Passaram-se oito meses desde a aceitação do pedido de
impeachment de Dilma por parte do então presidente da Câmara, deputado Eduardo
Cunha (PMDBRJ), durante os quais transcorreram intensos debates, com acusações
e defesas, entremeadas de recursos ao Supremo Tribunal, cujo presidente,
ministro Ricardo Lewandowski, é o guardião de corpo presente desta fase final
do processo.
Dilma tem um apoio minguante nas ruas — sustentação que
passou a se resumir a movimentos e entidades que orbitam em torno do PT, e se
beneficiaram do acesso fácil ao Tesouro nos governos lulopetistas —, mas a
representatividade do PT faz bem ao processo de impedimento. Sob pressão, o
Legislativo e o Poder Judiciário são fiadores atentos da extrema lisura de toda
a tramita- ção do afastamento da presidente Dilma.
A última sessão em que acusação e defesa se defrontaram,
realizada na manhã e início da tarde de ontem, resumiu bem os pontos centrais
da acusação de Dilma por crimes de responsabilidade de origem fiscal e
orçamentária, conduzida pelos juristas Janaína Paschoal e Miguel Reali Jr. Bem
como a defesa, feita pelo advogado José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça
e da Advocacia Geral da União (AGU).
Não restaram mais dúvidas sobre a culpabilidade da
presidente Dilma, criticada pelo seu pensamento econômico desde o final de
2005, no fim do primeiro governo Lula, quando assumiu a Casa Civil e tachou de
“rudimentar” a proposta dos colegas Antonio Palocci, da Fazenda, e Paulo
Bernardo, do Planejamento, para impedir que as despesas subissem mais que o
PIB. Na essência, é o que o governo Temer se propõe a fazer, e está certo.
Dilma, no entanto, fiel a convicções erradas, pôs em prática
a visão de que “gasto em custeio é vida” e, desde o final do segundo mandato de
Lula, passou a induzir uma política de expansão de despesas sem limites. A
crise mundial de 2008/2009 serviu de álibi para a gastança, causa da atual
crise, aprofundada pela percepção de que o Tesouro brasileiro se tornará
insolvente, sedimentada pela reeleição de Dilma e sua aposta em dobro no mesmo
modelo, com a queda de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda, substituído por
Nelson Barbosa.
Ao sustentar a parte técnica da acusação, Janaína Paschoal
foi feliz ao explicar como a presidente Dilma, à frente do ministro Guido
Mantega e do secretário do Tesouro, Arno Augustin, este o artífice da
“contabilidade criativa”, promoveu uma “farsa fiscal”, para maquiar dados com
técnicas de contabilidade pública, a fim de criar um cenário róseo da economia,
na campanha de 2014. Daí as “pedaladas”, para que bancos oficiais pagassem, em
nome do Tesouro, subsídios.
Emprestaram à União, um pecado mortal perante a Lei de
Responsabilidade. E também editaram decretos de gastos adicionais, sem a aprovação
do Congresso. Crimes de responsabilidade, de acordo com a lei 1.079/50 e a
Constituição. Para completar o fiel resumo do que foi o embate destes oito
meses, o advogado José Eduardo Cardozo se incumbiu da defesa política e técnica
da presidente, exposta com a ênfase e a competência costumeiras.
Voltou à cena o fantasioso “golpe parlamentar”, sustentado
numa ficcional trama urdida nos porões do TCU, da qual se valeu Eduardo Cunha
para chantagear a presidente: ou o apoio do PT no Conselho de Ética, ou a abertura
do processo de impeachment. Esqueceu-se de citar pressões do Planalto para que
petistas defendessem Cunha. E se este se vingou, também deu um auxílio a Dil
ma, ao limitar a sustentação do pedido de impeachment a fatos ocorridos apenas
em 2015.
Suficientes para o impedimento, mas longe de serem o
conjunto da obra. Mais ainda: sem o apoio da grande maioria do Congresso, nada
prosperaria. Ao comparecer ao Senado para se defender, Dilma não deve ter
mudado votos contra si. Na extensa parte da sessão em que respondeu a perguntas
e críticas de senadores, foi a Dilma de sempre: irritadiça, autoritária,
confusa. E deve ter pulverizado de vez a possibilidade do retorno ao Planalto
quando se recusou a dizer o que faria contra a crise econômica caso o impeachment
fosse rejeitado. Demonstrou que a hipotética volta à Presidência poderia ser um
salto no escuro.
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