O assalto de R$ 100 bilhões aos velhinhos e outros clientes
do crédito consignado ainda era o grande assunto do dia, turbinado pela prisão
do ex-ministro Paulo Bernardo, quando foi noticiado o desastroso balanço da
Petros, com déficit de R$ 23,1 bilhões. O buraco será coberto pelos mutuários,
pelos aposentados e pela patrocinadora, a Petrobrás, empresa sob controle
financeiro da União e, portanto, dos cidadãos brasileiros. A conta, portanto,
vai também para eles. O tamanho do prejuízo pode ser inesperado, mas a condição
miserável das fundações de previdência das estatais é bem conhecida. Também
sujeitos ao jogo partidário, ao aparelhamento e ao loteamento, esses fundos de
pensão têm perdido bilhões em aplicações mal feitas, frequentemente orientadas
pelos interesses do grupo no poder. Exemplo: investimentos na Sete Brasil,
criada para fornecer sondas à Petrobrás, impuseram perdas a todas as grandes
fundações, assim como aos bancos federais.
Um caso ou outro poderia ser acidente. Mas os maus negócios
dos bancos, a queima de recursos das fundações, a devastação das grandes
estatais e a crise da Oi, sem condições de pagar R$ 65,4 bilhões de dívidas,
trazem as marcas de um estilo de governo. Esse estilo foi implantado em 2003 e
só interrompido, por enquanto provisoriamente, em abril deste ano. O escândalo
do crédito consignado apenas acrescentou um toque de perversidade, um tempero
especial, a uma longa história de bandalheiras.
Os R$ 23,1 bilhões perdidos pela Petros podem ser uma cifra
assustadora, mas esse valor parece até modesto quando se pensa no balanço da
Oi. A quebra, ou quase quebra, da operadora estabeleceu um recorde. Nenhum
outro processo de recuperação judicial havia envolvido tanto dinheiro. Mas
outros detalhes também tornam especial esse episódio. A Oi, uma das maiores
empresas de telecomunicação do Brasil, é uma das mais discutíveis criações do
governo petista.
O toque final de sua constituição dependeu de uma alteração
legal promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Formatada para ser a
grande companhia nacional do setor, capaz de enfrentar as multinacionais, essa
operadora resultou em mais um fracasso, mais uma prova contra a política de
criação de campeãs nacionais. Uma de suas poucas realizações notáveis foi a
instalação de uma antena ao lado do sítio do ex-presidente Lula.
A nova ação da Polícia Federal, com prisão do ex-ministro
Paulo Bernardo, condução de seu colega Carlos Gabas e visita à sede do PT em
São Paulo, foi classificada por aliados da presidente Dilma Rousseff como
tentativa de reforçar o processo de impeachment. A manobra seria destinada,
além disso, a desviar a atenção das acusações a membros do governo provisório.
Alegações como essas poderiam ter alguma respeitabilidade em outras
circunstâncias. Mas é impossível, agora, levá-las a sério. Afinal, a Operação
Custo Brasil, mais um desdobramento da Operação Lava Jato, só escancara mais
detalhes de uma enorme sequência de crimes.
Alguns desses novos detalhes, como o desvio de dinheiro de
clientes do crédito consignado, funcionários ativos e aposentados, são
especialmente hediondos. Mas, além de mais escabrosos que outros, podem ser
especialmente informativos. A denúncia vai além do assalto e aponta o PT como
um dos beneficiários do dinheiro subtraído.
Cada novo capítulo da Operação Lava Jato confirma os
vínculos entre aparelhamento, loteamento e corrupção nos governos entre 2013 e
meados de abril de 2016. Esses governos foram guiados essencialmente por um
projeto de poder. Todo o discurso a respeito de planos de integração social e
de mudança econômica nunca foi mais que um esforço de construção de imagem.
Esse esforço pode ter enganado parte do público brasileiro e, com certeza, uma
parte considerável do público estrangeiro. Mas a chamada política social do PT
nunca foi principalmente um instrumento de dominação, baseado muito mais na
transferência de renda – um mecanismo de fácil manejo – do que na efetiva
absorção dos pobres na economia moderna. Sem as transferências, a maior parte
das famílias provavelmente voltaria às condições miseráveis.
Os aumentos do salário mínimo superiores aos ganhos de
produtividade também proporcionaram alguma melhora do consumo, mas políticas
desse tipo são insustentáveis. Depois de algum tempo, a inflação tende a anular
seus efeitos.
Além disso, nenhuma economia administrada sem disciplina
fiscal, uso criterioso de recursos e atenção ao investimento e à produtividade
vai muito longe. A recessão brasileira, com mais de 11 milhões de
desempregados, é mais uma prova dessa obviedade ignorada pelos petistas – principalmente
pela presidente Dilma Rousseff e por seus incompetentes favoritos.
Não há como fixar uma linha divisória entre o estilo de
ocupação do governo – aparelhamento, loteamento e apropriação partidária do
Estado – e o desastre econômico. A mediocridade do primeiro mandato, com
crescimento médio anual de apenas 2,1%, foi um claro prenúncio da recessão. Em
2014 a economia, já atolada na crise, cresceu 0,1%, enquanto a inflação bateu
em 10,67%. A piora do quadro a partir daí foi um desdobramento normal, até porque
a presidente rejeitou os esforços do ministro Joaquim Levy de reconhecer e
enfrentar os problemas.
Quem vincula a Operação Custo Brasil ao processo de
impeachment acerta, no entanto, pelo menos num ponto. Há um parentesco
indisfarçável entre o projeto de poder do PT, os desmandos na administração
direta e indireta, a desastrosa política econômica e as pedaladas fiscais. São
estas, formalmente, a base do processo de impeachment. Mas só com muito esforço
de abstração é possível separá-las do resto. O resto inclui, entre outros
detalhes, o desemprego de mais de 11 milhões e o assalto aos velhinhos do
crédito consignado. Esse jogo político é indivisível.
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