, é nitroglicerina pura e supera as fronteiras do PMDB. Segundo relatou a ISTOÉ um dos integrantes da Lava Jato que participou das negociações da delação, as revelações feitas por Machado à Procuradoria da República durante as tratativas do acordo são mais explosivas do que os diálogos gravados. De acordo com esse agente da Lava Jato, Machado afirmou que o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, ligado a Lula e Jaques Wagner, do PT, é um dos mentores e principais operadores do Petrolão. “Gabrielli participou da idealização da esquema de corrupção na Petrobras desde o início”, disse aos procuradores. O ex-presidente da Transpetro também afirmou que outra ex-comandante da estatal, Graça Foster, considerada na Petrobras a Dilma da Dilma, por sua afinidade com a presidente afastada, tinha pleno conhecimento dos desvios de recursos ocorridos em todas as diretorias da empresa e detalhou um enorme esquema de propinas pagas por fornecedores do programa de retomada da indústria naval, projeto acompanhado bem de perto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em um de seus relatos, Machado citou dois casos em que Gabrielli agiu pessoalmente para que a corrupção se concretizasse. O primeiro é uma operação em que repassou R$ 3,4 milhões para o PT. O dinheiro foi obtido a partir de contratos superfaturados e contabilizado como repasse das empresas Sanko Sider, Empreiteira Rigidez e MO Consultoria para a Murano Marketing LTDA e a Mistral Comunicação, de onde seguiu para os cofres petistas. A Sanko, a Rigidez e a MO Consultoria são empresas de fachada pilotadas pelo doleiro Alberto Youssef. Segundo Machado, toda a operação foi ordenada por Gabrielli. O segundo caso envolve o contrato de US$ 1,6 bilhão da Petrobras com o Grupo Schahin para a construção do navio sonda Vitória 10.000. A operação superfaturada foi feita para saldar uma dívida do PT com José Carlos Bumlai, que contraiu um empréstimo de R$ 12 milhões junto ao banco Schahin e repassou o dinheiro para o partido. Machado afirmou que a direção da Petrobras se posicionou contrária ao contrato, mas Gabrielli impôs que o acordo fosse celebrado.
Sobre Graça Foster, Machado entregou à Procuradoria da República uma lista com as datas de reuniões ocorridas na estatal nas quais desvios de recursos foram denunciados à presidente, que por sua vez não tomou nenhuma iniciativa para conter os malfeitos. Agora a PF deverá usar a informação e confrontar com atas apreendidas na sede da Petrobras. Ainda durante as negociações para a delação, Machado revelou que 80% dos contratos com fornecedores para o projeto de recuperação da indústria naval são superfaturados e que parte do dinheiro retornou para ser destinado aos partidos coligados ao PT. Ele confirmou ter entregado pessoalmente R$ 500 mil a Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras), como parte da propina a ser distribuída entre os aliados. O programa comandado por Machado tinha orçamento de R$ 8,3 bilhões.
O agente da Lava Jato que participou da negociação da Procuradoria da República com Machado não sabe se tudo o que foi revelado no acordo pelo ex-presidente da Transpetro integra a delação homologada pelo ministro Zavascki. Ele assegura, no entanto, que todas as informações foram registradas e servirão para compor inquéritos e processos em andamento tanto no STF como na Justiça Federal em Curitiba. Nesse caso, não só raposas do PMDB como Dilma e Lula serão encrencados. A presidente afastada, implicada na delação em virtude de sua ligação com Graça Foster, não escapou incólume às gravações. Num dos diálogos, gravados por Machado, o presidente do Senado, Renan Calheiros, diz que a situação de Dilma, àquela altura presidente em exercício, ficaria insustentável a partir da delação da Odebrecht, pois iria “mostrar as contas” dela. “Mas, Renan, com as informações que você tem, que a Odebrecht vai tacar tiro no peito dela, não tem mais jeito”, afirma Machado. Ao que Renan responde: “Tem não, porque vai mostrar as contas. E a mulher é corrupta”. Em outra conversa, Renan admite que batalhou para que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não fosse reconduzido ao cargo. Também em diálogo com Sérgio Machado, outro peemedebista gravado, o ex-presidente José Sarney diz que a delação da Odebrecht “é uma metralhadora de [calibre] ponto 100”e relacionou a empreiteira a uma investida que a presidente afastada Dilma Rousseff teria feito diretamente durante campanha eleitoral. “Nesse caso, ao que eu sei, o único em que ela [Dilma] está envolvida diretamente é que falou com o pessoal da Odebrecht para dar para campanha do… E responsabilizar aquele [inaudível]”.
Machado é alvo de investigações na Lava Jato em Brasília e no Paraná. Foi citado por pelo menos três delatores: Paulo Roberto Costa, o senador petista cassado Delcídio do Amaral (MS) e o empresário Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia. No final de fevereiro, ele estava convencido de que seria preso, acreditando ser essa a estratégia dos investigadores para que políticos ligados a ele fossem delatados. A preocupação cresceu após as apurações da Lava Jato chegarem a seu filho Expedito, operador em Londres de um fundo de investimentos. Resolveu, então, partir para a delação antes mesmo de ser preso.
A forma como foi conduzida a delação de Machado provocou polêmica tanto no Congresso como entre juristas. Não é raro que em investigações policiais informantes sejam infiltrados para facilitar a produção de provas. Também não é raro que provas obtidas dessa maneira sejam posteriormente questionadas judicialmente. Embora na maior parte das vezes sejam aceitas, não há uma regra específica que normatize essa questão. No caso de Machado, porém, o que mais tem intrigado parlamentares de todos os partidos não são as gravações em si, mas a forma como elas foram feitas. Na quinta-feira, deputados e senadores do PMDB, PSDB e até o PT consideravam a hipótese de as conversas do ex-presidente da Transpetro terem sido previamente orientadas, com o intuito de induzir os interlocutores a revelarem um suposto esquema arquitetado para barrar a Lava Jato e envolver líderes partidários no Petrolão. Os diálogos mostram um empenho de Machado em buscar de seus parceiros afirmações sobre o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e a influência dos líderes do PMDB sobre ministros do STF. “Pelo que conhecemos até agora dos diálogos gravados, se houve uma tentativa de incriminar alguém ou de se denunciar uma orquestração para interferir na Lava Jato ela fracassou”, disse à ISTOÉ no final da tarde da quinta-feira 26 um ministro do STJ que pede para ter o nome preservado. Ele acredita, porém, que se Zavascki homologou a delação é porque os depoimentos de Machado e as provas apresentadas por ele devem ser mais significativas do que as gravações até agora divulgadas. “Ou então está havendo um vazamento seletivo dos diálogos. Se isso for verdade, certamente o ministro Teori deverá tomar alguma providência”, conclui o ministro. Em nota divulgada na quinta-feira 26, o presidente do STF, Ricardo Lewandowisk, refutou a ideia de uma articulação para barrar a Lava Jato e afirmou que “é normal” integrantes da Corte manterem conversas com representantes da classe política. “Mas isso não trás nenhum prejuízo à imparcialidade do magistrado”, concluiu o presidente do Supremo.
Na próxima semana, o procurador geral da República, Rodrigo Janot, deverá se manifestar sobre as suspeitas de uma eventual manipulação na delação de Machado. Apesar da polêmica em torno das gravações, a delação de Machado tornou-se fundamental para o andamento da Lava Jato. Ele viveu por mais uma década no comando da Transpetro e conhece como poucos os principais líderes políticos do País. Em 2010, durante entrevista, relatou o que classificou como “o segredo de seu sucesso”: “Fui indicado para a função pelo PMDB. Fui quatro anos deputado, oito anos senador. Tenho relação extensa com tanta gente, de todos os partidos… O senador, ou anda de braços abertos ou não avança.” Esse abraço está agora assustando muita gente em Brasília.
Um agente infiltrado
Nas conversas, Sérgio Machado levou seus interlocutores a revelar uma ação orquestrada contra a Lava Jato:
Em conversa sobre a delação de Marcelo Odebrecht, Renan Calheiros  (foto) acusa Dilma.
SÉRGIO MACHADO – Ela (Dilma) não tem força, Renan.
RENAN – Mas aí, nesse caso, ela tem que se ancorar nele (Lula). Que é para ir para lá e montar um governo. Esse aí é o parlamentarismo sem o Lula, é o branco, entendeu?
MACHADO – Mas, Renan, com as informações que você tem, que a Odebrecht vai tacar tiro no peito dela, não tem mais jeito.
RENAN – Tem não, porque vai mostrar as contas. E a mulher é corrupta.
“Estancar a sangria”
O senador Romero Jucá (foto) sugere que um novo governo possa barrar a Lava Jato.
SÉRGIO MACHADO – O Janot [procurador-geral da República] está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.
ROMERO JUCÁ – Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra… Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.
“Não pode fazer delação premiada preso”
Renan Calheiros defende uma alteração na lei para controlar a Lava Jato.
MACHADO – O Cunha, o Cunha. O Supremo. Fazer um pacto de Caxias, vamos passar uma borracha no Brasil e vamos daqui para a frente. Ninguém mexeu com isso. E esses caras do…
RENAN – Antes de passar a borracha, precisa fazer três coisas, que alguns do Supremo [inaudível] fazer. Primeiro, não pode fazer delação premiada preso. Primeira coisa. Porque aí você regulamenta a delação e estabelece isso.
“Asfor Rocha tem muito acesso ao Teori”
Sérgio Machado sugere que políticos do PMDB se aproximem do relator da Lava Jato no STF, ministro Teori Zavascki. A ponte, segundo Sarney (foto), seria feita pelo ex-ministro do STJ César Asfor Rocha.
SÉRGIO MACHADO – Porque realmente se me jogarem para baixo aí… Teori, ninguém consegue conversar.
SARNEY – Você se dá com o César, César Rocha.
SÉRGIO MACHADO – Hum.
SARNEY – César Rocha.
SÉRGIO MACHADO – Dou, mas o César não tem acesso ao Teori não. Tem?
SARNEY – Tem total acesso ao Teori. Muito, muito, muito, muito acesso, muito acesso. Eu preciso falar com César. A única coisa com o César, com o Teori, é com o César.
“Se sobrar cinco é muito”
Ex-presidente da Transpetro diz que Petrolão favoreceu a todos os políticos e o dinheiro não foi só para campanhas.
SÉRGIO MACHADO – É porque esse processo. Porque Renan, vou dizer o seguinte, dos políticos do Congresso, se sobrar cinco que não fez, é muito (receber dinheiro para campanha). Governador nenhum. Não tem como, Renan.
RENAN CALHEIROS – Não tem como sobreviver.
SÉRGIO MACHADO – Não tinha como sobreviver.
RENAN CALHEIROS – Tem não.
SÉRGIO MACHADO – Não tem como sobreviver porque não é só, é a eleição e a manutenção toda do processo.
RENAN – É.
“Janot é o maior mau caráter”
Renan ofende o procurador-geral da República.
SÉRGIO MACHADO – Agora esse Janot, Renan, é o maior mau caráter da face da terra.
RENAN – Mau caráter! Mau caráter! E faz tudo que essa força-tarefa (Lava Jato) quer.
SÉRGIO MACHADO – É ele não manda. E ele é mau caráter. E ele quer sair como herói. E tem que se encontrar uma fórmula de dar um chega pra lá nessa negociação ampla pra poder segurar esse pessoal (Lava Jato). Eles estão se achando o dono do mundo.
Renan –  Dono do mundo.
As acusações contra Sério Machado
Fraude a licitação
Em 2010, o Ministério Público Federal acusa Sérgio Machado de participar de esquema para fraudar licitação da compra de 20 comboios fluviais, no valor de US$ 239 milhões, para transporte de etanol. O MPF pede à Justiça que decrete o imediato afastamento do executivo e o bloqueio de seus bens.
Patrimônio incompatível com a renda
Naquele mesmo ano, Machado vira alvo de inquérito aberto pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que apura indícios de evolução patrimonial incompatível com a renda. Apesar das suspeitas, ele prossegue no cargo.
Repasse de  propina
No final de 2014, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, delator da Operação Lava Jato, afirma à Justiça Federal no Paraná que recebeu R$ 500 mil do ex-presidente da Transpetro. Os valores seriam provenientes do esquema de corrupção conhecido como Petrolão.
Anotações suspeitas
Em papeis e arquivos de computadores apreendidos em poder de Costa, há referências à Transpetro e a Machado, reforçando as suspeitas.  Aparecem anotações como “construção de navios”, “estaleiros”, “contrato de transporte Transpetro”, nomes de grandes empresas do setor naval e “Sérgio Machado”.
Auditoria
Em dezembro de 2014, a PriceWaterhouseCoopers impõe a saída de Sérgio Machado do comando da Transpetro como condição para auditar o balanço da Petrobrás. Ele deixa a estatal depois de 11 anos.
Investigação no Supremo
Com base nas delações de Paulo Roberto Costa e do ex-senador petista Delcídio do Amaral, o Supremo abre inquérito para apurar suspeitas de pagamento propina ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), desviada de contratos da Transpetro.
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