Artigo de Fernando Gabeira
Grão Mogol, Minas — De novo na estrada, e o intenso trabalho
ao ar livre é o antídoto para a tristeza de ver não só o momento econômico, mas
também a longa agonia do sistema político brasileiro. Não são animadoras as
notícias que vêm de esquerda, direita e centro. Em toda parte, os parâmetros
políticos são subvertidos. Lula, por exemplo, fez um pronunciamento para
anunciar que era candidato. Comparou-se a Jesus Cristo e insultou numa só frase
todos os funcionários públicos concursados do Brasil.
Os admiradores fazem vista grossa. Os livros do século
passado definem a classe operária como a eleita para transformar a História.
Eles querem um presidente operário, ainda que delirando. Lula disse coisas que
contrariam o mais elementar senso político. A única saída é colocá-lo à força
no modelo marxista e, sobretudo, não levar em conta o que diz. No fundo é
adotar a mesma tática que adotei quando disse que Lula tinha habeas língua.
Buscar um sentido é perder tempo.
Num outro espaço, escrevi sobre o psicodrama da denúncia,
parecido com aquele da condução coercitiva. As críticas se concentraram na
coletiva da Lava-Jato e no PowerPoint. A denúncia tem em torno de 150 páginas.
Sérgio Moro não ia aceitá-la ou rejeitá-la apenas vendo uma entrevista e o
PowerPoint. É obrigado a ler atentamente. E aceitou. A denúncia foi apenas o
segundo ato. O terceiro será a sentença, após um trabalho específico de coleta
de dados e exame dos argumentos da defesa.
Mas, se o panorama é desolador à esquerda, o que dizer do
restante do espectro? Rodrigo Maia, um jovem do DEM, foi aconselhado a não usar
casa oficial ou avião da FAB. Maia recusou. Nesse último caso, então, o avião
da FAB só para transportá-lo é um disparate econômico e ambiental. Acomodado no
assento oficial de um avião vazio, sente-se, possivelmente, projetando mais
poder. Mas está em franco conflito com a situação do país, inclusive com nosso
compromisso internacional de reduzir emissões.
Um grupo de deputados tentou aprovar às pressas um projeto
anistiando o caixa dois. Descobertos, pareciam um grupo de garotos travessos.
De quem é o projeto que já estava na mesa do presidente? Ninguém sabia. O
projeto não tem autor. Sua inclusão na pauta também é um mistério.
Uma semana depois do maior criador de jabutis, Eduardo
Cunha, ser cassado, eles inventam um outro jabuti, desta vez destinado a
proteger os investigados na Lava-Jato.
Dizem que Renan estava ciente e Maia também. Renan está em
luta aberta contra a Lava-Jato. Pena que a recíproca não seja verdadeira.
Apesar de tantos inquéritos, não foi incomodado. O interessante é pensarem que
daria certo. Vão se recolher e preparar um novo truque. Possivelmente tão
patético quanto esse.
As pessoas que fazem campanha eleitoral hoje contam que
estão comendo o pão que o diabo amassou. As ruas estão frias, no limite da
hostilidade. A indiferença era prevista. O inquietante é imaginar que
vencedores vão emergir desse processo eleitoral tão atípico.
No psicodrama da denúncia contra Lula, ouvi alguns
jornalistas dizendo: o Planalto acha que os promotores exageraram. Mas quem no
Planalto? Temer, Geddel, Padilha ou Moreira? Quem está com sua espingardinha
atrás da janela querendo atirar na Lava-Jato? Houve gente que se expôs, de um
lado e de outro, e a discussão sobre os caminhos da Justiça é saudável, embora
inexista quando os acusados são pessoas anônimas.
Foram 115 as conduções coercitivas antes de Lula. E centenas
de denúncias antes da dele.
De psicodrama em psicodrama, avança o conhecimento do que se
passou no Brasil, e aproxima-se o julgamento dos acusados.
Ainda não sabemos tudo porque o governo Temer é opaco, por
escolha ou inépcia. É preciso usar a Lei da Transparência para descobrir o que
resta.
Os homens no Palácio do Planalto, Temer à frente, estão no
governo por um acidente constitucional. São parte de um sistema político em
agonia, sócios menores do governo petista.
O Planalto com seus palpites, Renan e os deputados querendo
anistiar o caixa dois, Lula defendendo-se da denúncia — todos de alguma forma
reagem ao processo da Lava-Jato, que precipitou a ruína do sistema político.
Rodrigo Maia sentado na poltrona do avião da FAB: apenas uma das várias
maneiras de se apegar ao passado.
Na ausência de um olhar para o futuro, para um sistema
reformado, o Brasil dá uma sensação de exilar a própria sociedade que pede
mudanças desde 2013.
De costas para a parede, protegendo-se da Lava-Jato, os
políticos de Brasília não almejam do futuro nada mais do que escapar de seu
passado.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 25/09/2016
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