Da ÉPOCA
Até quatro anos atrás, quando começou a desmoronar o império
financeiro de Eike Batista, o empresário era visto como um caso raro de
bilionário generoso no Brasil. Com aparente desprendimento, destinava parte de
sua fortuna a causas ecológicas, hospitais e atrações culturais. Assim, ganhou
fama de benevolente e passou a receber uma avalanche de pedidos das mais
diversas ordens. Eike, mineiro de Governador Valadares, era particularmente
mão-aberta em relação ao Rio de Janeiro, lugar que escolheu para morar. No
total, desembolsou quase R$ 60 milhões na campanha para a cidade sediar a
Olimpíada, no programa de despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas e no projeto
das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). A fama de empreendedor
bem-sucedido de Eike já havia caído. Agora, o pedido de sua prisão, feito na
quinta-feira, dia 26, pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal,
fez com que caísse também a máscara de benfeitor desapegado. Como mostra a
Operação Eficiência, um dos desdobramentos da Lava Jato cuja etapa anterior
levou à prisão o ex-governador Sérgio Cabral e alguns de seus colaboradores,
por trás do altruísmo de Eike havia um pesado jogo de interesses e ilicitudes.
Ele adulava o Poder Executivo para obter vantagens – e vice-versa. Eike é um
dos nove nomes cuja prisão preventiva foi determinada pelo juiz Bretas.
Na verdade, a relação estreita entre o empresário e o
ex-governador do Rio era um espúrio toma lá, dá cá. No depoimento dado ao
Ministério Público Federal (MPF) pelos irmãos doleiros Renato e Marcelo Chebar,
que tiveram Cabral como cliente, Eike está envolvido nos crimes de corrupção
ativa e lavagem de dinheiro. Na delação premiada dos irmãos Chebar, sai de cena
o empreendedor dinâmico e emerge o operador de propina. Segundo Renato, há sete
anos ele foi procurado por Carlos Miranda, homem de confiança do ex-governador,
e pelo ex-secretário Wilson Carlos – ambos presos pela Lava Jato – para
viabilizar o pagamento de US$ 16,5 milhões (R$ 52 milhões) de Eike para Cabral.
Os delatores relatam com detalhes a manobra engendrada para a lavagem do
dinheiro. Numa reunião na sede da EBX, holding do magnata, Flávio Godinho,
àquela altura executivo da empresa de Eike e hoje vice-presidente de futebol do
Flamengo, sugeriu que fosse feito um contrato de fachada para intermediação da
compra de uma mina de ouro entre uma empresa de Eike e outra pertencente ao
delator. Concluída a operação, o dinheiro pousou numa conta de Cabral no
exterior.
De acordo com a Procuradoria da República no Rio, a propina
se deu em razão da “boa vontade” de Cabral com os negócios de Eike e suas
empresas no estado. No auge de suas atividades empresariais, o conglomerado de
Eike se espraiava pelas áreas de energia, infraestrutura, mineração, serviço e
entretenimento. Em 2010, ano em que um dos irmãos Chebar afirma ter sido
procurado por emissários de Cabral, o ex-governador desapropriou terras no
município de São João da Barra para a construção do Porto do Açu, um dos
megaprojetos de Eike no estado. O outrora onipresente empresário esteve à
frente também da proposta de reforma da Marina da Glória, integrou o consórcio
escolhido para administrar o Maracanã e comprou o tradicional Hotel Glória com
a intenção de restaurá-lo. Todos esses negócios, no entanto, micaram.
A peça do Ministério Público Federal é demolidora, tal seu
nível de minúcias ao cruzar planilhas e informações. Em seu despacho, o juiz
Bretas afirma que as investigações “permitiram identificar com clareza o modo
de atuação de significativa parte das ações da organização criminosa, além de
indícios suficientes de materialidade e autoria para demonstrar a prática de
diversos crimes”. O MP aponta Cabral como o chefe da organização criminosa cuja
corrupção é um “oceano a ser mapeado”, na definição do procurador Leonardo
Cardoso. O ex-governador do Rio contratou os serviços dos doleiros Chebar em
2002. Estava assustado com o escândalo do propinoduto que acabara de estourar
no Rio, no qual auditores federais e fiscais de renda enviaram ilegalmente US$
33,4 milhões a um banco na Suíça. Mesmo sem aparente ligação com a tramoia,
Cabral achou prudente ocultar os US$ 2 milhões que possuía numa conta no Israel
Discount Bank de Nova York. A quantia, então, foi transferida para duas contas
de Renato Chebar no mesmo banco e passaram a ser alimentadas da seguinte forma:
o doleiro recebia o dinheiro de origem ilícita em reais em seu escritório no
centro do Rio e emitia ordem para creditar o valor equivalente em dólar nas
contas do exterior. O homem da mala de Cabral, Sérgio de Castro Oliveira
(apelidado por um dos operadores, em e-mails, de Big Asshole), levava somas que
variavam de R$ 50 mil a R$ 250 mil.
A ascensão política de Cabral, que passou de deputado
estadual a senador e depois foi eleito governador, coincide com o aumento dos
montantes movimentados. Entre 2002 e 2007, as remessas somaram US$ 6 milhões.
Depois que virou governador do Rio, a Procuradoria da República atesta que
Cabral arrecadou US$ 100 milhões (R$ 320 milhões) e distribuiu a quantia em
diversas contas no exterior. Os doleiros também cobriam despesas de Cabral e
sua família. Em apenas um ano, diz a Procuradoria, o esquema bancou R$ 156 mil
em ternos italianos para o ex-governador e R$ 670 mil em joias compradas na
H.Stern. A ex-mulher de Cabral, Susana Neves, recebeu R$ 883 mil a título de
ajuda entre 2014 e 2016. O irmão mais novo, Maurício Cabral, também se
beneficiou da engrenagem, segundo os procuradores. Os dois foram alvo de
condução coercitiva na última quinta-feira.
A devassa levada a cabo pelo Ministério Público e pela
Polícia Federal avança cada vez mais na gestão do ex-governador do Rio. Até
aqui, sabia-se do envolvimento no esquema do ex-chefe da Casa Civil Wilson
Carlos e do ex-secretário de Obras Hudson Braga, ambos trancafiados. Um novo
personagem entrou em cena desta vez. Trata-se do empresário Francisco de Assis
Neto, mais conhecido como Kiko, que exerceu cargo de confiança na Secretaria de
Comunicação do estado. Os investigadores afirmam que ele recebeu do esquema R$ 7,7
milhões em 2014. A prisão preventiva de Kiko foi decretada na quinta-feira, e
até sexta-feira à tarde era considerado foragido. Eike, que chegou a Nova York
na manhã da quarta-feira passada e tinha destino desconhecido, estava na mesma
situação. Seu advogado, Fernando Martins, negociava na sexta-feira a
apresentação do cliente.
Não bastasse a enrascada da propina paga a agentes públicos,
Eike está sendo acusado também de mentir em depoimento ao Ministério Público,
fato que pesou para o pedido de sua prisão preventiva. O empresário havia sido
convocado em novembro pela Procuradoria da República no Rio para explicar o
pagamento de R$ 1 milhão ao escritório de advocacia da ex-primeira-dama Adriana
Ancelmo, que, como seu marido, está presa também em Bangu. Ele alegou que
fizera o pagamento ao escritório por orientação da Caixa Econômica Federal,
enquanto negociava a criação de um fundo de investimento em empresas de
infraestrutura. O banco estatal, porém, nega que tenha feito a indicação do
escritório.
2014 teve início o inferno astral de Eike com a Justiça, por
motivos diversos dos que o atormentam agora. Ele é réu em três ações penais por
crimes contra o mercado de capitais. De acordo com as investigações, o
empresário usou informações privilegiadas ao vender ações da empresa de
petróleo OGX e do estaleiro OSX. Antes de sacramentar a transação, apenas as altas esferas das
empresas em questão sabiam que elas estavam por um fio. Para piorar, enquanto
se desfazia das ações à sorrelfa, Eike usava as redes sociais para estimular
investidores a comprá-las. Por decisão judicial, ele teve recursos bloqueados e
bens apreendidos.
Desde que passou a desfrutar notoriedade como empreendedor
arrojado, processo que teve início em meados da década passada, Eike percorreu
uma trajetória que se confunde com a do próprio país. Assim como o crescimento
do Brasil e sua consequente projeção como uma das economias mais promissoras do
planeta, a ascensão do empresário atraía a admiração de investidores e homens
de negócios em geral. Tanto o Brasil quanto Eike beneficiavam-se do chamado
superciclo das commodities, puxado pelo forte crescimento chinês. O apetite
global pelo Brasil acabou criando uma bolha em torno dos projetos de Eike, que
se tornou mestre em criar empresas e levá-las à Bolsa de Valores, onde uma
euforia à beira do irracional tratava de jogar nas alturas o preço dos papéis.
Nos tempos de céu de brigadeiro, ele tinha rompantes de
cabotinismo e não se cansava de elogiar sua capacidade gestora. À medida que
decolavam no mercado de capitais, suas empresas davam impulso à escalada do
magnata na lista dos homens mais ricos do mundo. Em 2012, com fortuna estimada
de US$ 30 bilhões, ele chegou ao 7o lugar no ranking da revista Forbes.
Pretendia chegar ao topo até 2015, mas seu império desmoronou antes. A situação
começou a virar em 2013, quando ficou claro que as reservas de petróleo da OGX
estavam superestimadas. Um efeito dominó levou à derrocada de um a um de seus
negócios.
A ascensão de Eike revelou-se uma síntese do genuíno
capitalismo de compadrio brasileiro, em que o empreendedor se aproxima do poder
para obter benesses. Eike gostava de dizer que era um empresário diferente, que
não recorria ao poder público em busca de privilégios. Porém, a investigação de
agora sobre seu envolvimento no esquema de corrupção de Cabral desmente a tese.
No BNDES, o esquálido histórico de suas empresas nunca foi empecilho para que
conseguisse crédito. O banco não só lhe emprestava somas vultosas, como
comprava suas ações.
Eike virou um personagem folclórico, que extrapolou o mundo
dos negócios. Foi casado com a modelo Luma de Oliveira, com quem tem dois
filhos. Sua mansão nas franjas do Corcovado exibia na sala uma peça decorativa
insólita: um Lamborghini branco, confiscado pela Polícia Federal na
quinta-feira. Com o fracasso empresarial, o sujeito que gostava dos holofotes
tornou-se recluso. A reclusão, agora, pode virar compulsória. Caso seja preso,
Eike não tem direito a prisão especial, pois não concluiu o curso de engenharia
que iniciou na Alemanha. O “x” que o empresário sempre inseriu no nome de suas
empresas, por ser o símbolo da multiplicação, agora pode ganhar outro
significado – é o símbolo de incógnita e a inicial de xilindró.
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