quinta-feira, 30 de junho de 2016

AO VENCEDOR, AS BATATAS. A TEMER, O BRASIL DA INTOLERÂNCIA

Helena Chagas, Os Divergentes
A proposta de convocação de um plebiscito sobre novas eleições caiu no vazio. Por alguns dias, chegou a representar chance de virar votos no Senado na reta final do impeachment e trazer Dilma Rousseff de volta. Mas foi recebida com frieza pelo PT, má-vontade pelos movimentos sociais e enigmático silêncio por parte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não colou. E, se não colou até agora, dificilmente haverá condições, até por falta de tempo, para que se viabilize junto àqueles que, em última instância, podem mudar o rumo das coisas: as ruas.
Se Dilma não recebeu o apoio nem dos seus a essa articulação, como ficou claro no encontro que teve nesta terça com a executiva do PT, o que dirá da negociação com os senadores, que passaram a ser paparicados dia e noite pelo novo Planalto? Chega a ser melancólico o saldo divulgado dessa conversa: um anúncio de que a presidente afastada deve viajar mais pelo país - grande novidade! - e sua foto ao lado de petistas que pareciam um bando de alegres turistas em visita ao Alvorada. E mais nada.
No ritmo em que as coisas vão, e sem a tal bala-de-prata da Lava Jato que poderia hipoteticamente fulminar Michel Temer, caminha-se para o desfecho previsível: lá pelo final de agosto, ou nos primeiros dias de setembro, ele passa de interino a efetivo. E aí? Isso é tudo com o que sonham hoje o Planalto e seus aliados, que trabalham 24 horas por dia com esse propósito. Mas não há indicações de que o laço vai afrouxar, ou seja, de que as coisas vão ficar menos difíceis.
Afinal, o Temer interino não desperta paixões, como bem mostram as pesquisas de popularidade que o colocam em patamares semelhantes aos de Dilma, mas conta com a boa vontade da maioria do Congresso, do grosso do PIB e de amplas fatias da mídia - todos apavorados com a ideia da volta da presidente afastada. É uma forte aliança, mas tende a se enfraquecer no embate do dia-a-dia e no rastro das divergências e contradições inevitáveis entre essas forças, que vão estourar nas mãos do Temer efetivo. Aliás, a aliança política já tem data marcada para derreter: as eleições de outubro, poucas semanas depois do provável afastamento definitivo.
Sem a ameaça da volta de Dilma ao cenário, também vai ficar mais difícil responsabilizar a herança maldita por todos os infortúnios, como hoje. É provável que, antes mesmo do Natal, o brasileiro já esteja cobrando do governo Temer sinais de melhora na economia, sobretudo em relação ao emprego - o que, na visão de economistas, será quase impossível apresentar. Ainda que a economia tenha parado de piorar, a retomada ainda não ocorreu, muito menos sua percepção concreta por parte da maioria das pessoas, que é o mais demorado. Na visão do mais otimista dos otimistas, ainda que tudo dê certo, com as reformas estruturais aprovadas e o retorno da confiança e do investimento, o eventual clima de alto astral só se fará sentir depois de 2018 - quando haverá eleições e ninguém tem a menor ideia do que acontecerá.
Ainda como interino, e com pressa para se efetivar, Michel começa a perceber que não será  fácil aprovar reformas como a da Previdência, por exemplo, já adiada para o fim do ano. Até a aparentemente incontestável lei das Estatais, aprovada no Congresso, passou de panacéia a abacaxi na hora da sanção, contestada pela base inconformada em reduzir suas indicações políticas. Sem falar na Lava Jato, na bala-de-prata que sempre pode aparecer e nas surpresas que qualquer investigação pode trazer para um governo do PMDB.
Ao vencedor, as batatas. Ao vencedor do processo de impeachment, que, ao que tudo indica, será Michel Temer, restará governar esse Brasil do início do século XXI em que o velho e o novo, o preto e o vermelho, o Fla e o Flu travam, com as armas da intolerância e do atraso, suas lutas de vida e morte em torno de tudo e de nadas.
Helena Chagas é jornalista desde 1983. Exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação.
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