Num discurso de 50 minutos feito ontem perante o Senado
Federal, com o qual pretendeu se defender das acusações pelas quais será
julgada nas próximas horas pelos senadores, a presidente afastada Dilma
Rousseff produziu uma peça de ficção entremeada por lances de pieguice
explícita. Foi um fecho melancólico do itinerário político de uma chefe de
governo que, simplesmente, fez tudo errado e levou o País para o buraco. Tudo
consequência do autoritarismo e da soberba de um projeto de poder
irresponsavelmente populista, agravado pela incompetência gerencial e pela
inapetência para o jogo político reveladas pela criatura imposta por Lula para
revezar com ele a cadeira presidencial.
O argumento central da defesa de Dilma, repetido à saciedade
ao longo de todo o processo do impeachment que chega agora a seu desfecho, é
que, alimentados pelo ódio e pela intolerância, seus adversários, ao verem
“contrariados e feridos nas urnas os interesses da elite econômica e política”,
assacam contra ela acusações infundadas. E protestou: “As provas produzidas
deixam claro e inconteste que as acusações contra mim dirigidas são meros
pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica”. Dilma tem todo o
direito de pensar o que quiser sobre o julgamento no qual é ré, mas não é a
ela, e sim aos juízes, constitucionalmente investidos de autoridade jurídica e
política para tanto, que caberá decidir se ela é ou não culpada. Essa é uma
responsabilidade atribuída ao Congresso Nacional. E até agora, seja no âmbito
da competência dos deputados, seja na dos senadores, Dilma perdeu sempre.
A presidente afastada sabe que perderá até o amargo fim e,
portanto, nada mais lhe resta senão apelar para o ilusionismo retórico e as
lágrimas de crocodilo em desesperada tentativa de reverter os votos de
senadores que imagina que ainda possam ser persuadidos a absolvê-la e de
convencer a opinião pública de que merece um lugar de destaque e honra na
história que se escreverá. Foi certamente com essa intenção que Dilma reiterou
com insistência, ao longo de sua fala, dois pontos: as “marcas da tortura” de que
foi vítima quando pegou em armas para combater a ditadura militar e o fato de
que “não há crime” nos crimes que lhe são imputados pela acusação.
Dilma classificou sua reeleição como “rude golpe a setores
da elite conservadora brasileira”. Na verdade, foi um tremendo golpe para todos
os brasileiros. É que, durante a campanha presidencial, ela fez tudo para
dissimular a grave situação das contas públicas e a forte retração da atividade
econômica, atribuindo aos adversários a intenção de praticar todas as “maldades”
que ela própria, tão logo reeleita, tentou em vão implantar para aliviar a
crise.
Dos argumentos de que a presidente afastada lançou mão em
sua arenga, o mais ridículo é o de que, primeiro “é uma desproporção” mover um
processo de impeachment por crimes como os que constam da acusação – ou seja,
de pequena monta. Dilma protestou contra a tentativa de “criminalizar” o Plano
Safra, quando em momento algum a acusação emitiu juízo de valor sobre aquele
plano de subsídio à agricultura, limitando-se a denunciar que a forma de
efetivação do financiamento violou a lei, pois o governo – controlador de
bancos públicos – fez operações de crédito com essas instituições, numa prática
vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Dilma ainda teve de fazer malabarismos para não entrar em
choque com o PT, que acaba de rejeitar sua ideia de, caso seja reconduzida à
Presidência, convocar um plebiscito para decidir sobre a antecipação das
eleições presidenciais: “Chego à última etapa desse processo comprometida com a
realização de uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir,
nas urnas, sobre o futuro de nosso país. Diálogo, participação e voto direto e
livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia”.
Como era inevitável, Dilma protestou também contra o fato de
estar sendo julgada pelo “conjunto da obra”. De fato, a profunda crise em que
ela afundou o País agrava sua situação. Mas o julgamento em curso é, por
definição, também político. E dessa perspectiva é impossível ignorar o “conjunto
da obra”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário