Da ISTOÉ
Preso na última segunda-feira 26, Antonio Palocci atravessou
a recepção da Superintendência da Polícia Federal do Paraná meio sorumbático.
Cabisbaixo, mal conseguiu reparar no quadro que adorna a entrada da carceragem
em Curitiba com a imagem de uma onça agressiva – “a fera”, como costumam dizer
os agentes penitenciários. Seu semblante abatido em nada lembrava o impávido
ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma, protagonista do
Petrolão, responsável por gerenciar negociatas que renderam cifras
extraordinárias ao PT. Tampouco fazia jus ao physique du rôle do consultor
milionário investigado pelo Ministério Público Federal. Pela primeira vez, em
muitos anos, Palocci estava mais para Antonio, o médico sanitarista boa praça
de Ribeirão Preto que debutou para a política em 1981 vendendo estrelinha do
PT. De lá para cá, realmente, muita coisa mudou em sua vida. Preso pela Lava
Jato, o petista é o retrato mais bem acabado do político que enriqueceu no
poder – e graças ao poder. No início dos anos 2000, antes de se eleger
deputado, Palocci tinha um patrimônio que somava R$ 295 mil. Sua conta-corrente
no Banco do Brasil apresentava um saldo de R$ 2.300. No Banespa, seus depósitos
somavam R$ 148. A ascensão patrimonial foi colossal. Na última semana, o juiz
Sérgio Moro bloqueou das contas pessoais – físicas e jurídicas – do petista um
total de R$ 30,8 milhões. Entre os bens adquiridos por Palocci nos últimos anos
figuram um apartamento nos Jardins, área nobre de São Paulo, avaliado em R$ 13
milhões e um escritório na mesma região, que hoje vale pelo menos R$ 2 milhões.
A movimentação bancária do ex-ministro entre 2010 e 2015, a qual ISTOÉ teve
acesso, revela números ainda mais exuberantes. Neste período, R$ 216,2 milhões
passaram pelas contas de Palocci e de sua empresa de consultoria, a Projeto. Os
serviços contratados, acreditam os procuradores, iam além dos conselhos. Muitas
vezes, os serviços de consultoria propriamente ditos nem eram prestados.
Traduziam-se em lobby. Em português claro: tráfico de influência em favor de
grandes empresas junto aos governos petistas.
Os bens do petista consultor
O enriquecimento e os valores movimentados pela firma de
consultoria de Palocci acenderam o sinal de alerta entre os investigadores.
Fundada em 2006, a Projeto recebeu R$ 52,8 milhões entre junho de 2011 e abril
de 2015. Só em 2010, quando Palocci coordenava a campanha de Dilma, o
ex-ministro teve ganhos de R$ 12 milhões. É um faturamento infinitamente maior
do que o de prestigiadas assessorias de negócios do País. Conforme ISTOÉ
adiantou com exclusividade em seu site, na última semana, duas novas
investigações a respeito da evolução patrimonial foram abertas pala
Procuradoria da República do Distrito Federal. As autoridades possuem fortes
indícios de que os serviços oficialmente contratados pela Caoa e pelo Grupo Pão
de Açúcar não foram prestados.
A primeira das apurações mira em valores recebidos do Grupo
Pão de Açúcar. Ao todo, a firma de Palocci amealhou R$ 5,5 milhões do
conglomerado varejista. O dinheiro era repassado pelo ex-ministro da Justiça
falecido Márcio Thomaz Bastos. Chama a atenção o fato de os depósitos terem
começado logo após Palocci ser anunciado ministro da Casa Civil da
ex-presidente Dilma. O que por si só configuraria um conflito de interesses. As
irregularidades se acumulam. Sequer há um contrato formal entre as partes. O
próprio Grupo Pão de Açúcar reconheceu, depois de uma auditoria interna sob
nova administração, não ter identificado qualquer serviço prestado pela
Projeto. Na prática, acreditam os procuradores, a verdadeira razão dos
pagamentos não podia ser registrada em papel: propina para Palocci defender os
interesses da empresa.
A segunda apuração do MPF contra Palocci esquadrinha as suas
relações com o grupo Caoa. A empresa automobilística aparece como a segunda
principal cliente da Projeto. Pagou R$ 10 milhões à firma do petista. Uma parte
dos depósitos ocorreu durante a primeira campanha de Dilma. Seria, de acordo
com o contrato selado, para Palocci identificar e auxiliar em negócios na
China. Não é o que acreditam os investigadores. “Aventou-se que o presente
contrato destinar-se-ia, em verdade, a acobertar a prática do crime de tráfico
de influência, ocorrido no processo de edição de medidas provisórias que, ao
concederem benefícios fiscais à indústria automobilística, favoreceram
sobremaneira a Hyundai-Caoa”, afirmou o procurador Frederico Paiva em despacho.
A medida provisória, de fato, atendeu aos interesses da Caoa ao prorrogar as
vantagens tributárias para montadoras instaladas nas regiões Centro-Oeste,
Norte e Nordeste. O grupo comanda uma fábrica da Hyundai em Anápolis (GO). Por
contratar “consultorias” similares, a Caoa se tornou alvo das operações Zelotes
e Acrônimo. Em uma delas, há suspeitas de que teria pago R$ 10 milhões a
Fernando Pimentel, então ministro da Indústria e Comércio de Dilma. Em troca,
teria recebido benefícios fiscais.
Aos poucos, os investigadores vão conseguindo mapear a
origem e o destino dos recursos amealhados por Palocci. Um relatório produzido
pela CPI do BNDES mostra que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(COAF) identificou nove operações bancárias suspeitas ligadas ao ex-ministro.
Há outros alertas ainda de entradas atípicas de dinheiro no caixa de sua
consultoria, como somas acima de R$ 1 milhão pagas por treze empresas. Só a
Amil e seu ex-controlador Edson Bueno depositaram R$ 24,9 milhões nas contas da
Projeto.
Foram, inclusive, as revelações pela imprensa a respeito dos
ganhos milionários de Palocci com consultorias que levaram à segunda queda do
petista. Em 2011, Palocci tinha conseguido voltar ao poder como ministro da
Casa Civil de Dilma, depois de deixar a Fazenda, em março de 2006, em meio ao
escândalo da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo. O episódio
rendeu um inquérito contra o petista no Supremo Tribunal Federal. Entrou na
conta dos 19 arquivados desde 2005. A passagem do petista pela Casa Civil durou
cinco meses. Foi abatido em pleno vôo ante às denúncias de multiplicação por 20
de seus bens – hoje, sabe-se, que a progressão patrimonial foi e é muito maior.
Palocci entrou no radar da Lava Jato também por uma
consultoria que ajudou a engordar o seu patrimônio. Entre 2007 e 2010, sua
empresa recebeu recursos da construtora WTorre. Neste período, a empreiteira
comprou e, logo, arrendou o Estaleiro Rio Grande para a Petrobras construir
plataformas. Coincidentemente, a consultoria de Palocci se encerrou junto com a
venda do estaleiro para a Engevix. O serviço de lobby, desconfiam
investigadores, não era mais necessário. Depoimentos de delatores, como Paulo
Roberto Costa, Alberto Youssef e Fernando Baiano mostram o envolvimento do
ex-ministro com o Petrolão. Ao juiz Sergio Moro, eles narraram que Palocci
pediu R$ 2 milhões desviados da Petrobras para a campanha presidencial de 2010.
Na manhã da segunda-feira 26, a Lava Jato fechou o cerco
contra Palocci. O petista, conhecido como “italiano” nas listas de propina, foi
preso em seu apartamento na capital paulista. Não restam dúvidas, para os
procuradores, de que o ex-ministro tinha papel central nas negociatas entre os
governos do PT e a Odebrecht. Era o elo entre os desejos financeiros do partido
e os da empreiteira. “Existe um pagamento (da Odebrecht) que é feito
constantemente e que forma um caixa mesmo, uma poupança, digamos assim, de onde
são depois, posteriormente, pelo gestor da conta – no caso, o senhor Antonio
Palocci – destinados os pagamentos no interesse do partido”, afirmou a
procuradora Laura Tessler. E-mails e planilhas mostram que o ex-ministro
gerenciou R$ 128 milhões em propina paga pela construtora entre 2008 e o final
de 2013. Cerca de R$ 30 milhões foram pagos em espécie a Palocci entre julho e
outubro de 2010 num total de 26 pagamentos. Cada entrega era feita mediante uma
senha com nome de um prato italiano, como espaguete, lasanha e canelone. Em
contrapartida, Palocci agia dentro do governo, com anuência de lideranças
petistas, para garantir que a construtora ganhasse contratos, obtivesse
empréstimos de bancos estatais e pautasse projetos de seu interesse.
A Lava Jato prendeu, além de Palocci, seus dois homens de
confiança: Branislav Kontic e Juscelino Dourado. Chefe de gabinete do petista
durante o governo Dilma, Kontic participava ativamente das operações ilegais do
ex-ministro. Era ele quem fazia a comunicação do petista com executivos da
empreiteira. Foi o responsável por encaminhar mensagens relacionadas à compra
de um terreno na capital paulista pela Odebrecht onde pretendiam erguer a sede
do Instituto Lula. A área, que custou R$ 12 milhões, seria repassada pela
empreiteira e seu valor descontado das propinas. A participação de Juscelino
Dourado, assessor de Palocci desde os tempos em que ele comandava a prefeitura
de Ribeirão Preto, não fica para trás. Ele é acusado de receber U$S 48 milhões
em negócios ilícitos. Há suspeitas que seja, na verdade, responsável por
receber e lavar recursos para Palocci. Na mira dos investigadores está uma fazenda
referência na criação e no leilão de gados Nelore. A PF deflagrou busca e
apreensão na propriedade, localizada em Mato Grosso. Há suspeitas de que
Dourado seja laranja do ex-ministro no empreendimento. “Nós, da Receita
Federal, estamos acompanhando vertentes relacionadas à interposição de pessoas
na aquisição de dois imóveis, principalmente uma fazenda no Mato Grosso”,
afirmou o auditor Roberto Leone. “Possivelmente, no caso da fazenda, há
indícios de que houve um subfaturamento na declaração ou na escrituração”,
complementou.
O hoje milionário Palocci construiu uma carreira política
tão ascendente como cercada de suspeitas. Elegeu-se vereador, deputado
estadual, federal e prefeito de Ribeirão Preto. Sua gestão à frente do
município paulista foi marcada por suspeições. A primeira acusação foi de
direcionar uma licitação exigindo que os molhos de tomates viessem com ervilha.
Tirou da frente, assim, uma grande quantidade de concorrentes. Um expediente
que teria sido repetido na máfia do lixo. Segundo a denúncia, Palocci recebia
uma mesada para favorecer o Grupo Leão Leão em contratos de coleta. Em 2002,
ele deixou o comando do município. Assumiu a coordenação da vitoriosa campanha
de Lula à presidência. Com a chegada do PT ao poder, foi alçado ao cargo de ministro
da Fazenda e recebeu do ex-presidente a missão de fazer a interlocução com os
empresários. A partir daí, tornou-se o poderoso petista conectado com o
mercado. O resto já é história. Treze anos depois, sabe-se que Palocci usou as
conexões para se tornar o homem de mais de R$ 200 milhões – agora, preso.
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