Editorial O Estado de S.Paulo
A decisão unânime da 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal
(STF) de aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a
senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro dos governos petistas
Paulo Bernardo, por corrupção e lavagem de dinheiro, reflete uma realidade que
se enquadra no “contexto de corrupção sistêmica dentro da Petrobrás”, de acordo
com entendimento do ministro-relator Teori Zavascki. Essa realidade, que o
acúmulo de evidências torna irrefutável, na verdade extrapola o âmbito da
Petrobrás e se estende a todo o aparato governamental da era lulopetista.
Reflete o método político pelo qual Lula e seu PT optaram, na desastrada
tentativa de consolidar um projeto de poder populista.
Chamado a prestar contas à Justiça, o casal de militantes
petistas – ela senadora, com passagem pela chefia da Casa Civil de Dilma; ele
quadro partidário de primeira linha do lulopetismo, ministro do Planejamento
(2005 a 2011) e das Comunicações (2011 a 2015) – surge como símbolo da
impostura de um partido político que chegou ao poder prometendo impor padrões
morais rígidos à gestão da coisa pública e de ser um defensor intransigente das
classes menos favorecidas, provedor infalível e generoso de suas necessidades
materiais.
Um fenômeno relevante nos 36 anos de existência do PT ajuda
a entender os desvios da trajetória político-programática estabelecida na
fundação do partido. Numa primeira etapa, intelectuais e líderes religiosos que
haviam ajudado a fundar o partido e a consolidar suas primeiras conquistas
foram praticamente expulsos de suas fileiras pela ala sindical, mais rude e
direta. Em seguida, após se ter transformado em partido eleitoralmente
competitivo e depois de ter conquistado o Planalto, o PT passou a sofrer
defecções importantes no seu quadro de lideranças, motivadas pela decepção com
os novos caminhos que estavam sendo trilhados sob o comando de Lula e José
Dirceu. A liderança remanescente acomodou-se sem maiores problemas em conveniente
tolerância à adesão de Lula às práticas políticas de seus novos aliados, que no
passado condenara com veemência. Essa gente sempre soube que corrupção é crime.
Apenas passou a admitir que é impossível governar sem concessões a ela.
Os resultados da “luta em benefício das causas populares”
foram a gastança descontrolada dos recursos públicos, a “nova matriz econômica”
que resultou na recessão econômica, no estouro da inflação – que afeta
principalmente os mais pobres – e nos mais de 12 milhões de desempregados em
todo o País.
O casal Gleisi e Paulo Bernardo simboliza quase à perfeição
o substrato do lulopetismo, que tem como uma de suas características mais
marcantes a hipocrisia. A senadora, que como dirigente da cúpula partidária e
ex-chefe da Casa Civil convivia necessariamente com a corrupção generalizada no
governo, teve a ousadia de proclamar, no plenário do Senado, que ali ninguém
tinha “autoridade moral” para julgar Dilma Rousseff. E, ao saber que se tornara
ré no STF, afirmar que, finalmente, poderia contar a seu favor com o “benefício
da dúvida” que lhe teria sido negado na fase de investigação da Lava Jato.
O ex-ministro do Planejamento, por sua vez, fez mais. Estava
à frente da pasta quando o “governo popular” implantou a cobrança de uma taxa
debitada compulsoriamente na conta de todos os aposentados beneficiários de
crédito consignado. Um golpe que possibilitou a arrecadação de R$ 100 milhões
que teriam sido destinados aos cofres do PT, descontada a milionária comissão
que teria sido embolsada. A investigação relativa a esse golpe, por conta do
qual Paulo Bernardo passou alguns dias encarcerado em junho último, não é a
mesma que agora leva o STF a transformá-lo em réu. Essa é relativa à acusação
de que ele teria recebido dinheiro do esquema do petrolão para abastecer a
candidatura de sua cara metade ao Senado, em 2010.
Em seu relatório a favor do recebimento da denúncia, o
ministro Zavascki destacou que se sentia à vontade para acolher o pedido da PGR
porque evidências contidas no processo vão “muito além das declarações
prestadas em colaboração premiada”. Poderia ter dito, em outras palavras, que o
jeito petista de fazer política é reconhecível à primeira vista.
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