quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

LEGISLATIVOS PERDULÁRIOS

Do UOL
Os vereadores de todas as 26 capitais estaduais recebem muito mais que a renda média do trabalhador nessas cidades. Em 21 delas, os vencimentos dos parlamentares para a próxima legislatura, com início em 2017, representam, ao menos, cinco vezes a renda média do trabalho, de acordo com levantamento feito pela reportagem do UOL com base em informações fornecidas pelas Câmaras municipais e em dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em meio à crise financeira do país, a aprovação de reajuste para vereadores provocou protestos em São Paulo.
Com o aumento aprovado nesta quarta-feira (28), na última sessão do ano, Maceió passa a ter a diferença mais gritante na comparação com os rendimentos dos trabalhadores. Os vereadores da capital de Alagoas vão receber R$ 18.986,00 por mês, mais de 11 vezes a renda média atual dos moradores da cidade, que era de R$ 1.710 no terceiro trimestre deste ano, de acordo com dado mais recente disponível na Pnad.
A segunda maior diferença foi constatada em Teresina. Lá os vereadores vão receber R$ 18.880,38 por mês, mais de dez vezes a renda média atual dos moradores da cidade, que era de R$ 1.818.
Em Salvador, os vereadores terão salário de R$ 18.732,56, mais de nove vezes o rendimento de um trabalhador da capital baiana, que era de R$ 2.022 ao fim de setembro.
Em São Luís, os legisladores eleitos ganharão R$ 15.031,76, também nove vezes o salário médio dos moradores: R$ 1.654. A capital do Maranhão apresenta o mais baixo rendimento médio do trabalho entre as 26 capitais.
No cenário menos discrepante, verificado em Vitória, os vereadores ganharão R$ 8.370,30 por mês, o dobro do rendimento médio dos moradores, que estava em R$ 4.109, de acordo com a Pnad Contínua. A capital do Espírito Santo tem os salários de vereadores mais baixos e o rendimento médio do trabalho mais alto entre as capitais estaduais.
Veja na tabela abaixo as diferenças nestas cidades, ordenadas pelas capitais com maior variação entre o salário dos vereadores e dos trabalhadores.
Nas cidades com os salários nominais de vereadores mais altos, a diferença para a média também é significativa. Em Aracaju e no Rio de Janeiro, os vereadores ganham seis vezes o salário dos trabalhadores --quase sete no caso da capital sergipana.
Em São Paulo, o teto salarial dos vereadores previsto na Constituição só não foi atingido porque a Justiça suspendeu o reajuste --ainda cabe recurso. Depois de quatro anos sem aumentos, os vereadores decidiram aprovar um reajuste de 26,3%, abaixo da inflação acumulada no período. Em protesto, manifestantes ocuparam o gabinete da Presidência da Câmara.
Aumento de salários em 16 capitais
Nos quatros anos da atual legislatura, os vereadores reajustaram seus próprios salários em ao menos 16 capitais (ver tabela ao fim do texto). O maior índice de aumento --e também o único acima da inflação-- foi registrado em Boa Vista. Os vereadores da capital de Roraima começarão o próximo mandato ganhando R$ 15.100, um avanço de 43,81% frente ao salário de 2013 --acima dos 32,17% de inflação registrados pelo IPCA entre janeiro de 2013 e novembro de 2016.
Os vereadores do Recife decidiram fazer o contrário. Foram os únicos a diminuir seus salários. A redução será de 2,64%. Assim, o vencimento bruto para a próxima legislatura será de R$ 14.635.
"A conduta [dos vereadores do Recife] é perfeita e é a desejada numa situação de crise. Até porque o pagamento de subsídios a vereadores é questionável. Em muitos países do mundo, quem cumpre esse papel não é nem remunerado", diz Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
"Faz muito sentido [a decisão dos vereadores do Recife]. Estamos com um PIB negativo, faltando dinheiro para saúde, educação. É uma escolha razoável. Até porque vereador não tem dedicação exclusiva, tem sessão algumas vezes por semana e consegue acumular com outras funções", concorda Carlos Eduardo Moraes, especialista em Direito Eleitoral e Administrativo e professor da EPD (Escola Paulista de Direito).
Como funcionam as regras
"As Câmaras não são obrigadas a reajustar os valores. Ao contrário, a lei só estabelece um teto para esse reajuste, que deve ser de até 75% do que ganham os deputados estaduais", explica Moraes. O teto válido para cidades com mais de 500 mil habitantes é hoje de R$ 18.991,68.
Em quatro capitais, os vereadores já ganham ou vão passar a ganhar salários próximos ao teto estabelecido pela Constituição: Aracaju, Rio de Janeiro, Cuiabá e Teresina. A cidade de São Paulo entrará nesta lista caso a decisão judicial seja derrubada.
O valor do subsídio pago aos vereadores é regulado pelo artigo 29 da Constituição Federal, segundo o qual o valor deve ser fixado pelas Câmaras municipais "em cada legislatura para a subsequente". Ou seja, os vereadores são proibidos de aumentar os próprios salários. O ajuste só pode ser feito para aqueles que ocuparão as cadeiras da Câmara no próximo mandato.
A regra, no entanto, não leva em conta que pode haver políticos reeleitos de um mandato para outro. Em São Paulo, 21 dos 33 vereadores reeleitos votaram a favor do aumento a partir de 2017.
Ao mesmo tempo em que só permite aumentos de salários para a legislatura seguinte, a Constituição também dá a detentores de mandatos eletivos o direito a uma "revisão geral anual" de seus salários. Em Fortaleza, por exemplo, os vereadores aprovaram uma reposição salarial de 10,67% em março. Em Teresina, houve reajuste de 10,36% neste ano.
"Já houve casos em que os vereadores argumentaram que o valor proposto era correção e não aumento, mas a alteração no valor acabou sendo considerada inconstitucional", afirma Marcelo Figueiredo.
Segundo Floriano Peixoto de Azevedo, professor de direito da USP (Universidade de São Paulo), o subsídio foi instituído pela Constituição de 1988 para que os salários tenham um teto e para que outros valores não sejam somados a ele, como gratificações, adicionais e abonos. "Foi introduzido na Constituição para evitar penduricalhos, mas aqui e acolá vemos tentativas de burla", comenta.
Verba de gabinete
Apesar da existência do teto, os vereadores administram outros recursos. Em São Paulo, a verba de gabinete disponível --dinheiro para pagar assessores-- é de R$ 143.563,67 para a contratação de até 17 pessoas. Já no Rio, os vereadores têm à disposição R$ 99.260,27 para distribuir entre até 20 ocupantes de cargos comissionados.
Em Belo Horizonte, a verba de gabinete chega a R$ 59.461,25, para até 18 servidores. Em Goiânia, estes recursos são de R$ 51.760,21, com direito a até 12 assessores.
Em Vitória, onde os vereadores ganham o menor salário entre as capitais, a verba de gabinete soma R$ 34.209,83. Até este ano, os parlamentares podiam usar esse dinheiro para contratar 20 assessores. A partir de 2017, os vereadores terão direito a 15 auxiliares --mas a verba será a mesma.
Já em Maceió, a verba de gabinete é de R$ 10.500, enquanto em Boa Vista o valor é de R$ 10 mil.
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