domingo, 31 de dezembro de 2017

A CADA ANO SUA HISTÓRIA

Artigo de Fernando Gabeira
Nesta época sempre tento ver as coisas com a simplicidade de Drummond: “O último dia do ano/não é o ultimo dia do tempo./Outros dias virão”. O ano de 2018 nasce numa segunda exatamente 50 anos depois de 1968. Esse aniversário não deveria ofuscar o ano que entra, mas sim ajudar a entender esse meio século. Em 68, nem tudo aconteceu da mesma forma. Na Praça de Tlatelolco, no México, mais de 200 estudantes foram assassinados. Luther King, assassinado, Robert Kennedy, assassinado.
Nem todas as lutas eram idênticas. Hoje, 68 é associado às românticas revoltas da juventude, aos sutiãs queimados e expectativas de mais liberdade sexual.
No Brasil, esses fatores só chegam mais tarde. Era basicamente uma luta estudantil contra um governo militar, embora tenham ocorrido duas greves de metalúrgicos no período, em Osasco e Contagem.
Na verdade, eles eram um subenredo. Lembro-me que, ao dissolver o congresso da UNE, em Ibiúna, a policia fez questão de exibir todas as pílulas anticoncepcionais encontradas no sítio. A intenção era sugerir promiscuidade sexual. Hoje, talvez fosse um indício apenas de precaução.
Quase nunca falo de 68 porque já me cansei do tema. No entanto, faz alguns anos que sempre me pergunto: até que ponto a mudança de comportamento foi influenciada pelos jovens? Até que ponto o instrumento realmente decisivo partiu de um salto científico com a disseminação da pílula?
O ano de 2018, apesar de começar na segunda, como 1968, enfrenta uma conjuntura bastante desafiadora. Apesar dos 50 anos de lutas por direitos civis nos EUA, a eleição de Trump representa um golpe na ilusão de um progresso linear.
As ondas migratórias, com o crescimento da extrema direita, colocam em xeque as teses do multiculturalismo que estimulou as lutas identitárias dos imigrantes.
No Brasil, a lembrança mais próxima é a de um longo período de dominação da esquerda que, além de falhar nos campos da ética e da economia, revestiu esses temas culturais de uma estreiteza partidária lamentável. Os direitos humanos foram as primeiras vítimas: são vistos hoje com desconfiança.
Em toda a parte, nos EUA, na Europa e no Brasil tornam-se mais fortes as linhas conservadoras que questionam esse possível legado de 68.
Talvez fosse um momento para refletir com a experiência da juventude. Quando se quer o mundo, você pensa apenas no seu objetivo e esquece um pouco dos outros. De repente, descobre que a maioria prefere outro caminho. É hora de dialogar. Em 68, o traço de união era lutar contra um regime ditatorial. Em 2018 é de reconstruir um país, sob muitos aspectos, arrasado.
Mas 2018 acontece 50 anos depois. As lutas continuam se desenvolvendo. As feministas queimavam sutiãs em 1968. Hoje, com a entrada maçica das mulheres na força de trabalho, elas questionam o assédio sexual nas empresas. E não só nas de Hollywood, mas também nas grandes montadoras.
De lá para cá houve a revolução digital e um processo contínuo de mudanças que nos envolvem. É nesse quadro amplo de transformações que precisamos achar um rumo.
O fator nacional de referência é a reconstrução do tecido democrático, mudanças no sistema político partidário, recuperação da economia.
Grandes debates sobre costumes, alguns fundados, outros artificiais, vão seguir acontecendo. O importante é saber em que lugar e em que ano estamos. Reconheço que mesmo nesses quesitos não há unanimidade: as pessoas vivem em tempos diferentes.
Daí a importância das eleições, como troca de ideias, uma oportunidade real de saber para que lado a maioria quer levar o Brasil.
Sempre desejo feliz 2018 lembrando que será um ano difícil.
Mas não os vejo como termos antagônicos. O ano de 1968 também foi difícil. E muitos o viveram com alegria.
Cada época com seus fantasmas. O importante para quem viveu algumas é não confundi-los. Como Drummond, de copo na mão esperar o amanhecer, sabendo que “Para ganhar um Ano-Novo/que mereça este nome,/ Você, meu caro, tem de merecê-lo/ tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,/ mas tente, experimente, consciente./ É dentro de você que o Ano Novo/ cochila e espera desde sempre.”
Um país também não escapa dessa lógica. Para ganhar um Ano Novo, terá de merecê-lo. Ainda que 2018 desapareça na névoa da história e ninguém se lembre dele ao completar meio século. Mas é o ano que temos, o tempo presente. Tão grave no Brasil que nos convida a andar devagar e, se possível, de mãos dadas.
Artigo no Segundo Caderno do Globo em 31/12/2018
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CRESCIMENTO GLOBAL SINCRONIZADO

David Fernández, EL PAÍS
2018, um ano de crescimento global sincronizado
O ano de 2017 que termina foi bom para a economia mundial, com um crescimento em torno de 3,7%. As previsões de atividade foram sendo revisadas para cima à medida que o ano avançava, especialmente na Europa. Além disso, os dados positivos foram generalizados, como demonstra o fato de que apenas 6% das economias fecharão o ano em recessão, enquanto 72% dos países cresceram acima dos 2%, segundo dados do Deutsche Asset Management. No Brasil, a atividade econômica também saiu do vermelho e o Produto Interno Bruto (PIB), soma de todos os bens e serviços produzidos no país, cresce há três trimestres consecutivos. A estimativa de crescimento no país para 2018 passou de 2% para 3%. Durante as últimas semanas, bancos de investimento, brokers e gestores de fundos foram publicando suas previsões para 2018. A maioria dos especialistas prevê que será outro bom ano para a economia. É verdade que há grandes nuvens no horizonte, mas até agora os especialistas não acreditam que tragam tormentas.
“Os períodos de alto crescimento econômico costumam preparar o terreno para seu próprio desaparecimento. Mas hoje em dia há pouca evidência de uma recessão iminente”, explica Mark Haefele, diretor de investimentos da UBS Wealth Management. “Historicamente, as recessões foram provocadas por um ou mais dos seguintes fatores: limitações de capacidade, choques de preços do petróleo, uma política excessiva de endurecimento monetário, reduções do gasto público ou crises financeiras. Não parece que nenhum desses fatores vá se materializar em 2018”, acrescenta Haefele.
A economia mundial deverá demonstrar a partir de agora que é capaz de caminhar sem o apoio dos bancos centrais. O Federal Reserve aumentou cinco vezes os juros nos últimos dois anos e começou a redução de seus resultados. De sua parte, o Banco Central Europeu (BCE) reduzirá a compra de ativos à metade e prevê finalizar o programa de incentivos no próximo mês de setembro. A normalização das políticas monetárias, desde que seja gradual, deveria ser compensada pelo ressurgimento de outros indicadores econômicos. “O crescimento depende a partir de agora em menor medida do apoio dos bancos centrais e ficou mais sincronizado em todo o mundo. Além disso, o consumo está aumentando na China e nos Estados Unidos, enquanto que na zona do euro seu nível se aproxima do nível anterior à crise. Esses aspectos, assim como os investimentos corporativos, a melhora dos salários e do mercado de trabalho, e o aumento da demanda doméstica devem empurrar progressivamente a alta das economias em todo o mundo”, segundo Michaël Lok, presidente executivo da UBP Asset Management.
O investimento em bens de capital despencou em 2009, porque as empresas frearam gastos e planos de expansão. A recuperação do chamado capex foi lenta, mas em 2018 se espera uma alta devido ao crescimento dos rendimentos e ao clima de maior confiança. “O investimento empresarial voltou. Depois de anos questionando a qualidade de uma recuperação dependente demais do rebote cíclico do consumo, 2017 representou um ponto de inflexão na composição do crescimento. Como resultado, estamos vendo os primeiros brotos verdes nos dados de produtividade que podem reativar um motor completamente parado durante anos”, afirma Javier Ortiz de Artiñano, analista da Fidentiis Gestión.
Do lado empresarial, também se espera, além da alta do capex, outro fator de dinamismo, com as fusões e aquisições, alentadas pela solidez da economia mundial, alguns níveis de efetivo empresariais historicamente altos, custos de financiamento ainda baixos e o incentivo da reforma fiscal norte-americana para a repatriação de dividendos. “O esforço para criar líderes regionais na Europa é um fator de impulso adicional para os movimentos corporativos”, relembra Michael Strobaek, responsável global por investimentos do Credit Suisse.
O banco suíço também aposta em um impulso do comércio internacional ao calor de uma expansão das principais economias. Os intercâmbios comerciais entre os mercados emergentes, que viveram uma grande bonança nos anos prévios às crises, mas que demonstraram um rendimento medíocre desde então, devem avançar outra vez. “É provável que a recuperação dos grandes exportadores de matérias-primas, que também são notáveis importadores de bens de consumo, incluídos Brasil, Rússia e os produtores de petróleo do Oriente Médio, contribua para essa tendência”, segundo Strobaek.
Atentos aos EUA
Grande parte dos olhares está voltada à maior economia do planeta. Os EUA estão em uma fase de ciclo cada vez mais madura, mas os relatórios de estratégia não apreciam sinais de recessão em curto prazo e preveem crescimento do PIB superiores a 2% em 2018. “Os fundamentos continuam apoiando sua expansão. A demanda interna continuará dando suporte ao crescimento, assim como o consumo privado e o investimento, que crescem em ritmos elevados, ao mesmo tempo em que o índice de desemprego está em níveis mínimos”, destacam os analistas do Banco March.
A Europa foi uma das principais surpresas positivas do ponto de vista econômico em 2017, e o consenso do mercado aponta para outra trajetória na qual a velocidade de cruzeiro se manterá. O Deutsche Bank, por exemplo, elevou de 1,8% para 2% sua previsão de crescimento para a zona do euro em 2018. “Esperamos que a atividade se apoie em fatores como o consumo, o emprego, um maior gasto público e mais investimento empresarial”, argumenta Rosa Duce, economista-chefe do banco alemão.
A Espanha será, em mais um ano, um dos países europeus de maior crescimento, com altas estimadas para seu PIB em torno de 2,5%. “O bom comportamento da demanda interna continua sendo a tônica da economia espanhola e aponta boas perspectivas para 2018, apesar das taxas de crescimento mais moderadas em um processo de lógica normalização depois de anos de avanços acima de 3%”, afirmam especialistas do Santander Asset Management.
Apesar dessas boas perspectivas, a continuidade da incerteza política depois do resultado das eleições autonômicas da Catalunha poderiam representar um freio ao dinamismo econômico espanhol. “O resultado eleitoral demonstra a persistente polarização dos cidadãos e não resolve as tensões políticas entre a comunidade autônoma e o governo central. Uma incerteza prolongada teria como consequência uma deterioração ainda maior do clima econômico”, advertem no Moody’s.
Há um ano a China despertava numerosos receios. A mudança de seu modelo para uma economia mais exposta aos serviços do que aos produtos industrializados, e as dúvidas sobre a solidez de seu sistema financeiro em função da bolha de crédito alimentavam essa preocupação. No entanto, 2017 foi um período estável para o gigante asiático, que já não cresce ao ritmo de cinco anos atrás, mas que obteve um avanço estimado de 6,8% em seu PIB. Em 2018, a previsão é que o crescimento possa ser um pouco menor, mas mantendo-se sempre acima dos 6%, ainda que com importantes desequilíbrios para resolver. Os principais desafios para o presidente Xi Jinping, segundo BlackRock, são três: aprofundar as reformas e, ao mesmo tempo, manter a paz interna; reduzir o endividamento das empresas e domicílios sem debilitar o sistema financeiro; e administrar o conflito com os EUA pela supremacia mundial. “Se o equilíbrio nesses aspectos for obtido, Pequim alcançará um crescimento ligeiramente abaixo do de 2017, que seria suficiente para produzir reformas que beneficiariam o conjunto dos países emergentes”, diz Helen Zhu, analista da gestora norte-americana.
O cenário otimista desenhado pela maioria dos especialistas para a economia mundial não está livre de riscos. O principal fator que pode destruir um cenário tão favorável é a inflação. Uma alta nos preços forçaria os bancos centrais a encurtar os prazos para desmontar o sistema de incentivos que permitiu ao mundo deixar a Grande Recessão para trás. “A era do dinheiro barato está chegando ao fim. No momento, o nível de normalização não é suficiente para diminuir o crescimento global. No entanto, entrando mais em 2018, nem a economia nem os mercados poderão desafiar a gravidade por completo”, advertem os analistas da Nordea.
As previsões apontam que a inflação aumentará de forma suave e, de qualquer forma, não reduzirá (sobretudo a subjacente) o limiar de 2% que faz disparar os alarmes dos bancos centrais. Os economistas atribuem o índice baixo a uma combinação de fatores demográficos (uma sociedade envelhecida privilegia a poupança ao consumo), tecnológicos (vários avanços disruptivos são claramente deflacionistas) e conjunturais (preços energéticos). Pois bem: é possível manter sob controle os preços em um mundo que crescerá a índices próximos a 4% pelo segundo ano consecutivo? “Em 2018, a inflação passará de um fator situado abaixo das previsões para um indicador que as supere. Portanto, poderia ser o ano das surpresas nas políticas monetárias”, alerta Guilhem Savry, de Unigestión.
Jogar a prorrogação
A lógica leva a pensar que o risco de recessão aumenta quanto mais a recuperação se prolongar. Alguns relatórios de estratégia começam a destilar a ideia de que talvez estejamos consumindo os últimos anos de bonança antes de que chegue a próxima correção. Os analistas do Robeco, por exemplo, usam a metáfora esportiva “jogando a prorrogação” para nomear seu relatório de estratégia de 2018. Em sua opinião, o melhor da partida (econômica) já passou, mas o resultado (quando chegará a recessão) ainda não está decidido. “A queda contínua das taxas de desemprego é um fator que confirma que nos encontramos nas fases mais avançadas do ciclo. A diminuição do desemprego é positiva, mas, historicamente, a saturação dos mercados de trabalho não costuma favorecer a estabilidade econômica. Inevitavelmente, os salários tendem a subir, a economia começa a esquentar, e os bancos centrais reagem”, diz o banco de investimentos holandês.
A metáfora da prorrogação também é usada pelo Julius Baer, mas dizem que esse período de acréscimo antes da materialização da mudança de ciclo será bastante longo. “Em 2018 esperamos que a economia continue avançando com certa dificuldade, aguardando a próxima recessão para o final de 2019 ou em 2020. As dinâmicas de inflação provavelmente continuarão ficando sob controle e esperamos que os bancos centrais continuem apoiando a economia”, diz o banco privado suíço.
As recessões costumam ocorrer quando algum tipo de alteração (geralmente, uma mudança na política monetária) afeta uma economia que está desequilibrada. Os flancos frágeis que a economia mundial agora oferece diante da mudança de direção anunciada pelos bancos centrais são de índole financeira, ambos provocados pelo longo período vivido com dinheiro barato: a forte revalorização da maioria dos ativos e os altos níveis de endividamento. “No ano 2000, explodiu a bolha das pontocom. Em 2007 ocorreu o mesmo com as hipotecas de alto risco. E agora nos encontramos em uma situação de bolha total que está distorcendo a economia”, alerta Nick Clay, gestor do BNY Mellon.
Atualmente, os principais países são hipersensíveis ao custo da dívida, ao nível das taxas de juros e ao valor dos ativos das Bolsas. “O mundo viciado no crédito que os bancos centrais ajudaram a criar depende de que os preços e os ativos financeiros continuem altos. Se os mercados balançarem e o crescimento econômico começar a se ressentir, esses atores fariam exatamente o mesmo que já fizeram: aplicar medidas de estímulo e injetar liquidez. Em sua tentativa de controlar o sistema, acabaram tornando-o mais frágil, não mais seguro: o montante de dívida agora é maior do que em 2007”, afirma Clay. A situação não seria tão preocupante, de acordo com o gestor, se estivéssemos iniciando a recuperação econômica. “Essa fase de alta, entretanto, está sendo a terceira mais longa da história nos EUA: estamos no final do caminho, não no começo”.
Junto ao dilema de que uma inflação maior do que a prevista acabe com o roteiro dos bancos centrais, o outro grande obstáculo que a economia deverá lidar é político. A vitória de Donald Trump, o Brexit e a ascensão dos movimentos populistas na Europa foram fatores de instabilidade que penalizaram a economia mundial nos últimos anos. Em 2018 também existem ameaças geopolíticas como a crescente tensão entre a Coreia do Norte e as outras potências, além de um calendário eleitoral recheado de datas (entre as mais importantes estão as eleições no Brasil, no México e na Colômbia, além das legislativas nos EUA), e renegociação do Tratado de Livre Comércio na América do Norte (Nafta), o processo para selar a saída do Reino Unido da União Europeia e a formação de Governo na Alemanha.
Definitivamente, para resumir o que se pode esperar do novo ano do ponto de vista econômico, talvez convenha revisar as premonitórias palavras pronunciadas em 2007 por Chuck Prince, à época executivo-chefe do Citigroup: “Quando a música parar, em termos de liquidez, as coisas se complicarão. Mas enquanto a música tocar, é preciso se levantar e dançar”. A questão agora é ver por quanto tempo mais a orquestra continuará tocando.
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NÃO VAI SER FÁCIL

Maílson da Nóbrega, VEJA
Se concorrer e ganhar, Lula dificilmente fará um bom governo
Imagine o leitor que Lula supere os obstáculos judiciais à preservação de sua candidatura à Presidência. Suponha, adicionalmente, que o centro político se fragmente a ponto de nenhum de seus candidatos chegar ao segundo turno. O cenário provável seria uma disputa final entre Lula e Jair Bolsonaro, na qual Lula venceria.  Combinaria maior capacidade de conquista de votos com as muitas desvantagens eleitorais de Bolsonaro.
Eleito, Lula não contaria com quatro fatores de êxito de seu primeiro mandato, a saber:
1)    O efeito retardado das reformas do governo FHC, cujos ganhos de produtividade permitiram a ampliação do potencial de crescimento da economia;
2)    A bonança decorrente da emergência da China como potência econômica, que a transformou no maior parceiro comercial do Brasil;
3)    O ciclo favorável de preços das commodities, que gerou ganhos de comércio para o Brasil, equivalentes a um expressivo ganho de produtividade;
4)    O recrutamento de nomes de prestígio para a equipe ministerial, além de conhecidos talentos para servir em várias posições da área econômica.
Além disso, Lula assumiria com a economia em lenta recuperação. O governo de Michel Temer reverteu a grave recessão, mas muito ainda é necessário para restaurar o ambiente de 2003, gerador do espaço para ampliar gastos sociais.
Lula voltou aos tempos do radicalismo. Promete um plebiscito para revogar a reforma trabalhista, o teto de gastos e a reforma previdenciária, caso venha a ser aprovada;
Os mercados se assustariam na campanha. A piora do ambiente provocaria fuga de capitais, alta do dólar, elevação dos juros futuros e fortes pressões inflacionárias. Lula poderia prometer algo como a Carta ao Povo Brasileiro de 2002, mas agora dificilmente teria credibilidade para conquistar o apoio do empresariado e dos mercados. Poderia até reverter parte da desconfiança, mas nada comparável ao que ocorreu naquele período.
Para ganhar confiança, Lula poderia comprometer-se em manter as reformas de Temer e em aprofundar as mudanças estruturais, numa linha liberal. Seria um estelionato eleitoral semelhante ao praticado por Dilma quando adotou medidas opostas às prometidas durante a campanha eleitoral. A rápida perda de popularidade dificultaria a condução do governo.
Em lugar disso, Lula poderia insistir na revogação das reformas e ampliaria os gastos do governo para conquistar apoio social. Seria o caminho para o desastre.
Lula não terá vida fácil. O país enfrentará grave crise caso ele, se eleito, aderir a um programa de cunho liberal ou preservar o populismo que tem adotado recentemente.
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FELIZ ANO NOVO

Caros leitores, amigos e parceiros mais um ano termina. 2017 foi um ano de muitas conquistas e recorde para o blog Sou Chocolate e Não Desisto, resultado de muito trabalho nestes 12 anos de existência.
A cada ano, ganhamos mais repercussão na internet, entre blogs e sites que reproduzem nossas postagens. Nas redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram, o Blog tem se destacado.
À todos os leitores, amigos e parceiros, muito obrigado! Desejo um Ano Novo de realizações, muito amor, paz e esperança. Feliz 2018. Abraço, Valério Sobral.
Em 2018, o blog Sou Chocolate e Não Desisto completa 13 anos. Vem novidades aí!
Charge do Izânio
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sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

A TRISTE HERANÇA LULOPETISTA

Pobreza não se cria da noite para o dia. Em geral, é resultado de anos de má administração, combinada com ideias equivocadas sobre o papel do Estado na economia. Pode-se adiar seu aparecimento, pode-se até mesmo dar a impressão de que se conseguiu erradicá-la, mas, cedo ou tarde – geralmente cedo –, os erros vão resultar em degradação da renda de parte significativa da população, que antes experimentou a ilusão da ascensão social.
Assim, não há como se dizer surpreso com a informação de que 52,168 milhões de brasileiros, ou um quarto da população total, encontravam-se abaixo da linha de pobreza medida pelo Banco Mundial em 2016 – menos de US$ 5,50 por dia –, conforme dados da Síntese de Indicadores Sociais de 2017, recentemente divulgados pelo IBGE. Já no patamar de extrema pobreza, com US$ 1,90 por dia, vivem cerca de 13,3 milhões de pessoas, ou 6,5% da população. Esse imenso contingente não empobreceu em razão de alguma guerra ou catástrofe natural, mas como consequência direta das decisões econômicas irresponsáveis tomadas pela presidente cassada Dilma Rousseff, que geraram dois anos de recessão, com alta inflação e crescente desemprego.
Os números resultam de uma nova métrica de pobreza do Banco Mundial, razão pela qual foram apresentados sem comparação com pesquisas anteriores. Mas é possível visualizar o tamanho do desastre a partir de dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o mesmo tema, segundo os quais o total de brasileiros abaixo da linha de pobreza saltou quase 20% em 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff. Há ainda outra pesquisa, do Instituto de Estudos do Trabalho, publicada pelo Valor, que mostra que, entre 2015 e 2016, mais de 9 milhões de pessoas engrossaram a fatia da população abaixo da linha de pobreza. Para os autores desse estudo, o fenômeno teve seu início em 2014.
Uma parte desse aumento do número de pobres se deve à aceleração da inflação, que em 2015 passou de 10%. Além disso, segundo disse ao Estado Marcelo Néri, pesquisador da FGV e que presidiu o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no governo de Dilma, houve congelamento do valor dos benefícios do Bolsa Família entre 2015 e 2016, que a presidente se viu obrigada a fazer como resultado direto da necessidade de cortar custos, depois do descontrole de gastos dos anos anteriores.
Esse cenário contrasta brutalmente com a situação verificada entre 2004 e 2014, a “era de ouro” do lulopetismo. Nesse período, o número de pessoas que deixaram de ser consideradas pobres no País caiu, em média, cerca de 10% ao ano. Foi o suficiente para que os petistas se jactassem da façanha de ter tirado de 36 milhões a 40 milhões de brasileiros da miséria – os números variam conforme o palanque. Para essa turma, tanto o impeachment de Dilma como os processos judiciais contra Lula resultam de uma conspiração do grande capital para impedir a continuidade da ascensão dos pobres.
Como os números mostram, porém, o “milagre” petista não passou de empulhação. Milhões de brasileiros deixaram a linha de pobreza exclusivamente em razão do Bolsa Família, isto é, o aumento da renda não se amparava senão no benefício estatal. Isso significa que não foram criadas condições para que a melhora socioeconômica dessa parcela da população se consolidasse e se sustentasse no longo prazo.
A situação é ainda mais dramática justamente nas regiões do País em que a dependência do Bolsa Família se tornou crônica, como no Nordeste e no Norte, em que nada menos que 43% dos habitantes têm renda igual ou inferior à estabelecida como linha de pobreza pelo Banco Mundial.
Felizmente, contudo, o quadro começa a mudar. Com o fim da recessão, a retomada do emprego e a queda da inflação – resultados diretos da troca de governo depois do impeachment –, o número de pessoas abaixo da linha de pobreza já diminuiu neste ano, conforme informou Marcelo Néri, da FGV. Segundo ele, o recuo da inflação foi o fator fundamental para essa reversão, pois resultou em ganho real de renda. Em resumo, os pobres não precisam de mágicos, e sim de governantes que respeitem os fundamentos da economia. 
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FOGOS CANCELADOS

A cidade de Alfenas, no Sul de Minas, não terá a tradicional queima de fogos da virada do ano na Praça Getúlio Vargas este ano. O comunicado foi feito nesta sexta-feira (29) pela prefeitura da cidade e não tem nada a ver com crise econômica. É para atender a um pedido dos protetores de animais, muito numerosos no município, em uma demanda muito comum no reveillon: acabar com o barulho que prejudica os bichinhos de estimação.
O comunicado foi postado no Facebook da prefeitura e recebeu vários elogios. Também houve algumas críticas negativas. O prefeito Luiz Antônio da Silva (PT) diz que se sensibilizou com o pedido das associações protetoras de animais e cancelou o evento de última hora.
A prefeitura já havia feito uma licitação de R$ 50 mil para comprar os fogos de artifício, mas não chegou a efetivar a compra. O dinheiro será economizado.
“Já estávamos caminhando para não fazer. Foi uma evolução da percepção da gente. Fizemos muitas audiências públicas sobre os problemas dos animais este ano e percebemos que o barulho de fato prejudica os animais”, conta o prefeito.
Luizinho da Farmácia, como é conhecido, tem em casa o Lhasa Apso Téo e conta que ele era um dos que sofriam com o barulho. “Todo animal sofre, não tem jeito”.
Sem a queima de fogos, restará apenas o som mecânico e a iluminação de Natal na praça. “A praça ficará cheia com ou sem fogos”, prevê. O prefeito diz que já houve um grande show de encerramento do ano no dia 22 de dezembro com a banda de pagode Raça Negra.
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ANOS LAVADOS A JATO

Artigo de Fernando Gabeira
Papai Noel não se esqueceu dos investigados e condenados pela corrupção no Brasil. Nos sapatos na porta do xadrez, ou nas tornozeleiras na beira da cama, caíram vários presentes.
Era previsível essa ofensiva de fim de ano. Sempre foi assim no Brasil. Joga-se com o espírito de Natal, que dissolve todo ânimo de protesto.
Dois presidentes latino-americanos, Michel Temer e Pedro Pablo Kuczynski, do Peru, vestiram a roupa de Papai Noel e desceram pela chaminé dos presídios. Kuczynski libertou o ex-presidente Alberto Fujimori. Temer estendeu o perdão aos condenados por corrupção.
Ambos foram presenteados durante o ano com a permanência no cargo, ameaçada pela relação com empresas brasileiras. Lá, o escândalo envolveu a Odebrecht e Kuczynski. Aqui, o escândalo da JBS acabou abafando o lado Odebrecht nas várias acusações contra Temer.
Kuczynski , pelo menos libertou um adversário. Já Temer indultou os próprios aliados.
No fundo, é uma reação contra a Lava Jato nos dois países. Um tipo de reação que classifico como tentativa de redução de danos.
Existe outra que visa a neutralizar a Lava Jato e se desenvolve no front do STF. Seu maior objetivo, no momento, é questionar a prisão do condenado em segunda instância. A votação a favor dessa prisão, após o julgamento nos tribunais regionais, foi de 6 a 5.
Gilmar fala em mudar seu voto e virar o jogo. Num front combinado no Palácio do Planalto, os jornais indicam uma aproximação de Temer com o ministro Toffoli, que será o presidente do STF em 2018.
Minha intuição é que têm algo a discutir com urgência: o foro privilegiado. Toffoli suspendeu a votação, pedindo vista do processo, quando a vitória de restrição de foro já estava numericamente garantida.
A ideia que pode uni-los é a possibilidade de o tema ser votado na Câmara, da forma que os deputados escolherem. Nesse caso, as tentações serão muitas, como a de estender o foro privilegiado a ex-presidentes.
São incalculáveis as peripécias que podem surgir neste ano de eleição, quando a posição contra ou a favor da Lava Jato estará em jogo. O PT tende a apresentá-la como manobra imperialista. Alguns candidatos já a defendem abertamente, como Bolsonaro, Álvaro Dias e Marina.
Da boca pra fora, o PSDB pode aprová-la, mas há tantas questões internas não resolvidas que o partido não passa confiança no seu discurso.
Não sou chegado a retrospectivas. Mas o tema Lava Jato foi central nas decisões não só do STF, como de Temer, neste fim de ano. Na verdade, nos últimos anos a Lava Jato tem sido o fato determinante, o foco das notícias mais comentadas. Foi assim nos começos, meios e fins de ano. E provavelmente ainda será em 2018, mas em outro contexto.
De onde vem a primeira grande decisão do começo do ano? De Porto Alegre, no dia 24, quando estará em jogo um dos confrontos mais populares da operação: Lula x Lava Jato.
Um dos fatores determinantes da campanha eleitoral de 2018 está sendo jogado ali. Em qualquer hipótese, todos os cálculos terão de ser refeitos após a decisão do TRF-4 sobre Lula.
Isso é apenas um lembrete para aqueles que querem neutralizar a Lava Jato. Não é imaginável que o seu abalo continental não tenha sido sentido no epicentro do terremoto, o Brasil do PT, da Odebrecht e do BNDES.
O Supremo pode fazer voltar a roda do tempo e garantir que os acusados passem longa parte de sua vida redigindo petições e apresentando recursos. Mas até agora o Supremo não condenou ninguém pela Lava Jato. No Rio e em Curitiba já houve dezenas de condenações. Mesmo acabar com a prisão em segunda instância, abrindo prazo para longos recursos, já não terá o impacto de antes.
Maluf foi preso aos 86 anos. Sua penitenciária tem uma área geriátrica. Num futuro em que os recursos se alongam no STF, ainda assim terá de ser construído um complexo só para idosos.
Não adianta tapar o sol com a peneira. O País foi sacudido pela revelação do maior escândalo da História, partidos e empresas envolveram-se nele, o próprio sistema político entrou em colapso.
Ainda não é possível prever o impacto que tudo isso terá nas eleições. Existem pesquisas indicando o desencanto com os políticos. Todavia hoje há métodos que usam dados em quantidades gigantescas, cruzando-os e extraindo algumas hipóteses. Talvez vejam mais que as pesquisas.
É a primeira eleição presidencial depois do impacto sistêmico da Lava Jato. Não há como escapar dessa variável.
Mas a Lava Jato é apenas uma operação policial e o sistema político-partidário em ruínas, uma evidência. Pede mais do que uma defesa – a favor ou contra, digamos.
Daí a importância de questionar os candidatos não só sobre apoio, mas que conjunto de medidas está ao seu alcance para completar no âmbito político e legal a renovação que a Lava Jato inspirou. Na verdade, creio que este sempre foi o desejo da Lava Jato, a julgar pelas entrevistas: que a sociedade e o mundo político completem a tarefa.
Cada país, em circunstâncias como as nossas, faz sua renovação de acordo com as possibilidades históricas. A semente de mudanças que a Lava Jato espalhou é um dos trunfos da renovação. Supor que tudo será como antes é um sonho nostálgico, de adultos que ainda acreditam em Papai Noel.
A chance da sociedade é tirar o melhor proveito das eleições. Por dever, prazer ou mesmo com a resignação de quem toma um remédio amargo.
Certamente, vou encerrar desejando a todos um feliz ano novo. Sei que será difícil. Mas não são termos antagônicos. Difíceis têm sido estes anos e sobrevivemos. Devagar a economia melhora.
Como dizem nove entres dez candidatos, o Brasil tem jeito. Nada de errado com a frase, apenas com quem a proclama.
Artigo publicado no Estadão em 29/12/2017
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SITUAÇÃO COMPLICADA

O ex-governador Cid Gomes (PDT-CE) forneceu à Justiça informações que corroboram acusações contra ele feitas pelo empresário e delator Wesley Batista, da JBS, de acordo com parecer encaminhado ao STF (Supremo Tribunal Federal) no início do mês pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
O parecer é uma resposta a um pedido feito por Cid, que tentava alegar justamente o contrário e pedia que Wesley fosse processado por mentir.
O ex-governador queria que o caso fosse enviado ao STF argumentando que o deputado federal Antonio Balhmann (PDT-CE), que detém foro na corte, também é alvo da investigação.
Ao firmar acordo de delação premiada, Wesley disse ter feito repasses a pedido Cid em troca de o Estado do Ceará pagar uma dívida tributária com uma empresa do grupo JBS.
O empresário afirmou que a empresa Cascavel Couros, que faz parte do grupo, não teria recebido do governo local "nenhum centavo" de 2011 a 2013.
Com base nas afirmações, Cid Gomes solicitou abertura de inquérito contra o delator por ele ter omitido pagamentos feitos nos três anos anteriores à eleição, de R$ 41 milhões em créditos de ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços).
Para Dodge, Wesley usou figura de linguagem quando disse que o Estado não pagou um centavo, quando na verdade recebeu R$ 41 milhões no período de três anos. "O simples uso deste recurso exagerado na narrativa do colaborador não pode conduzir à tipificação da conduta", afirma Dodge em seu parecer.
"Os pagamentos no total de R$ 41 milhões ao longo de três anos e o pagamento de R$ 110 milhões apenas no ano de 2014 na verdade corroboram o que foi narrado pelo colaborador", afirmou.
Wesley cita em depoimento dois episódios.
O primeiro teria ocorrido em 2010, quando Cid Gomes era governador e disputava a reeleição.
De acordo com o delator, ele havia solicitado ao seu secretário Arialdo Pinho que procurasse Joesley Batista para pedir "contribuição financeira" para sua campanha. Wesley afirma que seu irmão concordou em pagar R$ 5 milhões a Cid em troca da liberação de créditos de ICMS.
O segundo fato teria ocorrido em 2014, quando o delator teria recebido a visita do ex-governador em seu escritório em São Paulo. Ele teria pedido aos irmãos Batista uma contribuição de R$ 20 milhões à campanha de Camilo Santana (PT), seu aliado, ao governo do Ceará. Wesley teria dito que não pagaria o valor devido à dívida com a empresa do grupo.
O caso teria sido solucionado quando Balhmann e Pinho foram até o escritório de Wesley dizendo que em troca da contribuição o Estado do Ceará pagaria os crédito de ICMS devidos.
Dodge concordou parcialmente com o pedido de Cid e recomendou ao Supremo que as apurações referentes a 2014 fiquem com a Corte, já que há menção a um deputado federal.
No caso de 2010, a procuradora pediu a manutenção da investigação na Justiça Federal do Ceará. Ela argumentou, contudo, que não há motivo para processar Wesley..
OUTRO LADO
Por meio de sua assessoria, Cid nega as acusações.
Ele diz que "já se pronunciou sobre esse assunto à época em que foi divulgado o caso, rebateu com dados as falsas acusações e anunciou um processo contra Wesley Batista por mentir à Justiça. Cabe à Justiça analisar e dar prosseguimento".
Ex-ministro da Educação do governo de Dilma Rousseff e ex-governador do Ceará, Cid deve disputar uma vaga ao Senado em 2018.
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POPULISMO À MODA TUCANA

Da ISTOÉ
O PSDB começou a se preparar para as urnas de 2018 bem ao estilo dele. De saída concedeu o controle absoluto da sigla a um dos seus caciques, o governador paulista Geraldo Alckmin que, de quebra, por decisão de cúpula, deverá ser o escolhido para a corrida presidencial. Esse foi o movimento mais previsível. O que estava fora do script e saltou aos olhos foi a guinada de 180 graus que promoveu no seu escopo de princípios e bandeiras históricas.
A começar pela ideia, sem pé nem cabeça, de impor resistências à votação da reforma da Previdência. Não deu para acreditar. Seria mesmo o PSDB que estava propondo isso? Logo ele, uma espécie de pai ideológico da reforma, o baluarte de resistência pela modernização do Estado, resolveu rever o comportamento e apostar no retrocesso? O que exatamente estaria por trás de tamanha incongruência? A resposta não poderia ser outra que não o velho e bom oportunismo eleitoral. Entra em cena o populismo à moda tucana. Da pior espécie. Prejudicando inclusive a agenda de desenvolvimento do País.
Uma escolha, no mínimo, inconsequente que o aproxima perigosamente do seu arquirrival PT. As medidas vitais e inadiáveis da Previdência já foram penosamente resumidas ao mínimo. Anulou-se quase R$ 500 bilhões em economia por meio de concessões. E vem o PSDB pedir mais R$ 109 bilhões de desfalque no projeto para beneficiar servidores públicos? No jogo de conveniência e marketing para a plateia não faltam subterfúgios.
A agremiação quer barganhar apoio suprimindo cláusulas vitais do projeto. Almeja parecer simpática aos olhos daqueles que reclamam da perda de vantagens e resistem a mudanças de regras. Mudanças essas, registre-se, que terão de ocorrer pela sobrevivência do sistema. O tucanato vai assim lançando às favas a crença na responsabilidade fiscal, pela qual tanto lutou.
Compromete as chances de montagem de um País financeiramente ajustado. Por que isso agora? Quer mostrar que passou definitivamente à oposição ao governo Temer. É popular fazer isso. Dá ibope. No rastro do mantra marqueteiro e inconsequente do “Fora Temer” quer surfar por outros mares. Fingir que expiou os pecados. O novo prócere partidário, o governador Alckmin, já avisou que logo após assumir o controle da sigla vai dar a ordem de retirada da aliança com o governo.
Uma parceria que gerou vantagens a ambos e perdurou desde o início. Joga para a plateia. Seja nessa desincompatibilização, seja na resistência às medidas da Previdência ou mesmo no movimento de lançar um programa pseudoliberal (anunciado há poucos dias), os tucanos estão errando feio. Definitivamente dão sinais de terem perdido o rumo e o prumo.
Não há como falar em separação do governo sem ter de explicar o seu passado. Inaceitável recuar no apoio a Previdência que tanto defendeu. Inviável aplicar um programa de gestão que remonta princípios obsoletos – como o do “choque de capitalismo” – defendidos há quase 30 anos, ainda nos idos de Mario Covas. O momento é outro.
O Brasil anseia novas propostas. E o PSDB parece viver de um passado que pode levá-lo, inapelavelmente, a uma derrota fragorosa na disputa presidencial. Os economistas partidários criticam cada passo dado. Os chamados “cabeças-pretas” e “cabeças-brancas” não se entendem. Manda e leva quem tem mais tempo de casa, independentemente de carisma e sintonia com a demanda dos eleitores. Para o mercado financeiro, o presidenciável Alckmin não empolga. Logo que foi anunciado o acórdão para a sua ascensão ao trono do PSDB as bolsas andaram de lado.
O governador paulista ainda terá de encarar um inquérito aberto no STJ sobre as citações ao seu nome nas delações da Odebrecht. Ele foi acusado de receber dinheiro por fora e o tema, inevitavelmente, vai refluir na campanha. Caso não se saia bem nesse quesito poderá acabar misturado aos demais candidatos encalacrados da eleição que, de saída, já promete trazer um eleitor demasiadamente resistente a velhas fórmulas e malfeitos dos nomes de sempre. De uma maneira ou de outra, o PSDB parece mesmo ter enterrado no passado os dias de glória. Não empolga mais.
Perdeu sistematicamente as quatro últimas eleições majoritárias para presidente no mano a mano direto com o PT e só experimentou hiatos de alento no escrutínio municipal, quando impôs uma derrota histórica aos petistas, levando a prefeitura da capital paulista no primeiro turno com o novato João Doria, que se sagrou vitorioso inclusive nos redutos antes dominados rotineiramente pelos mandatários de Lula. De lá para cá, os reveses tucanos se acumulam.
A imagem de ética foi amarrotada por seguidos escândalos, culminando com o enterro político do até então comandante, Aécio Neves, que após os 51 milhões de votos na campanha de 2014 encontra-se agora às voltas com uma batalha judicial sem precedentes. Falta alguma coisa? Só mesmo o populismo para virar corpo e focinho do PT.
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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O ELO PERDIDO

Este livro 1964 – O Elo Perdido põe em nova perspectiva as conturbadas décadas de 50 e 60 no Brasil pelo prisma dos documentos oficiais dos serviços secretos do bloco soviético, que atuaram no país de forma intensa e muitas vezes insuspeita.
São relatórios de agentes secretos, planos de operações, recibos de pagamento em dinheiro de colaboradores brasileiros e outras informações sobre a presença ilegal dos países comunistas no Brasil, que não só surpreendem como denunciam atividades atentatórias à segurança nacional.
A ousadia dessa infiltração foi tamanha que dela foram alvos os gabinetes presidenciais dos três últimos governos antes do notório 31 de março de 1964.

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INDULTO SUSPENSO

Da VEJA
A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu nesta quinta-feira trechos do decreto de indulto de Natal assinado pelo presidente Michel Temer (PMDB) que permitiram a concessão do benefício a presos não reincidentes que tenham cumprido apenas 1/5 da pena em crimes sem violência, o que inclui práticas como corrupção e lavagem de dinheiro. Até o ano passado, era preciso que o detento tivesse ficado na prisão ao menos 1/4 do tempo estabelecido na sentença.
A  decisão atendeu a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e foi concedida em caráter liminar (provisória) pela presidente, responsável pelo plantão – o STF está de recesso até o início de fevereiro. O caso precisará ser submetido ao relator da ação, ministro Luis Roberto Barroso, e deverá ir ao plenário do Supremo. Cármen Lúcia deu cinco dias de prazo para que Temer se manifeste sobre o pedido da Procuradoria-Geral da República.
Dodge alegou que a medida de Temer coloca em risco a Operação Lava Jato, “materializa o comportamento de que o crime compensa” e será “causa única e precípua de impunidade de crimes graves”. Para a procuradora, a norma fere a Constituição Federal ao prever a possibilidade de livrar o acusado de penas patrimoniais e não apenas das relativas à prisão, além de permitir a paralisação de processos e recursos em andamento.
Ao estabelecer que o condenado possa deixar a prisão após ter cumprido apenas um quinto da pena, o decreto viola, segundo Dodge, o princípio da separação dos poderes, da individualização da pena, da vedação constitucional para que o Poder Executivo legisle sobre direito penal. “O chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder induto. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira”, diz a procuradora-geral em um dos trechos do pedido que apresentou ao STF.
Cármen Lúcia diz na decisão que “os argumentos expendidos na petição inicial (…) impõem a suspensão dos efeitos” dos pontos questionados pela PGR. Para a ministra, “novo exame desta medida cautelar pelo órgão competente deste Supremo Tribunal (…) não traria dificuldade à continuidade da produção dos efeitos da norma impugnada, se vier a ser esta a conclusão judicial, sendo certo que a suspensão dos efeitos do indulto nas situações previstas nos dispositivos questionados não importará em dano irreparável aos indivíduos por ele beneficiados, pois em cumprimento de pena advinda de regular processo judicial condenatório”.
Lei aqui a decisão de Cármen Lúcia.
Reação
O decreto de indulto de Natal assinado por Temer provocou reações de procuradores e representantes da Lava Jato. O texto ignorou solicitação da força-tarefa e recomendação das câmaras criminais do Ministério Público Federal que pediam, entre outros pontos, que os condenados por crimes contra a administração pública – como corrupção – não fossem agraciados pelo indulto. O decreto também reduziu o tempo necessário de cumprimento de pena para receber o benefício. O tempo mínimo passou de um quarto para um quinto da pena, no caso de não reincidentes, nos crimes sem violência – caso da corrupção.
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SEGUNDA SEM CARNE

Do G1
Deputados estaduais de São Paulo aprovaram na quarta-feira (27) o projeto de lei (PL) que estabelece a “segunda sem carne” no estado. O PL número 87/2016 agora vai para o governador Geraldo Alckmin (PSDB), que decidirá se o sanciona ou não.
De autoria do deputado Feliciano Filho (PSC), que é ligado à causa animal, o texto proíbe “o fornecimento de carnes e seus derivados às segundas-feiras, ainda que gratuitamente, nas escolas da rede pública de ensino e nos estabelecimentos que ofereçam refeição no âmbito dos órgãos públicos”.
A redação não deixa claro se a medida vale apenas carne vermelha ou se abrange também aves e peixes. Hospitais e unidades de saúde pública ficam isentas desta proibição.
O projeto também obriga restaurantes, lanchonetes e bares a fixar em local visível ao consumidor um “cardápio alternativo sem carne e seus derivados”. O texto prevê multa de 300 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (Ufesps) em caso de descumprimento (o que equivale, atualmente, a R$ 7.521).
O deputado afirmou, em sua página no Facebook, que a lei “dará à população de SP um dia por semana para pensar sobre a aflição dos animais nos abatedouros e lembrar que, como nós, eles também têm direito a uma vida livre de sofrimento”.
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quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

PROJETO CURIOSO

No finalzinho do ano legislativo, o deputado Vitor Valim (PMDB-CE) apresentou na Câmara um projeto para assegurar a embriões ainda não gerados o direito à herança de seus "progenitores".
Segundo justifica, o projeto viria a garantir que viúvas cujos falecidos maridos tenham deixado "material genético" congelado pudessem realizar a inseminação artificial e ter o patrimônio do bebê resguardado.
Para tanto, seria necessário que o pai da futura criança deixasse sua anuência por escrito antes de morrer.
Como foi apresentado às vésperas das férias dos parlamentares, o texto ainda não foi distribuído para as comissões temáticas da Câmara, nas quais será debatido.
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DESEMBARQUE DO GOVERNO

O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, pediu demissão hoje ao presidente Michel Temer. Ele deixa o governo porque irá se candidatar na eleição de 2018. No lugar de Nogueira, o governo vai nomear o deputado Pedro Fernandes (PTB-MA), que não irá disputar o pleito do ano que vem. Nogueira também é filiado ao PTB e ira concorrer à reeleição como deputado federal. A saída do ministro será oficializada no Diário Oficial da União do dia 29.
O Palácio do Planalto confirmou a informação antecipada pela Coluna do Estadão.
O ministro deixou o governo justamente no dia em que saíram os novos dados de empregos referentes a novembro. Depois de sete meses consecutivos de dados positivos, o fechamento de vagas formais superou a abertura, com exceção do setor de comércio.
Em dezembro, o ministro se envolveu numa polêmica ao editar portaria que estabeleceu novas regras para a caracterização do trabalho análogo ao escravo. O ato está suspenso desde o dia 24 de outubro, por decisão liminar (provisória) da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro disse ao presidente Temer que deseja se dedicar a sua campanha. Temer teria afirmado que ele poderia ficar no cargo até abril, mas acabou cedendo e aceitando o novo nome indicado pelo PTB para a vaga.
O novo ministro está no quinto mandato de deputado federal. Pedro Fernandes foi indicado justamente porque não irá concorrer em 2018, dando lugar ao filho. Nas duas denúncia contra o presidente Temer, ele votou pelo arquivamento.
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terça-feira, 26 de dezembro de 2017

AS LOUCURAS DE DONALD TRUMP

Os Poderosos Trapalhões
De um lado, Donald Trump. De outro, Kim Jong-un. A troca de ameaças entre o presidente americano e o ditador norte-coreano subiu de tom e jogou o planeta à beira de uma guerra nuclear.
Donald Trump, Kim Jong-un. Durante todo o ano de 2017, o mundo foi assombrado pela irresponsabilidade desses dois líderes. Logo depois de assumir a presidência dos Estados Unidos, Trump decidiu que compraria briga contra o líder norte-coreano. Jovem, instável e dono de um significativo arsenal nuclear, Jong-un topou o jogo.
O que se viu, a partir daí, foi a escalada de ameaças de um e de outro. Em agosto, em meio a bravatas, Trump declarou: “É melhor que a Coreia do Norte não faça mais ameaças aos EUA. Enfrentará fogo e fúria como o mundo nunca viu.” Um mês depois, o mundo realmente não viu isso, mas chegou bem perto de ver.
Em setembro, o ditador asiático anunciou, no dia 3, a realização de um teste com uma bomba de hidrogênio de poder devastador. As potências mundiais ocidentais reagiram, mais sanções econômicas foram determinadas contra os norte-coreanos, mas a tensão não aquiesceu. Jong-un e Trump permaneceram focados um contra o outro. E o planeta continua ameaçado.
Da ISTOÉ
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segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

PEQUENO PELA PRÓPRIA NATUREZA

À medida que o tempo passa e se sedimentam alguns dos nomes que estarão sob escrutínio público nas eleições do ano que vem, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato à Presidência da República por um partido que, de tão secundário em relação a seus propósitos, ainda não se sabe claramente qual será, engajou-se recentemente em uma campanha para tentar suavizar a percepção que a maioria da população tem sobre a sua iracunda figura.
O movimento, de caráter meramente eleitoreiro, vai na direção diametralmente oposta àquela que o notabilizou e o fez ganhar popularidade nos nichos onde a sua natureza política rudimentar – confundida com simplicidade – tem boa acolhida.
Jair Bolsonaro é um político de posições extremadas. Sua retórica beligerante, por vezes preconceituosa, revela um homem pouco afeito ao que a boa política traz em sua essência e tem de melhor: a convergência para o diálogo e para a composição de interesses e visões de mundo conflitantes sem que o interlocutor seja visto como um inimigo a ser subjugado, como em uma guerra.
Entretanto, para atingir sua ambiciosa pretensão eleitoral e chegar à chefia do Poder Executivo nacional, Jair Bolsonaro sabe que não poderá contar apenas com o voto sectário, é preciso conquistar a simpatia de milhões de brasileiros que hoje não conhecem a fundo sua história parlamentar ou o veem com indiferença.
Não foi por outra razão que Jair Bolsonaro adotou a mesma estratégia que Lula da Silva durante a campanha presidencial de 2001, quando o petista também era visto como um candidato radical, e escreveu a sua própria versão da célebre Carta ao Povo Brasileiro.
No documento, intitulado Comunicado aos Cidadãos do Brasil, Bolsonaro tentou transmitir a ideia de ser um político conciliador, avesso aos regimes totalitários e defensor do liberalismo econômico. A carta foi escrita em um momento de fortes críticas ao despreparo de Bolsonaro para ocupar cargo tão alto como a Presidência da República.
Trata-se de um documento de pura retórica. Nada há no histórico de parlamentar que corrobore com discursos, votos e projetos de lei o que agora escreve na vã tentativa de passar-se por um liberal convicto, tanto do ponto de vista econômico como político.
Como é difícil sustentar um discurso que vai de encontro à sua própria natureza, não é raro Jair Bolsonaro ver-se traído pelas próprias palavras. Durante encontro promovido pela revista Veja, o pré-candidato recorreu à sua intransigente narrativa em defesa dos policiais – ainda que cometam excessos e ilegalidades – para afirmar que pretende condecorar policiais que tenham mortes registradas em suas fichas funcionais. “Policial que não mata não é policial”, bradou. É esta a sua real natureza.
Poucos dos que hoje apoiam Jair Bolsonaro e sua agenda política excludente e não conciliatória mudariam suas visões sobre o pré-candidato quando confrontados objetivamente com os perigos que sua eventual vitória em um pleito majoritário nacional poderiam representar para o País.
Parte importante do apoio que ele recebe está baseada em sentimentos que escapam à razão e encontram ressonância no cansaço de um segmento da população que está farto da escalada de violência urbana e da corrupção desenfreada, além de acalentar uma porosa ideia de patriotismo que tanto pode ser caracterizado como a defesa de um Estado “mais forte” como traduzir-se no mais torpe apoio a uma nova ditadura militar. Os que assim pensam são refratários aos discursos pautados pelos valores democráticos e permanecerão presos a suas convicções pelos grilhões do atraso.
O melhor para o País é que a ampla maioria da população conheça a verdadeira natureza autoritária de Jair Bolsonaro – da qual ele não conseguirá se desvencilhar, não obstante os subterfúgios narrativos e vernizes marqueteiros –, deixando, assim, sua retórica ecoar apenas no polo ideológico a que está restrita, quando o único dano que é capaz de causar é à imagem de seus prosélitos.
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domingo, 24 de dezembro de 2017

NATAL NOS TRÓPICOS

Artigo de Fernando Gabeira
Encontrei neste Natal, em Gramado, algo que não via há muitos anos: uma campanha para que as pessoas se abracem. Vi isto na Suécia, no fim da década de 1970. Achávamos estranho porque a campanha sueca estimulava as pessoas a se tocarem. Latinos, aparentemente, não tinham esse problema de fechamento e timidez. Ao contrário, tocávamos em excesso e, às vezes, isto aborrecia os escandinavos.
Um quarto de século depois, reencontro a campanha pelo abraço e me pergunto o que houve conosco nos trópicos. Foi o crescimento econômico, ou a revolução digital? Felizmente as pessoas se abraçaram e se confraternizaram na praça de Gramado, sob uma espuma que simulava neve e molhava minhas lentes.
Ultimamente, as multidões andam zangadas no Brasil, a julgar pelo que fizeram no Maracanã. O espírito de Natal, pelo menos neste período, deve ser mais forte que o espírito de porco. Independentemente de análises mais profundas, é algo de bom que a cristandade nos dá, anualmente.
O papa Francisco é um importante interlocutor e talvez fosse bom mencionar o que disse ao receber o Prêmio Europeu Carlos Magno:
“Há uma palavra que nós nunca deveríamos cansar de repetir. É esta: diálogo. Somos chamados a construir uma cultura de diálogo por todos os meios possíveis e assim reconstruir o tecido da sociedade.”
Em outro trecho, Francisco diz:
“A paz será durável na medida em que armarmos nossos filhos com a arma do diálogo, que os ensinarmos a travar a boa luta do encontro e da negociação.”
No Brasil isso é necessário também, mas muito difícil. É preciso estar com um olho no espírito de Natal e nas peças que os poderosos nos pregam, precisamente, nesta época. Em dezembro de 1968, decretou-se o AI-5, uma forte inflexão do autoritarismo. Fomos protestar na rua, mas o A5 foi engolido pelo espírito de Natal e dissolveu-se docemente como um panetone na boca.
A segunda turma do Supremo aproveitou, especialmente Gilmar Mendes, de nossa distração natalina e deu mais alguns golpes na Lava-Jato, soltando gente, arquivando processos e proibindo a condução coercitiva.
Como aplicar aqui a arte do diálogo, conforme ensina o Papa Francisco? Há um certo orgulho jurídico em contrariar a opinião pública, uma certeza aristocrática de que eles sabem, e apenas eles, o caminho correto para tratar a corrupção no Brasil. Não há diálogo entre o sentimento social e um grupo de juízes que resolveu bloquear um avanço na luta contra a corrupção, reconhecido por quase todos nos últimos anos. Se as multidões forem às ruas, correm o risco de apenas confirmar o orgulho de votar contra elas, a certeza de que a verdade solitária pertence aos juízes togados.
Uma parte do Supremo poderia dialogar com eles. Mas ali, também, o diálogo parece ter sido reduzido a um puro choque de opiniões. Além do mais, é difícil resolver no âmbito do Supremo porque eles compõem uma turma com autonomia.
Os militares poderiam dialogar com eles? Seguramente não, uma vez que há consenso sobre o poder da própria sociedade em resolver esse problema.
Os políticos não dialogariam em nome da sociedade, precisamente porque estão realizando o que eles mais querem: deter o processo de investigação e voltar o máximo possível ao período pré-Lava-Jato.
A única referência que ainda resta são os procuradores, a PF e a Justiça Federal. Vai ser preciso encontrar uma forma de combater esses cavaleiros do apocalipse, mas isso não é algo para se encontrar agora, em pleno espírito de Natal. São apenas obstáculos que esperam o Brasil num ano de ansiada renovação.
Por enquanto, a confraternização fortalece o diálogo e a paciência com o outro. E nos dará força para o ano que entra. Saímos de um período de confrontos muito desgastante. Vamos entrar numa frase brava de choque de extremos nas eleições.
Sob a bandeira do diálogo, por mais frustrante que seja, como no caso do Supremo, será possível alguma coisa, sobretudo se o diálogo se intensifica entre aqueles que querem a renovação e estão perplexos com a resiliência das velhas práticas que arruinaram o Brasil.
Dialogar com quem acha que não há mais jeito, dialogar com quer esfolar o adversário — enfim, há um longo percurso pela frente.
Um feliz Natal ajuda. O encontro familiar sempre acende a ideia da continuidade: os que já foram, os que estão aí, os que acabaram de chegar.
Transplantado para a dimensão nacional, esse sentimento é um bom combustível para rodar o delicado ano de 2018 e, quem sabe, emergir das cinzas de um período que se esgotou.
São os meus votos.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 24/12/2017
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O QUINTETO QUE SACUDIU O ANO

Da ÉPOCA
Recapitular o ano que acaba é uma tradição sedimentada no jornalismo. As edições finais de veículos do mundo todo pausam para exumar o passado recente. Voltar-se sobre si é, antes de um hábito, uma necessidade. É no reencadeamento de fatos e episódios que extraímos deles algum sentido para o que foi. Um norte para o que virá. No prazer prosaico de fazer cócegas na memória com uma banalidade qualquer do aleatório 23 de julho. Ou na evocação de acontecimentos que alteraram o curso das grandes coisas, como no preciso 17 de maio – dia em que vazou o áudio gravado pelo empresário e delator Joesley Batista em conversa subterrânea com o presidente Michel Temer. Flanar sobre a linha do tempo nos dá a condição de espectadores privilegiados da história a cuja construção assistimos ao vivo.
Revisitar o ano de 2017, em que houve dias que valeram por décadas (e não são todos assim?), e filtrar o que nele transcorreu de mais importante implica fazer recortes dramáticos. A escolha de ÉPOCA foi apresentar 2017 por meio de personagens que carregaram o ano em suas histórias individuais. Nomes que, por sua relevância, abarcam outros tantos de enorme estatura. Listas são cruéis, injustas e ingratas. A seleção de eleitos invariavelmente exclui alguém que merecia estar ali. Não raro uma avaliação dos preteridos diz mais sobre o tema do que a dos escolhidos. Mas listas oferecem um panorama coerente sobre o caos.
A seleção de ÉPOCA seguiu um critério fundamental: quem foram os personagens que abalaram nosso mundo? Que nos surpreenderam? Que nos fizeram abrir mais uma na mesa do bar para levar a discussão adiante? Chegamos ao quinteto das próximas páginas. Há outros? Absolutamente. Há quintetos mais engraçados, mais diversos, mais funestos. Sim, mas o Brasil teria sido outro sem a delação de Joesley Batista e seus áudios tão reveladores; sem a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua batalha para se manter presidenciável; sem a exaltação de Jair Bolsonaro e seu exército de reacionários; sem a dignidade do técnico Tite e sua ressurreição do futebol brasileiro; o mundo teria sido outro sem as sandices de Donald Trump no Twitter e na vida real. O ano de 2017 teria sido outro sem a atuação dos nomes acima.
Lula – preso à eleição
O ônibus do PT que conduzia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por uma caravana pelo Nordeste já passara por quase todas as 27 cidades previstas em seu plano inicial. À medida que se aproximava do último comício, em São Luís, Maranhão, em 5 de setembro de 2014, a azáfama aumentava na equipe do ex-presidente José Sarney, do PMDB. Este queria um encontro público com Lula para ajudar na pré-campanha da filha Roseana ao governo do estado. Assessores de Sarney tentaram contato com assessores de Lula; líderes do PMDB procuraram líderes do PT local; o próprio Sarney se mexeu. Nada. Lula estava comprometido com o governador Flávio Dino, do PCdoB, aspirante à reeleição, que não toleraria concessão pública alguma aos Sarneys. Assim foi.
Na noite de 5 de setembro, de camisa branca larga, Lula estava suado no palanque ao lado de um Flávio Dino de vermelho. “Agradeço o carinho, a lealdade e a dedicação do companheiro Flávio Dino para que a gente pudesse realizar esse ato na noite de hoje encerrando a nossa caravana”, disse Lula, enternecido, quase sem voz, após mais de uma hora no palco. Porém, apesar de tal desfeita política em público, Sarney não perdeu. Negocia para o amigo Lula apoiar mais uma vez a candidatura de Roseana. “Sarney e Lula nunca deixaram de conversar. São amigos”, afirma Emídio de Souza, dirigente do PT. Desse modo, como acontece desde 2002, Flávio Dino deve ver seu herói subir no palanque dos rivais Sarneys quando a campanha de 2018 começar. Aliás, como quase sempre. 
A competição entre adversários pela bênção de Lula, especialmente no Nordeste, dá-se em função de um fato incontestável: o petista ainda detém enorme prestígio político. Seja como candidato, algo altamente improvável, seja como padrinho político, o petista será decisivo para muitas campanhas em 2018.  “Lula fará parte da campanha presidencial em posição de protagonista em 2018 de um jeito ou de outro”, diz o senador Humberto Costa, do PT de Pernambuco. “E é claro que se disputar como candidato será grande a influência dele na formação de alianças nos palanques regionais. Se ele não for candidato, é possível que muitas delas não se concretizem.” “De um jeito ou de outro” traduz bem a estratégia eleitoral de Lula e do PT para 2018. Lula foi, é e será a única opção do PT na disputa. O destino de Lula vai determinar o destino não só do PT, mas de seus aliados e até dos adversários.
Lula foi condenado em julho pelo juiz Sergio Moro a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, marcou para 24 de janeiro o julgamento do recurso de sua defesa. Pela lei, réus condenados em segunda instância não podem se candidatar a nenhum cargo. Para Lula e para o PT, isso pouco importa – mesmo impedido pela Justiça, ele seguirá fazendo campanha, de modo a tentar reanimar o corpo político comatoso do PT. Caso os três desembargadores do TRF-4 mantenham a condenação – a projeção mais provável, devido ao histórico do tribunal em relação às sentenças de Moro –, Lula torna-se inelegível. Mas não imediatamente. A depender do resultado do julgamento – condenação por unanimidade ou por 2 a 1 –, os tipos de recursos que a defesa poderá apresentar e os prazos de tramitação variam. Assim, a situação jurídica de Lula dificilmente estará oficialmente definida até 15 de agosto, data final para o PT inscrevê-lo como candidato a presidente pela sexta vez.
Lula e o PT usarão o tempo dos recursos judiciais numa estratégia de guerrilha eleitoral. É enorme a chance de Lula manter sua pré-campanha e também fazer campanha oficialmente, talvez até o meio de setembro, até que a Justiça Eleitoral barre sua candidatura a presidente da República. É um ótimo negócio para ele e o PT. Enquanto puder, Lula abusará da imagem de mártir, de injustiçado que só não será eleito pelo povo para salvar o país porque perdeu no tapetão para uma elite que o persegue. É a melhor saída, a menos desonrosa, para sua carreira política. Ao PT, o martírio dará a visibilidade necessária para formar alianças e, pragmaticamente, ter chances de eleger uma bancada razoável de deputados federais para a próxima legislatura.
Os mais espertos e experientes da política sabem de tudo isso. Movem-se para perto de Lula, para aproveitar sua órbita de popularidade enquanto ela durar ao longo de 2018. Em tempos de Lava Jato, em que políticos são ainda  mais vistos como corruptos, colar em Lula é colar no único político que virou saco de pancadas dos investigadores e permaneceu de pé, ainda que bambo. Se Lula é vítima de armação, por que eu também não posso ser? Apoiadores fiéis do presidente Michel Temer, como o presidente do Senado, Eunício Oliveira, do PMDB, já declararam amor a Lula em eventos recentes. Movimento antes inimaginável, Eunício se aproxima publicamente do governador do Ceará, Camilo Santana, do PT, com quem manteve uma disputa renhida em 2014. Em ato político no começo de dezembro, posaram juntos para fotos. “Eu sou Lula”, disse Eunício, fazendo a letra “L” com o polegar e o indicador.
Colega de Eunício no partido, no Senado e na Lava Jato, Jader Barbalho é outro que quer ficar ao lado de Lula. Lançará o filho Helder, ministro da Integração Nacional, candidato ao governo do Pará. Ainda que Helder seja ministro de Michel Temer, o que Jader quer é uma aproximação com Lula, a chance de dividir um palanque. “Corrupto por corrupto, os eleitores pensam que é melhor votar em Lula”, diz um integrante do PMDB próximo de Temer, ao explicar a lógica que move os políticos. O senador Renan Calheiros, também do PMDB, percebeu isso antes de todo mundo e se garantiu. Foi o primeiro a romper com Temer e distanciar-se dele, meses atrás, e fechar com Lula. Renan foi em busca da sobrevivência – com 17 inquéritos no Supremo, precisa se reeleger senador para manter o foro privilegiado, condição que reduz a velocidade dos processos; foi atrás também da reeleição do herdeiro, Renan Filho, governador de Alagoas. Pioneiro, Renan fez isso quando Lula estava na pior, receoso até de sair de casa. Por isso diz-se em Brasília que, se Renan pular de um prédio, é bom pular atrás porque embaixo há água. Hoje, enquanto Temer permanece nos mais baixos níveis de popularidade, Lula lidera as – incipientes, é verdade – pesquisas para presidente.
Lula aparece na mais recente pesquisa Datafolha com 36% das intenções de voto. Está isolado na liderança, com exatamente o dobro do segundo colocado, o deputado Jair Bolsonaro. Assim, é irresistível para parte dos políticos colar em Lula. Com exceção dos petistas, ao resto não importa se ele poderá ser candidato até o fim ou, mais longe ainda, que seja eleito; importa que faça campanha por algum tempo e eles faturem em cima da popularidade dele. Para a turma que sofre com a Lava Jato, Lula é um achado, pois tem tamanho para falar mal da investigação. Começou batendo nos procuradores da força-tarefa de Curitiba, fustigou Sergio Moro e agora enfrenta os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.
Assim, Lula se tornou uma espécie de patrono, presidente informal e líder inequívoco de uma organização suprapartidária, o Partido Anti-Lava Jato, o mais numeroso bloco que disputará a próxima eleição. Os políticos que, acossados pela investigação, conseguiram a aprovação do fundo partidário com dinheiro público para custear suas campanhas agora buscam o mais difícil, votos. É a segunda parte da missão pela sobrevivência, para permanecerem com foro privilegiado e, assim, ficarem menos expostos à chance de ser presos. Esses políticos sabem que, se um ídolo como Lula é contra a Lava Jato e seu combate à corrupção, eles também não precisam mais ter vergonha de ser.
É difícil que Lula permaneça na disputa até o fim, por isso o ex-governador da Bahia Jaques Wagner e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, este uma cria de Lula, podem assumir sua posição de candidato do PT à Presidência no final. Nesse ponto, no entanto, as pesquisas não ajudam os planos de Lula: nada indica que ele consiga repetir o feito de eleger um escolhido, como fez com Dilma Rousseff em 2010. O problema é justamente o governo dela, que permanece impopular na memória de quem o viveu.
Se Lula terminou 2016 como réu em três ações penais, em 2017 se tornou réu em sete, incluindo aquela em que foi condenado. Lula, um ex-presidente, teve de depor duas vezes ao juiz Sergio Moro. Na primeira, vestindo um terno cinza e uma gravata listrada de verde, amarelo e preto, estava acuado e adotou um tom pacificador, respondendo às perguntas sem partir para o ataque durante quatro horas. À saída, ao lado de Dilma, discursou num comício armado pelo PT. “Haverá um momento em que a história irá mostrar que nunca antes na história do Brasil alguém foi tão perseguido ou massacrado como eu estou sendo nestes últimos anos”, afirmou.
Às 13h52 de 12 de julho, Moro concluiu e assinou eletronicamente a sentença de Lula. O que levou Lula a se tornar o primeiro ex-presidente brasileiro condenado por crime comum foi o recebimento de propina na forma de um apartamento dado pela empreiteira OAS. O ex-presidente pagava cotas da Bancoop, a cooperativa habitacional dos bancários de São Paulo, para um apartamento simples, o 141 do Condomínio Solaris, em Guarujá. Entretanto, a Bancoop quebrou e o empreendimento foi adquirido pela OAS. Enquanto corria o petrolão, e a OAS era uma das beneficiadas pelos contratos superfaturados da Petrobras em troca de propina, o então presidente da empreiteira, Léo Pinheiro, providenciou que o apartamento simples virasse um tríplex. A diferença entre os dois imóveis foi de R$ 1,1 milhão, segundo o Ministério Público Federal (MPF). Mandou instalar elevador privativo, ampliar o deck da piscina, equipar a cozinha com eletrodomésticos e outros mimos. As benesses somaram mais de R$ 1,3 milhão, nos cálculos do MPF.
Léo Pinheiro foi pessoalmente mostrar o imóvel ao ex-presidente e sua família. “Praticamente todos os depoimentos de executivos e empregados da OAS Empreendimentos são no sentido de que a empresa não prestava esse tipo de serviço, reforma ou personalização de unidades habitacionais, especialmente para pessoas que ainda não eram proprietárias”, diz a sentença de Moro. “Todos ainda reconheceram que o apartamento 164-A, tríplex, foi o único, no Condomínio Solaris – e havia outros apartamentos tríplex –, a receber esse tipo de reforma.”
Os valores foram abatidos da conta-corrente de propinas devidas pela OAS ao PT, conforme disse Léo Pinheiro ao juiz Sergio Moro. Lula só formalizou sua desistência da compra do tríplex em novembro de 2015, quando o tríplex já era conhecido e a Lava Jato corria solta. Ao concluir a decisão, Moro escreveu: “Registre-se que a presente condenação não traz a este julgador qualquer satisfação pessoal, pelo contrário. É de todo lamentável que um ex-Presidente da República seja condenado criminalmente, mas a causa disso são os crimes por ele praticados e a culpa não é da regular aplicação da lei. Prevalece, enfim, o ditado ‘não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você’”.
Após a sentença, a defesa de Lula reiterou que o ex-presidente é inocente, apontou que ele é alvo de uma “investigação politicamente motivada” e que o processo não tinha “nenhuma evidência crível de culpa”. A defesa de Lula foi competente em tentar irritar Moro e em buscar caminhos que atrasassem o processo – este segundo ponto será fundamental na estratégia para que ele seja candidato em 2018. Na parte jurídica, no entanto, os efeitos não foram positivos. As evidências de que Lula sabia do esquema criminoso na Petrobras e recebeu benesses de empresas que se beneficiaram desse esquema são fortes. Em crimes de colarinho branco, os pagamentos de propina muitas vezes são dissimulados, justamente para ficarem mais difíceis de rastrear, como no caso do tríplex.
A tese de defesa de Lula começou com uma sucessão de depoimentos de delatores detalhando ao juiz Sergio Moro a ciência e a participação do petista em esquemas de corrupção. Em abril, o ex-presidente da empreiteira OAS Léo Pinheiro disse que o tríplex no Condomínio Solaris pertencia ao petista. “O apartamento era do presidente Lula e sua família.” E completou: “Nunca (o imóvel) foi colocado à venda pela OAS. Em 2009, foi dito para mim: “Essa unidade, não faça nenhuma comercialização sobre ela, ela pertence à família do presidente”. No início de maio, o ex-diretor da Petrobras Renato Duque relatou que Lula demonstrou preocupação com o andamento da Operação Lava Jato. Duque relatou: “Ele (Lula) me pergunta se eu tinha uma conta na Suíça com recebimentos da empresa SBM, dizendo que a então presidente Dilma tinha recebido a informação de que um ex-diretor da Petrobras tinha recebido dinheiro em uma conta na Suíça, da SBM. Eu falei: ‘Não, não tenho dinheiro nenhum, nunca recebi dinheiro da SBM’”.
O delator prossegue. “Ele falou: ‘Olha, presta atenção. Se tiver alguma coisa, não pode ter, entendeu? Não pode ter nada no teu nome’.” Duque conclui: “Nessas três vezes, ficou muito claro para mim que ele tinha pleno conhecimento de tudo e tinha comando”. Mas foi o depoimento de Antonio Palocci, em setembro, que bambeou de uma vez a defesa de Lula. Palocci foi um dos homens mais próximos de Lula. Ocupou o Ministério da Fazenda entre 2003 e 2006 e voltou ao executivo, pelas mãos do amigo, para chefiar a Casa Civil no primeiro ano do governo Dilma. “O Emilio (Odebrecht) abordou (Lula) no final de 2010, não foi para oferecer alguma coisa, doutor, foi para fazer um pacto, que eu chamei de pacto de sangue. Envolvia um presente pessoal que era um sítio, envolvia o prédio de um museu pago pela empresa, envolvia palestras pagas a R$ 200 mil, fora impostos, combinadas com a Odebrecht. E envolvia uma reserva de R$ 300 milhões”, revelou Palocci.
Devido aos inúmeros recursos à disposição de Lula, é difícil projetar se o petista começará a cumprir sua pena, ainda que provisoriamente, em 2018 – o que inclui tempo de prisão. O Supremo Tribunal Federal pode reanalisar em 2018 a questão da prisão de réus condenados a partir de decisão em segunda instância. Assim, mesmo que a condenação seja mantida no TRF-4, Lula poderá recorrer em liberdade. Se depender do histórico da Oitava Turma do TRF-4, a probabilidade de Lula conseguir reverter sua condenação é muito baixa. As apelações ao TRF-4 julgadas até agora, referentes à Lava Jato, envolvem 108 réus de 23 processos. Desse total, o colegiado aumentou a pena de 33. No caso de outros 22 réus, a turma manteve a pena estabelecida pelo juiz de primeira instância. Em 15 casos, o colegiado diminuiu a pena, mas manteve a condenação. Em 13 casos, os desembargadores mantiveram a absolvição. Somente em dois casos a turma reverteu completamente uma condenação de Moro, ambos referentes a processos do ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto, preso em Curitiba. Num terceiro processo, porém, a turma aumentou a pena imposta por Moro a Vaccari.
Lula combate a dureza da Justiça com a elasticidade do discurso político. Sabe que nesse terreno tem poucos concorrentes. Por isso saiu numa caravana planejada de forma cirúrgica pelo PT para dar-lhe muito palanque e devoção, sem nenhum desgaste, para tentar se curar após a condenação imposta por Moro. Num ônibus fretado, com uma equipe de assessores, fotógrafos, cinegrafistas e políticos, Lula percorreu cidades do Nordeste – onde sua popularidade foi menos afetada pelas acusações de corrupção feitas pela Lava Jato – fazendo comícios em campanha aberta entre 17 de agosto e 5 de setembro. “A elite pensa que vai impedir que eu seja candidato. Tenho 71 anos, mas estou com vontade de brigar como se tivesse 30”, disse em Picos, no semiárido do Piauí, em 2 de setembro passado. Era uma pré-campanha, um ano antes da eleição, com uma condenação nas costas. Em 2018, Lula tentará fazer isso a poucos meses da eleição, como candidato do PT à Presidência da República, provavelmente como líder nas pesquisas e com uma segunda – e definitiva – condenação nos ombros. Como sempre, tentará resolver na política.
Joesley Batista – o delator do Brasil
A pele vincada, a boca torta nos cantos e o cabelo desarrumado explicitam a derrota na face de Joesley Batista, empresário, sócio do grupo J&F, detento. Ele ouve o discurso do deputado Carlos Marun, do PMDB, o Silvio Costa de Michel Temer, um discurso que o espezinha. “O senhor passa a ser parte desta conspiração para derrubar o presidente. O senhor recebe este escandaloso presente, que é a imunidade, que lhe permite partir, o senhor, sua trupe, o iate, o avião, para nunca mais voltar, livre, leve e solto nos ‘States’”, diz Marun, gesticulando e olhando para Joesley e para a plateia da CPMI da JBS. “Eu acho que o senhor não é tão bandido quanto o senhor confessa ser, sinceramente (...) Mas o senhor chegou a um momento em que o senhor, que era um mafioso de terceira categoria, resolveu achar que era o Al Capone.” De camisa azul-clara, paletó e sem gravata, Joesley está enfastiado. “Eu me mantenho em silêncio”, diz.
Joesley permanece assim durante as mais de três horas de depoimento, como fazem aqueles convocados a CPIs que teriam muito a dizer e não dizem. Mas tem de ouvir os defensores de Temer o açoitarem naquele 28 de novembro. “Nunca ouvi na história deste país pessoa que tivesse essa ambição insaciável”, diz Heuler Cruvinel, do PSD goiano. “O senhor já era rico, já tinha iate, já tinha avião a jato, já tinha apartamento em Miami, em Paris, em Nova York, não tinha essa necessidade de ocasionar esse prejuízo para quem trabalha.” Joesley Batista nunca imaginara estar numa CPI, ser maltratado por pessoas que o adulavam poucos meses antes, quando distribuía propina – a boa parte delas ou aos chefes delas. Assim como se vangloriava de ter virado o Brasil pelo avesso, Joesley viu sua vida sofrer o mesmo.
A derrocada de Joesley se confunde com a do Congresso, do governo Temer e a difícil fase da Operação Lava Jato em 2017. Ele e seu grupo J&F estavam na mira das investigações desde 1o de julho de 2016, quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Sépsis. Na ocasião, policiais estiveram numa das empresas do grupo, a Eldorado, suspeita de ter pagado propina para obter recursos do fundo de investimentos do Fundo de Garantia, gerido pela Caixa. Fábio Cleto, ex-vice-presidente do banco, cumpridor de ordens do deputado Eduardo Cunha, do PMDB, entregara as primeiras provas inequívocas disso. Em seguida, a Operação Greenfield descobriu um esquema igual, só que com fundos de pensão de empresas estatais.
Foi em dezembro de 2016 que Joesley incumbiu gente sua de procurar a força-tarefa da Lava Jato, em Brasília, em busca de um acordo para fazer uma delação premiada. Sabia que era sua única saída para não terminar quebrado e preso, como a turma da Odebrecht. Os procuradores farejaram o medo e começaram a jogar. Primeiro, como de praxe, ignoraram as investidas. Deram um gelo de três meses. Joesley se desesperava. Em 19 de fevereiro de 2017, o diretor jurídico Francisco de Assis e Silva telefonou para o procurador Anselmo Lopes, que conduzia as investigações da Greenfield e da Sépsis na primeira instância, e informou que o grupo queria colaborar. Avisada por Anselmo, a Procuradoria-Geral da República considerou que era a hora. Joesley, então, ofereceu seu trunfo, uma conversa gravada com o presidente Michel Temer em 7 de março, no Palácio do Jaburu.
Joesley chegou ao Jaburu por volta das 22 horas, com o passe livre por ser um visitante enviado pelo deputado Rodrigo Rocha Loures, então assessor da confiança de Temer. Desfiou uma coleção de ilegalidades e crimes, que Temer ouviu sem se manifestar. Joesley relatou a Temer diversos crimes que cometia, como corromper juízes e procuradores. Pediu a Temer um interlocutor para resolver um problema de uma de suas empresas – e ouviu que este seria Rocha Loures. Informou que comprava o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha na cadeia. “O que eu mais ou menos me dei conta de fazer até agora? Eu tô de bem com o Eduardo...”, disse. Em troca, ouviu de Temer a frase que definiu 2017: “Tem de manter isso, viu?”.
No mesmo dia que celebrou o acordo com a Procuradoria, Joesley prestou os primeiros depoimentos formais e assinou um termo de pré-acordo de colaboração, para permitir que o Ministério Público Federal conduzisse uma iniciativa inédita na Lava Jato: ações controladas sob monitoramento da Polícia Federal para gravar e acompanhar entregas de dinheiro a políticos, a fim de produzir provas. Em uma dessas ações, a PF filmou um encontro entre o lobista da JBS, Ricardo Saud, e Rodrigo Rocha Loures, o interlocutor indicado por Temer para ser o intermediário entre ele e Joesley, em um restaurante em São Paulo. Foi lá que os policiais captaram a clássica cena de Rocha Loures dando aquela corridinha ridícula com uma mala recheada com R$ 500 mil da JBS. Segundo Joesley, era propina para resolver os tais  “problemas” de uma de suas empresas com o governo, como dissera a Temer.
A gravação da noite no Jaburu tornou-se pública em 17 de maio e disparou a crise que definiu o governo Temer para sempre. No dia seguinte, a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal deflagraram a Operação Patmos, que revelou os primeiros detalhes da delação da JBS. Rodrigo Rocha Loures, o atleta da mala, foi preso; dias depois, devolveu a mala com R$ 35 mil a menos. A cúpula do governo, que já estava acuada com a delação da Odebrecht pelas citações aos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, se encolheu ainda mais. Temer recebeu conselhos para renunciar ao cargo.
No meio da tarde do dia 18 de maio, Michel Temer fez um pronunciamento à nação no Palácio do Planalto. “Não renunciarei. Repito: não renunciarei. Sei o que fiz e sei da correção dos meus atos”, disse. O nervosismo de Temer era latente. Ele deixou de lado mesuras que preza, elevou a voz, mudou de posição ininterruptamente diante do microfone, usou palavras agressivas e estava um pouco rouco. Convocado de última hora, o evento em si teve impacto político negativo, já que não havia nenhum líder partidário de destaque a seu lado. Temer negou que soubesse do pagamento a Rocha Loures e falou que havia uma espécie de conspiração contra ele e o país, confundindo um com o outro. O Congresso esperava a renúncia. As negociações para a reforma da Previdência foram interrompidas. O governo parou e se concentrou na salvação do mandato do presidente.
As ações controladas de Joesley captaram outras frases antológicas e definiram outros destinos, como o do senador Aécio Neves, do PSDB mineiro. Numa conversa na qual não economizou palavrões, Aécio pediu R$ 2 milhões a Joesley para, segundo ele, pagar advogados que o defendiam nos inquéritos abertos pela Lava Jato por suspeitas de corrupção. Não explicou por que não procurou o banco Original, do grupo de Joesley, ou outra instituição financeira, que fazem operações assim para pessoas físicas e jurídicas. Aécio indicou seu primo Frederico Pacheco de Medeiros como emissário para receber o dinheiro vivo: “Tem de ser um que a gente mata ele antes de fazer delação”, disse, rindo. Fred, como é conhecido, pegou o dinheiro em mochilas e foi preso, no mesmo dia que Rocha Loures e Andrea Neves, irmã de Aécio. Pior de tudo, o rastreamento na ação controlada pela Polícia Federal detectou que, ao contrário do que disse Aécio, o dinheiro não foi parar na mão de advogado algum.
Em seus depoimentos à Lava Jato, Joesley Batista abriu as arcas da corrupção que fizeram sua empresa passar de grande a gigante mundial. Sua receita foi pagar propina aos governos do PT para receber financiamentos oficiais e, assim, fazer aquisições. Graças ao que foi pago em propina ao PT durante os governos Lula e Dilma, suas empresas receberam cerca de R$ 10 bilhões em investimentos do BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Graças a isso, durante o reinado petista a JBS comprou a americana Swift e inúmeros concorrentes menores no Brasil; expandiu-se para outros ramos além da carne; criou a holding J&F para unir suas empresas; tornou-se uma das maiores companhias do mundo no ramo de carnes.
Joesley revelou seu método: para cada um dos financiamentos obtidos no BNDES, separava um percentual em propina em duas contas nos Estados Unidos; as tais contas chegaram a ter US$ 150 milhões, usados depois para pagar despesas petistas e de políticos indicados pelo partido nas campanhas eleitorais de 2010 e 2014. O emissário que lhe avisava a hora de gastar era o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Bancou também propina para o PMDB de Temer e outros partidos para evitar problemas em suas empresas e alavancar outros negócios.
A delação de Joesley, de seus executivos e o material entregue por eles resultaram num conjunto de provas tão rico quanto o fornecido pela Odebrecht meses antes. Enquanto a empreiteira corrompia no atacado, fazendo negócios com a cúpula do poder em Brasília, a JBS fazia atacado e varejo, corrompia tanto a cúpula de Brasília quanto os escalões inferiores na capital e nos estados. Sua delação deixou transparente o esquema de arrecadação ilícita de PMDB, PT, PSDB e implicou mais de 1.800 políticos de todos os partidos. Pelas histórias e provas de Joesley, foi possível ver como o sistema de loteamento de cargos no governo rendia dinheiro a líderes partidários. Num deles, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, usava Fábio Cleto para cobrar propina em troca da liberação de recursos do bilionário fundo de investimentos do Fundo de Garantia para empresas da JBS.
Os relatos de Joesley fizeram de Michel Temer o primeiro presidente da República do Brasil a ser denunciado por crimes comuns no exercício do cargo. No dia 26 de junho, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou ao Supremo Tribunal Federal a primeira denúncia contra Temer, por corrupção passiva, baseada nos testemunhos do empresário, que até ali desfrutara da amizade do presidente. No dia seguinte, Temer atacou Janot e Joesley com ferocidade. “No caso do senhor grampeador, o desespero de se safar da cadeia moveu a ele e seus capangas para, na sequência, haver homologação de uma delação e distribuiu o prêmio da impunidade”, disse. Temer denunciou a atuação do ex-procurador Marcello Miller, que deixara a Procuradoria para atuar como advogado da JBS, e reclamou do tratamento benevolente dispensado a Joesley.
Encaminhada pelo Supremo à Câmara, em seu caminho a denúncia consumiu praticamente todo o capital político de Temer. Num esforço gigantesco de fisiologismo, que custou mais de R$ 2 bilhões em emendas apenas em um mês, perdão de dívidas e a distribuição de cargos, entre outras benesses aos políticos, no dia 2 de agosto o governo conseguiu barrar a primeira denúncia por 263 votos a 227. Contudo, ainda havia uma segunda denúncia a caminho, por organização criminosa e obstrução da Justiça.
Quando se imaginou que, após três anos de seu início, a Lava Jato chegava a seu ápice, atingindo com provas flagrantes o presidente da República e a cúpula do poder, veio o percalço. Num domingo, 3 de setembro, Janot e seus auxiliares mais próximos examinavam a última leva de provas que os delatores da JBS tinham se comprometido a entregar. Havia num dos gravadores um áudio ainda desconhecido. Após um encontro no qual gravou o presidente do PP, senador Ciro Nogueira, um dos acusados de receber propina, o lobista da JBS Ricardo Saud esqueceu o aparelho ligado. As quatro horas seguintes de conversa entre Saud, Joesley e outros ficaram registradas no aparelho enviado à Procuradoria. Além de algumas dispensáveis obscenidades e devaneios de grandeza de bêbados, havia menções a omissões de provas – uma falta grave nos acordos de delação –, uma conversa sobre um tosco plano para incriminar ministros do Supremo e à atuação do ex-procurador Marcello Miller, auxiliar de Janot na Lava Jato, no acordo de delação.
Janot e seus auxiliares ficaram furiosos. Na segunda-feira, 4 de setembro, Janot fez um desastrado pronunciamento. “Determinei hoje a abertura de investigação para apurar indícios da omissão de informações sobre práticas de crime no processo de negociação para assinatura do acordo de colaboração premiada no caso JBS”, disse. “Áudios com conteúdo grave, eu diria gravíssimo, foram obtidos pelo Ministério Público Federal na semana passada, precisamente quinta-feira, às 19 horas. A análise de tal gravação revelou diálogo entre dois colaboradores com referências indevidas à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal. Tais áudios também contêm indícios, segundo esses colaboradores, de conduta em tese criminosa atribuída ao ex-procurador Marcello Miller.” Mais tarde, ficou claro que nada havia de irregular sobre ministros do Supremo.
O mais vantajoso acordo de colaboração da Lava Jato, que dava a Joesley e aos seus imunidade, encerradas outras investigações, e permitia até viagens ao exterior, foi suspenso. O “nós não vai ser preso” da conversa de Joesley e sua turma caiu. Janot pediu ao Supremo Tribunal Federal a prisão temporária de Joesley, Ricardo Saud e Marcello Miller; o ministro Edson Fachin rejeitou apenas a detenção de Miller. Em 10 de setembro, Joesley e o irmão Wesley se entregaram à Polícia Federal. Com a derrocada dos Batistas, em outubro Temer se livrou com menos dificuldade da segunda denúncia apresentada por Janot. 
A reviravolta na delação da JBS marca um ponto de inflexão para a Lava Jato. O pronunciamento desastrado sobre o áudio clandestino maculou Janot. Depois dele, o Supremo mudou a conduta em relação a tudo relacionado à delação da JBS. Além de Temer se livrar do perigo, os políticos iniciaram um contra-ataque. Conseguiram aprovar um aumento de R$ 2 bilhões em dinheiro público no fundo partidário para bancar suas campanhas em 2018 – para compensar o fim das doações de empresas. O senador Aécio Neves virou um símbolo dessa fase. Afastado duas vezes do cargo pelo ministro Edson Fachin por sua conduta, terminou livre após um confronto institucional, no qual o Supremo cedeu e permitiu que o Senado tivesse poder de decidir se cumpre decisões judiciais sobre mandato de senadores.
Os benefícios dados pelo acordo de colaboração da JBS estão suspensos temporariamente e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, analisa se pedirá ao STF a rescisão total do acordo ou se ainda é possível negociar alguma repactuação. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal deverá discutir com profundidade a validade da delação e os critérios adotados nos acordos de colaboração premiada, julgamento fundamental para o futuro da Lava Jato.  A salvação de Temer custou caro: ao gastar capital político para permanecer no cargo, Temer não teve força para aprovar a reforma da Previdência, adiada para 2018.
Passava das 13h30 de 28 de novembro quando o interrogatório de Joesley Batista na CPMI da JBS terminou. Sem alterar o semblante, ele levantou e trocou um aperto de mãos com o presidente da comissão, o senador tucano Ataídes Oliveira, e saiu. Seguiu para a base aérea, onde embarcou de Brasília para São Paulo, uma viagem que fez inúmeras vezes quando era poderoso. Mas desta vez foi como detento, no jato da Polícia Federal, menos luxuoso que o seu.
Jair Bolsonaro – o capitão dos conservadores
Na última sexta-feira de novembro, o deputado federal Jair Bolsonaro chegou uma hora adiantado a Guaratinguetá, 182 quilômetros ao norte de São Paulo. Queria ter tempo para confraternizar com soldados, cabos e sargentos antes da cerimônia de formatura da Escola de Especialistas da Aeronáutica, prevista para as 10h30. Uma garoa fina abafou o ar, mas Bolsonaro estava à vontade em seu terno chumbo. De broche de deputado na lapela, ele discursou. “Eu queria mesmo é ser deputado em Cuba”, disse. Os militares a seu redor tentaram acompanhar o raciocínio de Bolsonaro. “Primeiro, porque você é escolhido pelo partido. Depois, tem duas sessões por ano para aprovar só o que manda o partidão. Nunca vi um cubano ser contra. Só dá 612 a zero. Se botar contra esse regime o nosso Flamengo, vai ser campeão.” Bolsonaro brecou. “Ah, aqui tem de falar do Corinthians, não é?” Os sargentos responderam aos gritos de “Palmeiras! Palmeiras!”. A conversa destrambelhada acabou e Bolsonaro ainda assistiu a uma manhã de desfiles e honrarias. Já na rua, cruzou a barreira de sargentos que guardavam a entrada do prédio e foi engolfado por familiares dos formandos. Bolsonaro, ex-capitão do Exército, estava em casa. Na rotina que tem se repetido com o deputado nos últimos meses em aeroportos pelo Brasil, as mãos de seus fãs estão sempre ocupadas, à caça de fotos com o pré-candidato à Presidência da República. Bolsonaro vê seus fãs mais pelas telas dos celulares, sempre posicionadas para selfies. Eles urram “Mito”, “Presidente”. Um apoiador entoou um solitário “Um, dois, três, quatro, cinco, mil, queremos Bolsonaro presidente do Brasil”. Cada um ali tinha uma missão: “Vai, filho, tira uma foto com ele”.
As redes sociais mudaram a linguagem da política; a derrocada do PT, a ideologia predominante nela. Jair Messias Bolsonaro, de 62 anos, parece ter compreendido isso melhor que seus colegas. O deputado transita, na vida real, entre ideologias e galhofas com a fluidez própria do mundo virtual. Talvez por isso reine nas redes sociais – segundo um levantamento da FSB Comunicação, Bolsonaro é o político mais influente no universo dos likes. Muitos dos que o admiram hoje o conheceram por meio de memes nos últimos dois anos. Entre seus apoiadores, 60% são jovens – como os formandos, que só podem ingressar no curso da Aeronáutica com no máximo 25 anos. De acordo com a consultoria Bites, em março de 2015, quando Bolsonaro tinha apenas 6% de intenção de votos para presidente na pesquisa do Datafolha, ele era seguido por 44 mil pessoas somando Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e Google+. Em abril deste ano, quando se consolidou em segundo lugar na corrida, com 15% das intenções de voto, seus seguidores somavam 5,04 milhões. A catapulta foi sua fala ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff. Bolsonaro enalteceu o chefe do DOI-Codi, Carlos Alberto Ustra. A página do torturador no Facebook ganhou 3 mil curtidas em 72 horas e Bolsonaro uma exposição midiática sem precedentes. O episódio é um marco na transformação de Bolsonaro em “mito” da direita conservadora. Na EEA, seu filho do meio, Eduardo Bolsonaro, transmitia tudo ao vivo pelo Facebook. “Ele virou um rock star. O pessoal chega, treme, pede para fotografar, agarra. Já é outro nível”, descreve Eduardo, também deputado federal.
Bolsonaro não é apresentador de televisão como o prefeito de São Paulo, João Doria, ou o ex-pré-candidato Luciano Huck. Ele fez o caminho contrário: de deputado inexpressivo passou a folclórico e, finalmente, a personagem da cultura, representante de um comportamento. Bolsonaro personifica com autoridade um dos lados da guerra cultural que o Brasil deflagrou de vez em 2017. Sim, é uma guerra. As batalhas são travadas primordialmente no campo das ideologias – eventualmente, descambam para a violência física. Mas o combate é, em sua origem, intelectual. A mera existência de vozes dissonantes pode sugerir o vigor de uma democracia. O que se testemunhou ao longo do ano, porém, foi uma voz tentando calar a outra. Ninguém ouviu ninguém enquanto todos gritavam – nas redes sociais ou nos megafones na porta de museus ou cinemas. Bolsonaro foi o comandante do Exército conservador. Na linha de frente, ora rivaliza como político na corrida presidencial com Lula, ora faz contraponto a figuras como a cantora Pabllo Vittar (4,8 milhões de seguidores no Facebook  do deputado x 5,6 milhões de seguidores no Instagram da drag queen). Disputa com Lula na política. Rivaliza com artistas nos costumes.
O deputado está no Congresso há quase 30 anos. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras, no Rio de Janeiro, em 1977, Bolsonaro chegou à patente de capitão. Elegeu-se deputado pela primeira de sete vezes em 1990. Sua base eleitoral eram os militares. Só no primeiro mandato, segundo um levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, foram 17 projetos de interesse desse nicho. Nenhum prosperou. Com o tempo, ele variou os temas de suas relevantes propostas. Em uma delas, pleiteia que o nome do finado Enéas Carneiro seja inscrito no Livro dos Heróis da Pátria. Dos 171 Projetos de Lei e propostas de emenda à Constituição de autoria de Bolsonaro, apenas três foram aprovados:  uma extensão da isenção de impostos para itens de informática; a autorização da fosfoetanolamina sintética, a “pílula do câncer” (em que ele é coautor com mais 17 deputados); e a determinação para que os votos sejam impressos (a um custo de R$ 2,5 bilhões em dez anos).
Não é a excelência política de Bolsonaro que conquista eleitores. É ser o cara certo, com o discurso certo, nos moldes certos, para parte expressiva do Brasil. Ele mesmo sacou isso há alguns anos. Em 2011, orientado por assessores, Bolsonaro diversificou sua fala. Escaneou cuidadosamente um movimento que borbulhava nas margens da hegemonia da esquerda em universidades, na imprensa e na cultura. Encontrou um conservadorismo represado, esperando um porta-voz despudorado para verbalizar ideias reacionárias – e talentoso para travesti-las de piadas. Ainda naquele ano, Bolsonaro liderou a grita contra o “kit gay” e a educação sexual nas escolas pretendida pela então presidente, Dilma Rousseff, e seu ministro da Educação, Fernando Haddad. Empolgou-se. Praticou quase diariamente a expressão do absurdo. Tornou-se um craque.
Em abril deste ano, em um evento no Clube Hebraica, no Rio, Bolsonaro caminhava no palco como um comediante em um show de stand-up. Primeiro, disse que afrodescendentes de comunidades quilombolas “não servem nem para procriar”. Rindo, prosseguiu. Contou que tem cinco filhos. “Foram quatro homens. A quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher.” O público presente riu. O distante, quando o vídeo vazou, ultrajou-se. “Eu sou brincalhão. Sou processado por fazer brincadeiras. Meu sogro é o Paulo Negão e me chamam de racista. Nós perdemos a alegria de fazer piada no Brasil”, diz Bolsonaro a ÉPOCA. Disfarçar de “brincadeira” suas convicções é um truque para suavizar sua imagem. Mas há pouco que rir de frases como “Deveriam ter sido fuzilados uns 30 mil corruptos (na ditadura militar), a começar pelo presidente Fernando Henrique Cardoso” (1999); “Desaparecidos do Araguaia, quem procura osso é cachorro” (cartaz em seu gabinete em 2009); “Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí” (2011).
Alguns comediantes logo perceberam o potencial de Bolsonaro. Em um dos episódios do quadro “Mitadas do Bolsonabo”, o humorista Márvio Lúcio, o Carioca do Pânico na TV, ouve de um homem na rua: “Eu estou desconfiado de que meu filho é gay. Como eu faço para descobrir?”. Caracterizado como Bolsonaro – olhos claros, sobrancelhas fartas e expressão encrespada –, Carioca responde em dois fôlegos. “Se fosse o meu filho”, diz o humorista, chutando um anão vestido de militar que está a seu lado, “eu matava”. Gravado numa rua movimentada em São Paulo, o quadro traz Bolsonabo partindo de perguntas dos voluntários para ofender mulheres (“Seu corpo parece o Rio Tietê, tá cheio de pneu”) e rir de políticos opositores (“O que você fez depois que o Jean Wyllys cuspiu em você?”, “Fui ao Butantan pegar antídoto”). “Queima rosca”, “morde fronha”, “veado”, gritam os transeuntes em um dos episódios. Cada vídeo (já são mais de 30) tem entre 1 milhão e 2 milhões de visualizações no YouTube. Bolsonaro não só assiste (e adora) como troca ideias com o próprio Carioca. “Ele tem ganhado muita simpatia com aquele quadro. Não vou negar que me ajuda muito”, diz o deputado.
Bolsonaro diz que parte da população gosta de seu estilo militar linha-dura que não mede o que diz. O deputado segue crescendo nas pesquisas de intenção de voto. Um estudo foi conduzido pela empresa de marketing político Ideia Big Data, a pedido do jornal Valor Econômico, para entender quem são os eleitores de Bolsonaro. Quem pretende votar nele o leva a sério, mas não toma ao pé da letra o que ele diz. Os eleitores não acreditam que Bolsonaro vá espancar um filho se descobrir que ele é gay. Frases como “prisão perpétua” e “morte aos bandidos” tiveram aceitação fácil. Ainda segundo a pesquisa, os eleitores de Bolsonaro se informam principalmente pela internet – não só em sites da imprensa tradicional, mas em páginas sabidamente de fake news. Seus apoiadores não esperam do “mito” conhecimento sobre economia ou um plano de governo bem embasado. Bolsonaro é porta-voz de suas insatisfações e ansiedades diante de um futuro que o deputado e seus soldados pintam como apocalíptico. Um cenário em que artistas defendem a pedofilia e professores doutrinam seus alunos ao “comunismo, sacanagem, maconha, multissexo”, como ele definiu para ÉPOCA o ensino público atual. Multissexo, para ele, é “sexo vale-tudo, sexo à vontade”. Parece que o brasileiro agora é contra.
Espalhar razões para um medo irracional e aproveitar-se dele não é uma estratégia nova na política. Mesmo movimentos de posicionamento liberal em outros setores, como o Movimento Brasil Livre (MBL), acabam aderindo a ideais conservadores nos costumes para ter chances de chegar ao poder. O MBL, dono de uma  página com 2,5 milhões de seguidores no Facebook, usa o espaço para disseminar moralismos. Ajudou a forçar o fechamento da Queermuseu, em Porto Alegre, exposição com 270 obras que exploravam a questão de gênero. Para o MBL, a mostra incentivava a pedofilia e a zoofilia. Na ocasião, Renan Santos, um dos fundadores do MBL, disse a ÉPOCA: “Hoje, o cerne do MBL é político e moral. Temos uma agenda política de defender a escola sem partido e combater essa tara da esquerda para tratar de sexualidade com crianças”. Bolsonaro disse que os autores das obras deveriam ser fuzilados. Poucas semanas depois, outro levante: no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o artista Wagner Schwartz fazia uma performance em que aparecia nu. Uma mãe levou sua filha à apresentação. A menina tocou o pé do artista. Um vídeo com a interação viralizou. Cerca de 70 pessoas, lideradas pelo ex-ator pornô Alexandre Frota, foram para a frente do museu. Eles cantaram o Hino Nacional. E decretaram: “Os pedófilos estão lá dentro”. Bolsonaro tuitou: “Mil Vezes Canalhas!”.
Caetano Veloso foi um dos alvos dos censores virtuais, escudados pelo anonimato e por perfis falsos. Sua mulher e empresária, Paula Lavigne, lançou o #342artes, movimento de artistas em defesa da liberdade de expressão. O MBL reagiu. Resgatou uma entrevista em que Lavigne contava ter tido relações sexuais com o marido quando ela tinha 13 anos e ele 40. O cantor foi parar nos assuntos mais comentados do Twitter, sob a hashtag #CaetanoPedófilo. O autor da hashtag foi o analista político Flavio Morgenstern, seguidor do filósofo da direita Olavo de Carvalho. Morgenstern descreveu, em um tuíte, a melhor forma de fazer uma “guerra política” sem recursos: massificar um insulto para que o ofendido não tenha como “processar a internet inteira”. Caetano ignorou a estratégia. Processou Morgenstern, Olavo, Alexandre Frota e membros do MBL. Ganhou. Todos foram obrigados a tirar do ar as publicações que o acusavam de pedofilia.
Bolsonaro e sua tropa somam alguns triunfos porque seus adversários nem sempre falam no mesmo volume. Mesmo artistas provocadores como Pabllo Vittar evitam se envolver politicamente. Pabllo, que neste ano ficou em 6o lugar no ranking mundial de artistas com maior número de visualizações no Instagram Stories, acima de artistas como Selena Gomez e Katy Perry, só se manifestou quando um juiz autorizou profissionais da saúde a oferecerem tratamento de “cura gay”. “Não somos doentes”, tuitou a cantora para seus 600 mil seguidores. A ÉPOCA, Vittar disse: “A minha música se posiciona por si só. A minha pessoa. Uma drag queen fazer show para um monte de gente no país que mais mata LGBT... Eu não preciso me posicionar, eu já estou ali”.
As batalhas culturais foram travadas em variados cenários em 2017 – e é difícil cravar um vencedor. Em novembro, manifestantes hostilizaram a filósofa americana Judith Butler, especialista em estudos de gênero, em São Paulo; seis meses antes, estudantes de esquerda do Recife tentaram barrar a exibição do filme O jardim das aflições, sobre Olavo de Carvalho, que já havia sofrido retaliações no festival CinePE. A Globo colocou pela primeira vez um personagem transexual em foco na novela A força do querer. Pabllo Vittar participou do Rock in Rio ao lado da cantora americana Fergie, mas um de seus clipes foi hackeado no YouTube, em que foi postada uma foto de Bolsonaro sem camisa. Sobre o episódio, o deputado se limitou a publicar no Twitter: “Não sei quem é Pabllo Vittar. Boa tarde a todos”.
Um fenômeno parecido de guerra cultural acontece nos Estados Unidos. Lá, há muito mais tempo, com uma polarização ainda mais acentuada e com consequências políticas mais palpáveis. Para começar, entre os americanos já houve um vitorioso: o presidente Donald Trump, que se elegeu turbinado por essa luta. Se na década de 1980 o republicano Ronald Reagan liderou uma cruzada contra as drogas e pela oração nas escolas, Trump reacendeu e inflamou essa guerra, com suas políticas antiaborto e anti-imigração, suas frases de efeito. Veículos alternativos como o site de extrema-direta Breitbart News, formatado pelo ideólogo Steve Bannon, são sua principal plataforma de apoio. Essa extrema-direita, que por lá ficou conhecida como Alt-right, se propõe a uma guerra ideológica, questionando a hegemonia cultural da esquerda e dos liberais. O método escolhido é o humor e o insulto, o de resgatar a moralidade colocando em xeque o politicamente correto. Não é uma estratégia que a esquerda domine. Soa familiar?
Bolsonaro insiste que não é um político tradicional. Propaga que não é corrupto. Há denúncias recentes que o desmentem. A Folha de S.Paulo publicou que Bolsonaro cometeu atos de indisciplina e deslealdade no Exército. O jornal O Globo mostrou como Bolsonaro violou a lei contra o nepotismo ao contratar a ex-mulher e outros parentes na Câmara. Seus vídeos criticando a imprensa repercutem mais que as notícias sobre ele. Na véspera da formatura dos militares em Guaratinguetá, o assessor de imprensa de Bolsonaro, Waldir Ferraz, filmou o deputado comendo um cachorro-quente num carrinho de rua, debaixo de uma leve chuva, vestindo roupas simples, acompanhado da mulher. Ferraz escreveu na legenda: “Nosso presidente e futura primeira-dama desviando dinheiro público num restaurante de luxo do Rio de Janeiro”. A mensagem enviada pelo WhatsApp chegou a simpatizantes de Bolsonaro na Tailândia. A ferramenta, por onde circula uma massa de informação que passa ao largo da cobertura da imprensa e dos analistas políticos, é uma das preferenciais dos fãs de Bolsonaro, que a usam com destreza. “Deputado, existe, então, uma guerra cultural no Brasil?” “Claro, só não vê quem não quer.”
Donald Trump – o tuiteiro em chefe
Entre as 9h48 e as 9h59 do dia 2 de novembro, 2017 se tornou um ano mais calmo. Um funcionário do Twitter, em protesto por ter sido demitido, apagou a conta de Donald Trump. “Desculpe, essa página não existe!”, dizia uma tela azul da rede social de mensagens curtas. “Minha conta de Twitter foi desativada durante 11 minutos por um funcionário desonesto. Eu acho que minhas palavras finalmente devem estar se espalhando e causando algum impacto”, tuitou Trump quando o serviço foi restabelecido. Com mais de 2.500 mensagens no ar desde janeiro, média de sete por dia, Trump cumpriu, de forma inesperada – até para ele –, a promessa de ser um presidente anticonvencional. Foi o tuiteiro em chefe do país mais poderoso do mundo.
O presidente domina o discurso viralizável na rede. Suas mensagens são exaltadas, com exclamações, adjetivos fortes, piadas e palavras que gritam em letras maiúsculas. “Andam dizendo que sou o melhor escritor em 140 caracteres do mundo. Fica fácil quando é divertido”, tuitou Trump em 2012. Humor e exaltação são eficientes para ganhar a atenção do público. Não tanto para tocar um governo. “Achei que seria mais fácil”, admitiu, após 100 dias na Casa Branca.
A eleição de Trump é um exemplo das redes sociais como campo de batalha da guerra política local e internacional. Países como Rússia, China, Coreia do Norte e os próprios Estados Unidos recrutam exércitos de hackers para conquistar corações e mentes em favor de seus interesses. Em depoimento ao Senado sobre interferências na eleição americana, um advogado do Facebook admitiu que 120 páginas falsas, mantidas por russos, publicaram 80 mil mensagens recebidas por 29 milhões de americanos, diretamente – sem contar aqueles que receberam encaminhamentos da publicação original. Ao todo, afirma a empresa, anúncios e posts patrocinados pela Rússia durante a eleição atingiram 126 milhões de americanos – 40% da população. Pelo menos 20% das mensagens sobre a campanha eleitoral americana, no Twitter, foram criadas por robôs. A rede de mensagens curtas disse ter encontrado 2.752 contas ligadas a “fábricas de informação” russas. O Google afirma que encontrou 18 canais no YouTube ligados a uma campanha de desinformação mantida pelo Kremlin. Nessa guerra, Trump é general, Steve Bannon foi seu estrategista e o Twitter é sua principal arma. Bannon é chefe do Breitbart, site de notícias de extrema-direita responsável por manchetes como “O que você preferiria para seus filhos: feminismo ou câncer?”. Tornou-se guru de Trump na campanha e assessor de governo.
Em vez de “drenar o pântano” de Washington, como prometeu, Trump meteu-se num lodaçal. A Justiça investiga se o governo da Rússia e o comitê de campanha do Partido Republicano trabalharam juntos em ações como a captura e o vazamento de e-mails da candidata adversária Hillary Clinton, do Partido Democrata. Logo após a votação, em novembro de 2016, o governo americano expulsou 35 diplomatas russos, acusados de interferir na eleição. Paul Manafort, ex-diretor da candidatura de Trump, foi preso, em outubro, denunciado por crimes como conspiração contra os Estados Unidos. O conselheiro de campanha George Papadopoulos confessou ao FBI que tentou marcar um encontro entre o governo da Rússia e o comitê eleitoral. Assessores do governo Trump negaram qualquer conluio com os russos, mas, depois de demitidos, mudaram o depoimento. Assessor de Segurança Nacional da Casa Branca por breves 24 dias, Michael Flynn afirmou no início de dezembro ter mentido ao FBI sobre seus contatos. A confissão é parte de um acordo judicial de colaboração. Trump demitiu James Comey, diretor do FBI encarregado de parte das investigações. “Espero que não haja ‘fitas’ de nossas conversas antes que ele comece a vazar para a imprensa!”, tuitou em maio. Em depoimento, Comey acusou o presidente de “querer obter algo” em troca de mantê-lo no cargo. Trump tornou-se suspeito de obstrução da Justiça. Essa mesma acusação levou à abertura de processos de impeachment contra o republicano Richard Nixon, em 1974, e contra o democrata Bill Clinton, em 1998. Nixon renunciou antes de ser impedido. Clinton foi salvo pelo Senado. Trump, por enquanto, tem no Parlamento votos suficientes para escapar. As eleições para o Congresso no meio do ano que vem, contudo, podem complicar sua situação. Basta os republicanos perderem a maioria. Nixon e Clinton enfrentaram problemas com a Justiça quando estavam em segundo mandato, já desgastados. No primeiro ano de administração, apenas Trump viveu tamanho atoleiro.
Trump age como se ainda estivesse em campanha. Tem, pendurado na parede da Casa Branca, um mapa dos Estados Unidos dividido entre 30 distritos eleitorais pintados de vermelho (ganhos por seu Partido Republicano na eleição presidencial) e 21 pintados de azul (ganhos pelo Partido Democrata). A mancha vermelha ocupa o centro do mapa – os estados com tradição industrial, na região conhecida como “cinturão da ferrugem”. “Eu venci no voto popular, se você deduzir os milhões de pessoas que votaram ilegalmente”, disse pelo Twitter, ainda em 2016, e repete até hoje. É uma mentira. Hillary Clinton conquistou 48,5% dos eleitores, e ele 46,4%.
Trump não teve o apoio da maioria da população nem parece buscar isso. Governa para os seus. Casado pela terceira vez e dono de cassinos, ofereceu concessões à “maioria moral” descoberta como força política pelo presidente Ronald Reagan nos anos 1980. O eleitor preocupado com questões morais – aborto e homossexualidade, sobretudo – é desde então um dos sustentáculos do Partido Republicano. Para a “maioria moral”, Trump cumpriu sua principal promessa – e maior medo de seus adversários. Nomeou Neil Gorsuch para a vaga de Antonin Scalia na Suprema Corte americana. Nomear um juiz da Suprema Corte é uma das principais atribuições políticas de um presidente dos Estados Unidos. Os nove juízes têm mandato vitalício e, em última instância, decidem o que a Constituição americana quer dizer. A marca que um presidente deixa na Suprema Corte vai muito além de seus dois mandatos possíveis. Os democratas esperavam substituir Scalia, um dos mais consistentes conservadores da Corte, por um progressista apontado por Obama. A nomeação ficou 293 dias diante do Senado – que, de maioria republicana, adiou a votação. Trump apontou Gorsuch, um claro conservador, que foi rapidamente aprovado. Trump é o inimigo do discurso politicamente correto, representado de modo quase caricatural por Hillary Clinton e pelo ex-presidente Barack Obama. “Fiquem avisados de que o governo dos Estados Unidos não aceitará ou permitirá indivíduos transgêneros desempenhando qualquer atividade nas Forças Armadas”, tuitou em julho, ao derrubar uma bandeira do governo Obama. Quando a retirada de uma estátua do general Lee (herói do lado escravagista na Guerra Civil Americana) deflagrou uma batalha campal em Charlottesville, no estado da Virgínia, Trump culpou “os dois lados”. Pouco importou se um lado empunhava tochas e bandeiras com a suástica nazista. Pouco importou se o outro lado empunhava cartazes em favor do amor e da tolerância racial. Enquanto políticos de todos os matizes em boa parte do mundo fazem o possível e o impossível para não associar, ao menos retoricamente, terrorismo e islã, Trump, sempre de olho em sua plateia, fez o máximo de barulho possível ao proibir turistas de sete países de maioria islâmica, em janeiro. “Precisamos BANIR A VIAGEM de certos PAÍSES PERIGOSOS, não algum termo politicamente correto que não ajudará a proteger nosso povo!”, tuitou. Em dezembro, uma terceira versão do decreto foi autorizada pela Suprema Corte – com apoio de Gorsuch.
As mãos de Trump foram mais produtivas para prometer projetos nas redes sociais do que para assiná-los na forma de lei – algo que requer paciência e argumentos para convencer parlamentares. Nos Estados Unidos, o presidente tem menos autonomia para decidir sozinho do que, por exemplo, no Brasil. A proposta de derrubar o plano de saúde pública Obamacare foi derrotada no Congresso, apesar de os republicanos terem maioria na Casa. “O Obamacare é um total e completo desastre – e está implodindo rápido!”, tuitou, em vão, para convencer os parlamentares. O tão prometido muro na fronteira com o México não avançou um tijolo. “A imprensa desonesta não divulga que qualquer dinheiro gasto por nós (a fim de dar agilidade) na construção do Grande Muro será pago de volta pelo México depois”, afirmou. Trump limitou-se à manutenção de trechos antigos e a uma constrangedora conversa com o presidente do México, Peña Nieto, a quem pediu cumplicidade com sua bravata. “Você não pode dizer isso à imprensa”, disse Trump, por telefone, segundo o jornal americano The Washington Post. “Em vez de dizer ‘não vamos pagar’, poderia dizer ‘vamos solucionar’”, propôs. Sua única vitória de peso no Congresso foi a aprovação, em dezembro, de uma lei de reforma tributária que corta impostos de grandes empresas e das famílias mais ricas. É a mudança mais profunda no pagamento de impostos desde 1986. “Estamos entregando um ALÍVIO HISTÓRICO DE IMPOSTOS ao povo americano”, tuitou Trump, ao festejar a aprovação do projeto.
Fora de casa, Trump tentou pôr em prática sua visão do America First e desfazer a diplomacia de Barack Obama. Em sua primeira semana no poder, descartou a participação dos EUA na Parceria Trans-Pacífica, acordo de comércio entre 12 países da bacia do Pacífico. A parceria era o principal legado de Obama em termos comerciais. Em junho, o presidente anunciou que os EUA se retirarão do Acordo de Paris, que tinha sido fortemente patrocinado por Obama. Pelas regras do acordo, no entanto, uma retirada efetiva do compromisso de reduzir emissões de carbono já assinado só poderá ocorrer em 2020. A alegação é que o tratado é prejudicial à economia americana. Obama patrocinou um acordo nuclear com o Irã. Trump acusou Teerã de descumprir o acordo e delegou ao Congresso aprovar sanções – o que, por ora, não ocorreu. Obama restabeleceu relações diplomáticas com Cuba e exortou o Parlamento a derrubar décadas de bloqueio econômico. Trump expulsou diplomatas cubanos e recrudesceu as relações. Obama se manteve distante de Israel, a ponto de deixar passar no Conselho de Segurança da ONU uma resolução contra assentamentos israelenses na Palestina. Trump anunciou a transferência da embaixada dos Estados Unidos em Israel para Jerusalém, atendendo a uma demanda histórica dos israelenses. Trump anunciou a saída do Acordo de Paris – costurado por anos com a liderança da China e dos próprios americanos. Em vez de liderar uma debandada, isolou-se. Não foi seguido sequer por estados americanos como a Califórnia. Deixou a liderança do combate ao aquecimento global para o chinês Xi Jinping. Obama tentava lidar com a China com parcerias. Trump parece preferir a abordagem tradicional de manter o domínio geopolítico sobre o Pacífico, conquistado na Segunda Guerra, e mantido graças a alianças militares com Japão, Coréia do Sul e Taiwan. 
Ao levar seu temperamento agressivo para a diplomacia, Trump ajudou a corroer a sua autoridade e a dos Estados Unidos. Ao discutir com o líder da Coreia do Norte Kim Jong-Un pelas redes sociais, Trump – escolhido democraticamente para liderar a maior economia e o maior arsenal nuclear do mundo – desceu ao nível do pequeno ditador de um país miserável. Pelo twitter, em janeiro, disse que outro teste de mísseis da Coreia do Norte “Não vai acontecer!”. Mas aconteceu. Várias vezes. Em seu primeiro discurso na ONU – cuja fundação foi uma vitória da diplomacia americana –, Trump disse que iria “destruir totalmente” a Coreia do Norte. O presidente bate boca até com aqueles que escolheu, como o secretário de Estado, Rex Tillerson, porta-voz do país no exterior. Ao ouvir de um jornalista que Tillerson o chamara de idiota, Trump pôs em questão mais uma vez sua autoridade: “Se ele disse isso, acho que teremos de comparar testes de QI. Vou lher dizer quem vai vencer”.
Apesar de estar em permanente campanha, Trump é o presidente americano com menor taxa de aprovação, no primeiro ano de gestão, desde o início da série histórica, em 1945. Apenas 37% da população gosta de seu governo, segundo uma cesta de pesquisas de opinião pública organizada pelo site fivethirtyeight.com. Curiosamente, a insatisfação ocorre num período de prosperidade para os americanos. A economia vai bem para patrões e funcionários. Na bolsa de valores, o índice S&P500 registra valorização recorde e acumula 104 meses seguidos de alta (92 deles ainda na gestão Obama). O número de desempregados em outubro – 222 mil – é o menor registrado no país desde 1973. Outros presidentes, como Obama e Clinton, também tiveram dificuldades para aprovar projetos no primeiro ano. A principal diferença entre Trump e seus antecessores é na imagem e no método, não nas ações reais. A fanfarronice nas promessas e a bagunça na Casa Branca passaram a impressão de um governo menos eficiente do que foi até agora.
Trump perdeu 15 altos funcionários ao longo do ano. Disposto a passar longe dos burocratas profissionais de Washington e esnobado por especialistas de prestígio, Trump cercou-se de conselheiros inexperientes, como sua filha e seu genro. Anthony Scaramucci foi demitido após onze dias como diretor de comunicações da Casa Branca. Teve tempo de dar uma entrevista em que chamou o chefe de gabinete Reince Priebus de “esquizofrênico de m..., um paranoico” e dizer, a respeito do estrategista-chefe, “não sou Steve Bannon, não estou tentando chupar meu próprio p...”. Priebus caiu. Seu sucessor, o ex-general John Kelly, derrubou Scaramucci. Semanas depois, conseguiu também a demissão do estrategista-chefe da Casa Branca, Steve Bannon. “Não tem caos na Casa Branca!”, tuitou Trump, numa daquelas negações que, ao se fazerem necessárias, valem como afirmação.
A chegada de John Kelly à chefia de gabinete, em julho, parece marcar uma lenta mudança de tom para Trump e seu governo. Os voluntariosos assessores de campanha que ascenderam à Casa Branca perderam espaço para três militares: além de Kelly, o conselheiro de segurança nacional Herbert McMaster e o secretário de Defesa Jim Mattis. Comandante da invasão americana ao Iraque, em 2003, Kelly tenta organizar o caos. O general limitou a duração de reuniões e a quantidade de pessoas que entram no Salão Oval. Ao estabelecer um horário de expediente na Casa Branca (a partir de 9h ou 9h30), diminuiu o tempo que o presidente dedicava a metralhar suas reações pelo Twitter. Trump acorda às 5h30 e se informa de duas maneiras: pelo canal de Fox News e ao ler notícias da internet impressas em folhas de papel. A papelada encolheu e, nela, os textos radicais do Breitbart ficaram mais raros. Kelly foi convocado para fazer, em nome da ordem, aquilo que o ex-funcionário do Twitter fez por rebeldia quando excluiu, por 11 minutos, a conta @realDonaldTrump. “Agora eu tenho tempo para pensar”, disse Trump.
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