sexta-feira, 30 de junho de 2017

O BISPO E OS BICHEIROS

Bruno Filippo, PIAUÍ

Quadra do Salgueiro, escolha do samba-enredo de 2017, um dos momentos mais importantes do universo das escolas de samba nos meses que antecedem o desfile. No palco, um diretor pega o microfone e anuncia: “Convoco a família salgueirense a votar Crivella 10 nessas eleições.” É madrugada do dia 12 de outubro de 2016, feriado de Nossa Senhora Aparecida – cuja imagem, vinte e um anos antes, foi chutada em frente às câmeras de televisão por um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, da qual Crivella é expoente-mor. Localizada na confluência entre Tijuca e Andaraí, na Zona Norte do Rio, a quadra é uma das mais frequentadas pela classe média de alto poder aquisitivo. A três semanas do segundo turno da eleição para prefeito do Rio de Janeiro, abafados por vaias, ouviam-se gritos de “Freixo”, em alusão ao candidato do PSOL – que estava em segundo lugar nas pesquisas. Constrangido, o diretor tentou amenizar o clima: “As pessoas são livres para votar em quem quiserem.”

l e contra os segmentos nele presentes de modo significativo: LGBTs, religiões de matriz africana, apostadores e controladores de jogos de azar. O descompasso ideológico era equivalente ao pragmatismo dos dirigentes das escolas de samba, cujos interesses privados se sobressaem nas negociações com o poder público. Desde o início da campanha, os bicheiros tinham um candidato: Pedro Paulo, do PMDB, herdeiro político do então prefeito Eduardo Paes, do mesmo partido, que tomou uma surra no primeiro turno sobretudo depois que se soube das denúncias de violência doméstica. Para os donos do Carnaval restaram dois Marcelos: o pastor evangélico e o jovem político de ideias socialistas. A opção por Crivella foi óbvia. E sua posterior vitória, um alívio. Se Freixo tivesse ganho, o status quo do Carnaval carioca estava ameaçado.

Na campanha do segundo turno, Marcelo Freixo e Marcelo Crivella encontraram-se com representantes do Carnaval. Falaram, a públicos distintos, o que eles queriam ouvir. Freixo congregou jornalistas, pesquisadores, representantes de blocos – boa parte identificada ideologicamente com os ideais do partido. Em resposta à acusação de Crivella, Freixo frisou que não queria acabar com a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) e manteve a promessa de aumentar a participação do poder público para garantir maior presença popular. Daí que uma de suas propostas tenha sido a criação da Subsecretaria Municipal do Carnaval, vinculada à Secretaria Municipal de Cultura.

Dirigentes das principais escolas de samba do Grupo Especial, da Liesa e de escolas menores abriram alas para Crivella. Foram dois os encontros com o bispo. Num deles, no comitê de campanha do candidato, ao lado da sede da Rede Record, em Benfica, produziu-se uma cena inesquecível, constrangedora: Crivella entoou, tendo-os ao seu lado, o refrão “O-lê-lê/O-lá-lá/pega no Ganzê/pega no Ganzá”, do Salgueiro de 1971. E disse partilhar com eles dos mesmos princípios: “Nós e vocês temos os mesmos sonhos e os mesmos princípios. Agradeço ao Freixo. Foi ele quem abriu as portas de minha candidatura para vocês. O Freixo fala que quer acabar com a Liesa. Vai ter que mudar o estatuto da Liga para evitar que a destruam. Gostaria que minha candidatura marcasse a fase contra a intolerância. O candidato não é o missionário ou o bispo.”

Não foi à toa que o Salgueiro, de forma explícita, transformou sua quadra em palanque para Crivella. As relações entre a escola e Freixo já não eram boas desde a eleição de 2012, em que ele saiu derrotado no primeiro turno para Eduardo Paes. Freixo atacara, em entrevista à Rede Globo, o enredo do Salgueiro para 2013, que recebera patrocínio da revista Caras. “Que sentido faz a Prefeitura patrocinar um enredo sobre a Ilha de Caras?”, perguntou, para sugerir que era necessário debater a relevância cultural dos enredos patrocinados. Jorge Castanheira, presidente da Liesa desde 2007, disse à época que o Carnaval não poderia correr o risco de aventuras.

Castanheira está na Liesa desde a sua fundação, nos anos 80, ocupou vários cargos até que, em meados dos anos 90, com os contraventores encarcerados pela sentença da juíza Denise Frossard, tornou-se o mais jovem presidente da entidade. Saiu por um período e retornou em 2001, como vice-presidente de Ailton Guimarães Jorge, o “Capitão Guimarães”, de quem é braço direito. “Jorginho é o meu candidato”, disse Guimarães aos presidentes das escolas, durante reunião na Liesa, chamada de plenária, semanas antes de uma eleição, no início dos anos 2010. Era a senha para que eles votassem, mais uma vez, pela reeleição de Castanheira, que é chamado pelos mais íntimos pelo primeiro nome no diminutivo. Em 2007, com a Operação Furacão, que desbaratou o esquema que envolvia magistrados, advogados, policiais e empresários com a máfia dos caça-níqueis, Capitão Guimarães foi preso, e novamente Castanheira voltou à Presidência. Ele pouco lembra o perfil antropomórfico, algo folclórico, de contraventor: articulado, discreto, veste-se com elegância, dispensa adereços como relógio, cordões e pulseiras de ouro. “Jorginho foi criado para ser limpo”, disse-me uma pessoa próxima a ele, sob a condição de anonimato. “Ele não é contraventor.” Castanheira esteve no encontro com Crivella. E, em parte pelo seu perfil, em parte por talvez duvidar da palavra do candidato, ficou de semblante sério na cena do “Pega no Ganzê”. Passou longe de Freixo – e não seria bem-vindo pela militância presente.

A Liesa foi criada em 1984, três meses depois do Carnaval que inaugurou o Sambódromo, no início do primeiro governo de Leonel Brizola (1983-1987) no estado do Rio, quando o prefeito da cidade – na ocasião, Marcello Alencar – era indicado pelo governador. Paulatinamente, no período que coincide com a eleição direta para a Prefeitura do Rio, a Liesa passou a acumular a representação das escolas com a organização e a execução do evento, assumindo prerrogativas que cabiam à Riotur, empresa vinculada à Secretaria de Turismo. No livro O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos de Sambódromo, de Luiz Carlos Prestes Filho, há o relato de como a Liesa, sob a Presidência de Aniz Abraão David, conhecido como Anísio, pressionou o então prefeito Roberto Saturnino Braga – o primeiro eleito democraticamente, em 1985 – para obter, já no ano seguinte, parte da receita proveniente com o desfile. “O prefeito disse que estávamos realizando uma prestação de serviços, como se fôssemos um bloco. Fiquei revoltado, pedi para ele entender que as escolas fazem algo diferente: realizamos um espetáculo e avisei que ia pedir para nenhuma agremiação assinar o contrato com a Prefeitura, e que queríamos uma participação nas receitas. Se o futebol tinha, porque nós não poderíamos ter? Quando percebi que ele estava irredutível, afirmei: ‘prefeito, eu não estou aqui vendendo crioulo, estou defendendo os artistas e as comunidades que realizam o espetáculo do Carnaval, trabalho para os sambistas’”, lembrou Anísio, em depoimento reproduzido pelo autor. Saturnino Braga cedeu, e de início propôs o valor de 20%; Anísio queria mais e conseguiu: a Liesa ficou com 33%.

Lançado em dezembro de 2015, o livro traz na capa quatro contraventores: Anísio, Capitão Guimarães, Luizinho Drummond e Carlinhos Maracanã. Atribui-se a eles a transformação do desfile em espetáculo.  Prestes Filho foi o responsável por levar as escolas a reunir-se com Crivella em Benfica. Por 13 carnavais, dos nove aos 24 anos, o sétimo dos dez filhos do líder comunista Luiz Carlos Prestes passou na fria Rússia, exilado que sua família estava da ditadura militar. Estudou no Instituto Estatal de Cinema da União Soviética, onde se formou na cadeira de “Direção e produção de filmes, televisão e cinema”.  De volta ao Brasil nos estertores da ditadura, em 1983, Prestes Filhos, hoje com 57 anos, dedica-se a estudar a produção cultural sob o prisma econômico. Publicou A Cadeia Produtiva da Economia da Música e A Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval. Está preparando A Cadeia Produtiva da Economia dos Jogos. Em novembro de 2015, visitou o Congresso Nacional e entregou a parlamentares material sobre o assunto. A legalização dos jogos é um tema que vai ao encontro dos interesses dos contraventores. Ainda no primeiro turno da campanha de 2016, gravou um vídeo em apoio a Crivella com a seguinte mensagem: “Querem reduzir a verba para o maior evento cultural do mundo que é o Carnaval. Nós temos de votar em Crivella porque ele disse: ‘O Carnaval de 2017, o primeiro como prefeito, vai ser um dos maiores carnavais de todos os tempos.’ A economia do Carnaval é muito importante para a nossa cidade.” O vídeo ainda está disponível numa rede social. Seu apoio a Crivella fez membros da família Prestes lançar um manifesto em defesa de Freixo.

Outro marco simbólico da conquista de espaço pela Liesa ocorreu no ano de 1987. A responsabilidade pela escolha dos julgadores, um ponto sempre sensível e polêmico, passou à entidade fundada e até hoje é controlada pela contravenção. Foi um desastre. O resultado desagradou até a surpreendente campeã Mangueira, a ponto de seu presidente, Carlos Alberto Dória, declarar, logo após o resultado, que desejava que a escolha dos jurados voltasse à Riotur, e ameaçar abandonar a Liesa. Dória foi assassinado em outubro daquele ano, e o crime nunca foi esclarecido.

A Prefeitura ainda era comandada por Saturnino Braga, e a Câmara dos Vereadores esboçou reação à investida da contravenção. Em maio de 1988, aprovou projeto de estatização do Carnaval carioca, pela qual a administração do Carnaval passava inteiramente à Prefeitura, o que significava, também, tirar da Liesa o poder de negociar os direitos de transmissão de tevê. O autor do projeto, vereador Maurício Azedo, justificou-o sob a alegação de que era a única maneira de resgatar a imagem da Prefeitura, manchada pelo monopólio dos bicheiros sobre o Carnaval. A Liesa ameaçou não realizar o desfile. E foi além: como haveria eleição municipal em novembro, escolas de samba afixaram em suas quadras a relação dos 12 vereadores que foram favoráveis ao projeto. Com uma tarja negra, a lista pedia aos componentes que não votassem neles. Um dos 12 vereadores foi o ex-jornalista Sérgio Cabral, consagrado estudioso da música e da cultura popular brasileira, cuja obra e reputação estão hoje ofuscadas pelas estripulias do filho, ex-governador do Rio, condenado e cumprindo pena pela Operação Lava Jato. Dois anos depois, Sérgio Cabral, pai – que em suas obras sempre foi um crítico da presença dos bicheiros nas escolas de samba – acabou afastado das transmissões da extinta Rede Manchete a pedido de Capitão Guimarães. O projeto foi sancionado por Saturnino; porém, três meses depois, ele decretou falência da Prefeitura, numa das mais graves crises financeiras da cidade, e o confronto que se prenunciava não aconteceu.

No primeiro mandato de Cesar Maia (1993-1996), a Prefeitura cedeu totalmente à Liesa a administração dos desfiles no Sambódromo. Entre os dois mandatos posteriores (2001-2004 e 2005-2008), o pai de Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara dos Deputados, desembolsou  102 milhões de reais dos cofres municipais para construir a Cidade do Samba, e nela viu, como deferência, seu busto erguido logo na entrada principal. Inaugurada oficialmente em fevereiro de 2006, o espaço solucionou o problema do local para a preparação do Carnaval pelas principais escolas de samba. Num terreno que pertencia à Rede Ferroviária Federal, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, ergueram-se 14 galpões com sete mil metros quadrados e 19 metros de altura cada um. Foi nesse período que estourou uma das maiores tensões no Carnaval: a Operação Furacão. Na casa de Júlio Guimarães Sobreira, sobrinho de Capitão Guimarães, foram encontrados 9 milhões de reais dentro de uma câmara secreta. Ele era o coordenador dos jurados do Grupo Especial. Em entrevista ao Fantástico, o delegado Emanuel Henrique Oliveira, da Polícia Federal, disse haver indício de que o resultado do Carnaval de 2007, vencido pela Beija-Flor, fora comprado. Baseou-se ele em escutas telefônicas. Uma CPI na Câmara dos Vereadores foi instalada. A denúncia não foi comprovada, mas o relatório da comissão questionou a relação entre o poder público e a Liesa e pediu mais transparência na escolha dos jurados.

O peemedebista Eduardo Paes, que lhe sucedeu, foi o prefeito-sambista. No início de seu mandato, como consequência da Operação Furacão, teve de abrir licitação para escolher a empresa organizadora do Carnaval. Não houve concorrente – e, nos bastidores, comentava-se que, se houvesse e fosse vencedora, teria muita dificuldade para acertar-se com as escolas de samba.  A Liesa não perdeu o posto. Declarado torcedor da Portela, em cuja bateria chegou a desfilar tocando agogô, Paes dobrou a subvenção municipal, de 12 para 24 milhões, quando as contas do governo estadual, que contribuía com metade do valor, começaram a dar sinais de colapso. Foi esse o valor que Crivella prometeu manter ou até aumentar, se fosse possível.

Pelo programa de governo de Freixo, a Subsecretaria Municipal do Carnaval assumiria “a organização do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, privilegiando os valores culturais e garantindo a correta gestão dos recursos públicos destinados às agremiações”. O candidato do PSOL previa também “recuperar o projeto original do Sambódromo”, com o uso das frisas, ou um lado delas, como uma grande “geral”, com preços populares. Isso significaria queda de receita, uma vez que as frisas são os setores mais caros do Sambódromo, depois dos camarotes.  A possibilidade de dirigismo cultural nos enredos não sofreu mudança, não obstante a polêmica de 2012, uma vez que uma das propostas é “condicionar a subvenção pública às escolas de samba à relevância cultural dos enredos, buscando a gestão criteriosa de recursos para que as escolas não se tornem canais de propaganda: caso uma agremiação opte por retratar uma marca comercial, propomos que a mesma não receba verba pública, mas tenha garantido seu direito de desfilar utilizando-se de verba privada”.

O programa de Freixo para o Carnaval tinha nove itens. O de Crivella, só um: “Manter o apoio da Prefeitura aos desfiles das Escolas de Samba e democratizar o patrocínio aos blocos de rua, dando mais autonomia para captação de recursos por parte dos mesmos e estabelecendo parcerias com as associações de blocos para que os desfiles transcorram com a segurança e a infraestrutura necessárias (banheiros químicos, presença da Guarda Municipal, da Comlurb e de operadores de trânsito).” O apoio aos blocos não lhe trouxe vantagens eleitorais. Muitos deles declararam apoio a Freixo. Responsáveis pela revitalização do Carnaval de rua nas últimas duas décadas, num movimento que se alastra por São Paulo e Belo Horizonte, os blocos estão concentrados no Centro e na Zona Sul – e foi nesta região que Freixo teve seu melhor desempenho no segundo turno.

Na noite de 30 de outubro, quando o resultado da apuração o tornou prefeito, Crivella comemorou com assessores na sede do Bangu Atlético Clube. Agradeceu à Igreja Católica, aos candomblecistas, aos umbandistas e “aos que não têm religião.” E rezou um Pai-Nosso, antes que a bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel o saudasse estrondosamente. Eleito, Crivella nomeou Nilcemar Nogueira para a Secretaria de Cultura. Militante da agenda da diversidade, ex-dirigente da Mangueira, neta de Dona Zica, com quem Cartola foi casado, Nilcemar – uma das herdeiras da obra do autor de As Rosas Não Falam e O Mundo É um Moinho – parecia a contrapartida ao apoio da cúpula das escolas, e sua nomeação foi saudada como sinal de compromisso de Crivella com segmentos que, durante a campanha, foram contrapostos ao seu passado como missionário da Igreja Universal. (O Globo publicou uma série de reportagens sobre o livro lançado em 1999, em  língua inglesa, com relatos de sua experiência na África. No livro, Crivella ataca a homossexualidade e diversas religiões, incluindo a Católica, pelo que teve de pedir desculpas). A Secretaria de Cultura, no entanto, não tem ingerência sobre a organização do Carnaval.

Os sonhos e princípios que uniam, na campanha eleitoral, o Carnaval e os evangélicos começaram a mostrar-se diferentes na Sexta-Feira Gorda. Crivella não foi ao Sambódromo fazer a abertura oficial do Carnaval, o seu primeiro como prefeito. Nem avisou a quem por ele esperava. Nesse dia, postou um vídeo em que visita uma obra. “A gente não sabe sambar, mas sabe trabalhar”, dizia a legenda.  Tampouco deu as caras domingo e segunda, dias em que as principais escolas desfilam. Coube a Nilcemar representá-lo. Ao contrário da fala de Prestes Filho, o Carnaval de 2017 não foi o melhor de todos os tempos – bem ao contrário, pode ser enquadrado como o pior da história no que toca à organização.

Dois graves acidentes com carros alegóricos, um em cada dia, deixaram mais de trinta feridos. O mais grave foi logo na abertura. Uma das vítimas, esmagada contra as grades, morreu depois de dois meses internada. No calor do acontecimento, um diretor da Liesa insinuou que a culpa era das vítimas, por estarem na pista atrapalhando a evolução das escolas. Crivella recebeu críticas de jornalistas por não estar presente ao Sambódromo. “Não fui porque no meu caso seria demagogia. E os malefícios da demagogia na vida pública são extensos”, disse ele, por meio de nota oficial, na Quarta-feira de Cinzas. Antes, visitara as vítimas no hospital.

Por pressão de Anísio Abraão David, rasgou-se o regulamento: nenhuma escola seria rebaixada.  Tudo foi creditado, pela Liesa, a uma fatalidade, que eximiu duas escolas de responsabilidade. Como se não bastasse tamanho problema, a Liesa teve de declarar uma segunda escola de samba campeã no início de abril. Um jurado teria sido induzido a erro por falha de comunicação da própria Liesa. Por pressão de Capitão Guimarães, a maioria dos presidentes aceitou que a Portela dividisse o título com a Mocidade – escola comandada por Rogério Andrade, sobrinho de Castor de Andrade, velho capo da contravenção, morto em 1997. Jorge Castanheira era contra as duas decisões. 

Recentemente, soube-se que a Prefeitura pretende diminuir a subvenção pública a cada uma das escolas de samba, fazendo-a retornar, no caso do Grupo Especial, ao valor de 1 milhão de reais, o equivalente ao que se pagava antes de 2015. Escolas menores e blocos também receberão menos. A Liesa, em nota oficial, ameaça não desfilar em 2018. O deputado estadual Chiquinho Carvalho, do Partido Trabalhista Nacional, presidente da Mangueira, que fora um dos mais entusiastas apoiadores de Crivella, subiu o tom. “Ele (Crivella) não sabe do que somos capazes”, disse a uma emissora de rádio do Rio. Em nota oficial, a Mangueira falou em “organizar e mobilizar jornadas de luta em defesa do samba, da arte e do nosso Carnaval” Jornalistas e pesquisadores envolvidos com o assunto estão preocupados com o caráter religioso da medida. “Ele não tem palavra. É um homem público que não tem palavra. É um crime o que ele está cometendo contra os trabalhadores do Carnaval”, disse-me Luiz Carlos Prestes Filho.

A Prefeitura diz que as reações são exageradas e que o corte se deve a questões de orçamento. A Riotur está elaborando um planejamento para atrair investidores privados. Vem dos vereadores do PSOL a reação institucional mais articulada contra essa medida, por meio de audiências públicas, comissões especiais e pedidos de CPI na Câmara dos Vereadores. É o mesmo local em cujo púlpito o vereador Otoni de Paula Jr., do Partido Social Cristão, disse que “o Carnaval do Sambódromo se tornou verdadeiro culto a orixás, caboclos e guias”. E que “todo mundo que vai ao Sambódromo volta com o seguinte relatório: é sacanagem a céu aberto, é prostituição, é mulher pelada”. Crivella garante que não volta atrás.

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EM BUSCA DO HORIZONTE

Artigo de Fernando Gabeira
O naufrágio é a perda do horizonte. Estamos todos em busca do horizonte. O período que se abre com a denúncia contra Temer tende a ser bastante confuso. Mas é, de certa forma, um passo previsível na trajetória da crise em que nos metemos.
Procuro alguns elementos na conjuntura que nos possam ajudar a navegar na neblina. Os barcos dispõem de sensores precisos. Não temos instrumentos científicos, apenas algumas intuições. Nossa neblina é mais densa que a simples condensação de água evaporada.
No entanto, algo se move e duas pequenas luzes parecem tremular ao longe. Uma delas tranquiliza: a corrupção não acabou, mas dificilmente terá, nos próximos meses, a mesma intensidade e ousadia do passado. O risco ficou maior: políticos e empresários não ignoram esse fator. A outra pequena luz é apenas uma referência. Ela indica que todas as saídas de curto prazo passam pelo Congresso. Aceitar ou não a denúncia contra Temer, eleger seu substituto ou mesmo alterar a Constituição, tudo passará por ali.
À medida que nos aproximamos do ano eleitoral, cresce o poder da sociedade sobre o Congresso. Pelo menos tem sido assim: com voto aberto formam-se maiorias que o segredo sufoca.
É verdade que esse Congresso abriu um imenso abismo entre ele e a sociedade. Mesmo assim, o instinto de sobrevivência costuma reaparecer nessa época. Não creio que a sociedade vá moldar o caminho em todos os seus detalhes, mas tem condições de escolher as linhas gerais, na medida em que as escolhas sejam postas.
Será difícil a cada instante debruçar-se sobre uma realidade deprimente, vencer a repulsa diante de um jogo político tão baixo. Mas é preciso.
De modo geral, o interesse pela política cresce nas vésperas das eleições.
A denúncia contra Temer encontra nele a mesma resistência que encontram as denúncias contra Lula. Não há provas concretas, dizem ambos, antes de atacar os acusadores, ressaltando que são perseguidos políticos.
Ela pode ser rejeitada ou não pela Câmara dos Deputados. Uma vez que o presidente duvida das provas, questiona sua concretude e conclui pela inépcia da denúncia, o ideal seria levar o tema ao STF.
Naturalmente, qualquer pessoa tem ideia do que é uma prova. Mas ultimamente essa palavra tem sido tão questionada que, ao contrário de outros povos, os brasileiros terão um grau superior de conhecimento sobre prova. Num futuro próximo talvez todos nós tenhamos uma ideia de prova, assim como temos uma escalação ideal para a seleção brasileira.
Para alguns, não há provas de que a mala com R$ 500 mil levada pelo deputado Rocha Loures tenha relação com Temer. Há apenas uma conversa entre o presidente e Joesley Batista, na qual Temer indica Loures como seu interlocutor de confiança.
Não há imagens de Rocha Loures entregando o dinheiro a Temer. Não há certidões oficiais que liguem Lula aos imóveis que a Justiça lhe atribui.
Os defensores mais ardorosos sempre poderão perguntar: onde está a imagem de Temer no táxi, recebendo a mala com que Rocha Loures saiu correndo da pizzaria? Onde está o registro de posse de Lula?
Uma das razões por que a denúncia contra Temer deveria ser aceita pela Câmara é a possibilidade de o tema ser discutido pelo Supremo, onde cada um dos juízes pelo menos já discutiu centenas de vezes o que é uma prova e os limites de sua validade. Mas mesmo no caso de a questão subir para uma decisão do STF, a sociedade está sempre sujeita, como no caso do TSE, a um conflito típico da fábula O Lobo e o Cordeiro.
A suposição é de que gastarão horas e latim para definir o que é um prova, qual a superioridade de uma prova sobre outra, antes de apresentarem o seu veredicto. Ao cabo dessa discussão podem concluir que existem provas e que são abundantes, mas devem ser ignoradas, em nome da estabilidade do País.
Creio que a sociedade esteja acompanhando tudo isso. E o fato de não se ter manifestado com ênfase se deva à própria confusão do quadro político.
O que seria eficaz nessas circunstâncias? O movimento “fora Temer”, inspirado pela esquerda, tem uma visão clara de combater as reformas. Até mesmo a reforma trabalhista, que contempla as transformações do capitalismo e uma nova correlação de forças.
Os trabalhadores reais que se viram num mundo precário não contam tanto como os sindicalizados, os que trabalham com relógio de ponto, numa disciplina fabril. Trabalhadores, para a esquerda clássica, são os que alimentam os cofres dos sindicatos com os impostos e povoam a ideia de uma classe operária dos livros marxistas do século 20.
À precarização do trabalho a esquerda responde com uma aspiração saudosista de voltarmos todos à segurança do passado, algo desejável, mas distante da vida real de quem se vira para sobreviver num mercado em mutação. Essa reforma seria importante no momento.
A da Previdência é necessária, no entanto, mais complicada. Precisaria de ter um foco no serviço público, que tem grande peso nos gastos e na cobrança da dívida das grandes empresas.
Isso só se consegue com apoio popular. As corporações têm muita capacidade de mobilização e as grandes empresas, poderosos defensores. Daí a expectativa de uma reforma da Previdência a partir da legitimidade do novo governo.
Apesar de toda a confusão, a sociedade não pode observar o que se passa como se tivesse um satélite explorando Jupiter. A crise é real, sobretudo para quem vive no Rio, onde há uma dezena de tiroteios por dia e um roubo de carga por hora.
Não se trata apenas do fracasso de um sistema político-partidário. Sem interferência da sociedade ele acabará arruinando o País por décadas.
O que fazer nessa confusão, o que escolher como prioridade para evitar o pior? Já observamos muito o caos. Talvez seja hora de atenuá-lo.
Artigo publicado no Estadão em 30/06/2017
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MORRE PAULO NOGUEIRA

Morreu na noite de quinta-feira (29) o jornalista Paulo Nogueira, aos 61 anos. Há cerca de dez meses ele lutava contra um câncer, segundo o site Diário do Centro do Mundo, fundado por Paulo.
Nogueira teve uma longa carreira jornalística, passando por vários veículos de comunicação. Foi repórter de Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame e diretor editorial na Editora Globo.
O corpo de Paulo Nogueira será velado no no Cemitério Gethsêmani, no Morumbi, entre as 10h e as 15h desta sexta (30).
Do G1
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quarta-feira, 28 de junho de 2017

TRAMA DE NOVELA

Do G1
O presidente Michel Temer afirmou na tarde desta terça-feira (27) que não há provas concretas na denúncia por corrupção passiva contra ele apresentada nesta segunda (26) ao STF pela Procuradoria Geral da República. Segundo ele, a peça acusatória é uma "ficção" (veja e leia a íntegra do pronunciamento).
Foi a primeira fala de Temer desde que a denúncia foi apresentada, na noite desta segunda. Ele fez o pronunciamento no Salão Leste do Palácio do Planalto. O presidente chegou ao local acompanhado de diversos ministros e parlamentares da base aliada, que se postaram de pé ao lado do presidente em sinal de apoio.
Veja os principais argumentos utilizados pelo presidente no pronunciamento:
Disse que é vítima de infâmia.
Cobrou provas concretas.
Afirmou que a denúncia é "frágil" e peça de "ficção".
Atacou a PGR e disse que ex-procurador se tornou advogado da JBS.
Disse que os acusadores reinventaram o Código Penal e criaram "denúncia por ilação".
Afirmou que o "senhor grampeador" Joesley Batista é criminoso.
Disse que gravação de conversa com Joesley é "prova ilícita".
Criticou o fatiamento da denúncia e disse que a PGR quer "paralisar o país".
"Eu tive ao longo da vida uma vida, graças a Deus, muito produtiva e muito limpa. E exatamente neste momento, em que nós estamos colocando o país nos trilhos, é que somos vítimas dessa infâmia de natureza política. [...] Eu fui denunciado por corrupção passiva. Notem, vou repetir a expressão, corrupção passiva a essa altura da vida, sem jamais ter recebido valores. Nunca vi o dinheiro e não participei de acertos para cometer ilícitos. Onde estão as provas concretas de recebimento desses valores? Inexistem", afirmou o presidente.
Na denúncia, Rodrigo Janot afirmou que as provas de que Temer recebeu dinheiro de propina são "abundantes". Antes da denúncia, em um relatório elaborado após as investigações, a Polícia Federal afirmou que as provas colhidas no inquérito indicam "com vigor" que Temer praticou corrupção.
"Criaram uma trama de novela. Eu digo, sem medo de errar, que a denúncia é uma ficção. [...] Tentaram imputar a mim um ato criminoso e não conseguiram porque não existe, juridica ou politicamente", complementou.
Em outro momento do pronunciamento, Temer se disse tranquilo, do ponto de vista jurídico. Isso porque, para ele, não há fundamentos que embasem a denúncia.
"Eu não me impressiono, muitas vezes, com os fundamentos, ou quem sabe até a falta de fundamentos jurídicos, porque advoguei por mais de 40 anos. Eu sei bem como são essas coisas. Eu sei quando a matéria é substanciosa, quando tem fundamentos jurídicos e quando não tem. Então, sob o foco jurídico a minha preocupação é mínima", afirmou o presidente. Segundo ele, acrescentou-se ao direito penal "uma nova categoria: a denúncia por ilação".
No discurso, o presidente afirmou que não lhe falta coragem para "seguir na reconstrução do país" e disse que tem "orgulho" de ser presidente.
"Eu tenho orgulho de ser presidente, convenhamos, é uma coisa extraordinária. Para mim é algo tocante, é algo que não sei como Deus me colocou aqui. Dando-me uma tarefa difícil, mas certamente para que eu pudesse cumpri-la. Portanto, tenho a honra de ser presidente, especialmente, não porque sou presidente, mas é pelos avanços que o meu governo praticou.. [...] Não me falta coragem para seguir na reconstrução do país, e convenhamos, na defesa da minha dignidade pessoal", concluiu.
Janot
O presidente dedicou parte do pronunciamento a atacar o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Ele disse que, se quisesse usar o método da “ilação”, poderia levantar suspeitas sobre o ex-vice-procurador, Marcelo Miller, que, segundo afirmou, é ligado a Janot.
Marcelo Miller integrou a força-tarefa da Operação Lava Jato até pouco antes de o empresário Joesley Batista e outros executivos da holding controladora do frigorífico JBS fecharem acordo de delação premiada. Ele deixou a PGR em março e foi trabalhar no escritório de advocacia contratado pela JBS para fechar o acordo de delação premiada.
“Eu dou o nome desse procurador da República, Marcelo Miller, homem da mais estrita confiança do procurador-geral. Pois bem. Eu, que sou da área jurídica, digo a vocês que o sonho de todo acadêmico em Direito, de todo advogado era prestar concurso para ser procurador da República. Pois bem. Esse senhor que eu acabei de mencionar deixa o emprego, que é o sonho de milhares de jovens, acadêmicos, abandona o Ministerio Público para trabalhar em uma empresa que faz delação premiada para o procurador”, disse Temer.
Temer disse que Miller não cumpriu quarentena (período que um servidor tem de aguardar após deixar o serviço público e antes de ingressar no setor privado). "O cidadão saiu e já foi trabalhar, depois de procurar a empresa para oferecer serviços, foi trabalhar para esta empresa e ganhou, na verdade, milhões em poucos meses", afirmou.
Para Temer, Marcelo Miller "garantiu ao seu novo patrão, o novo patrão não é mais o procurador-geral, é a empresa que o contratou, um acordo benevolente, uma delação que tira o seu patrão das garras da Justiça, que gera, meus senhores e minhas senhoras, uma impunidade nunca antes vista", declarou. "E tudo ratificado, assegurado pelo procurador-geral".
À noite, Marcello Miller divulgou comunicado no qual disse que somente se manifestará sobre as declarações de Temer "perante as autoridades".
"Não cometi nenhum ato irregular, mas não responderei às afirmações a meu respeito pela imprensa. Apenas me manifestarei perante as autoridades com competência para examinar os fatos e com interesse na aferição da verdade", disse.
'Ilações'
O presidente também afirmou que poderia fazer "ilações" em relação ao destino da remuneração do ex-procurador, mas que não faz porque não pode "ser irresponsável".
"Pelas novas leis penais, que eu estou dizendo da chamada ilação, ora criada nesta denúncia, que não existe no Código Penal, poderíamos concluir nessa hipótese que estou mencionando, que talvez os milhões de honorários recebidos não fossem unicamente para o assessor de confiança, que, na verdade, deixou a Procuradoria para trabalhar nessa matéria. Mas eu tenho responsabilidade. Eu não farei ilações. Não farei ilações. Eu tenho a mais absoluta convicção de que não posso denunciar sem provas. Não posso fazer, portanto, ilações. Não posso ser irresponsável", declarou Temer.
O presidente disse ainda que a "embriaguez da denúncia" apresentada por Janot "busca a revanche, a destruição e a vingança".
Outras denúncias
Além da denúncia por corrupção, Temer e Rocha Loures são investigados em inquérito por obstrução de justiça e organização criminosa. Por isso, existe a possibilidade de que, nos próximos dias, ambos sejam alvos de duas novas denúncias da PGR.
No pronunciamento, o presidente criticou o eventual fatiamento da denúncia. Para Temer, a estratégia de Rodrigo Janot visa "paralisar o país".
"Ainda se fatiam as denúncias para provocar fatos semanais contra o governo. Querem paralisar o país, querem paralisar o Congresso num ato político com denúncias frágeis e precárias", criticou Temer.
Ao finalizar o discurso, Michel Temer disse que não permitirá que o acusem de crimes. "Não fugirei das batalhas. Nem da guerra que temos pela frente".
Entre os parlamentares presentes ao pronunciamento do presidente estava Alceu Moreira (PMDB-RS), um dos cotados para ser indicado relator da denúncia contra Temer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Também compareceram, entre outros, os deputados Nelson Marquezelli (PTB-SP), Ricardo Izar (PP-SP), Jovair Arantes (PTB-GO), Darcísio Perondi (PMDB-RS), Hugo Motta (PMDB-PB), Mauro Pereira (PMDB-RS), Izalci Lucas.(PSDB-DF), Pedro Paulo (PMDB-RJ) e Alfredo Kaefer (PSL-PR), além do presidente do Conselho de Ética da Câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA).
A acusação formal contra ele foi enviada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF) na noite de segunda-feira (26), por volta das 20h.
No mesmo dia, Temer se reuniu a portas fechadas com ministros e aliados políticos até pouco depois das 23h. Nesta terça, a habitual reunião pela manhã no gabinete presidencial com assessores e ministros próximos não foi realizada. Temer permaneceu durante a manhã no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidência, local onde reside.
É a primeira vez na história do Brasil que um presidente da República foi denunciado por corrupção durante o exercício do mandato.
Antes de a denúncia ser apreciada pelo STF, caberá à Câmara (primeiro, na CCJ e, depois, no plenário) decidir sobre o prosseguimento da acusação.
A denúncia
A denúncia foi baseada na delação de executivos da JBS. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirma que, "com vontade livre e consciente", Temer "recebeu para si, em razão de sua função", por intermédio do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), atualmente preso, R$ 500 mil oferecidos pelo grupo J&F, ao qual pertence o frigorífico JBS, do empresário Joesley Batista.
Além disso, de acordo com a acusação, Michel Temer e Rocha Loures aceitaram ainda a promessa de vantagem indevida no montante de R$ 38 milhões para atuação em defesa dos interesses da empresa.
O Ministério Público Federal reconstituiu todos os fatos, do encontro entre Joesley Batista e Temer no Palácio do Jaburu até a entrega de uma mala com R$ 500 mil a Rocha Loures em São Paulo.
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terça-feira, 27 de junho de 2017

BOLETIM MÉDICO

O senador João Alberto (PMDB-MA) foi internado às pressas no Hospital das Forças Armadas, em Brasília, e será submetido a uma cirurgia cardíaca, informou na tarde desta terça-feira (27) a assessoria do parlamentar.
Segundo a assessoria, ele sentiu tontura e sofreu desacelaração cardíaca. O objetivo da cirurgia é a colocação de um marca-passo.
No último dia 6, João Alberto (MA) foi reeleito presidente do Conselho de Ética do Senado. É a sexta vez que o parlamentar do Maranhão assume a função.
Na sexta-feira (23), João Alberto decidiu arquivar pedido de cassação do mandato do senador Aécio Neves (PSDB-MG). O pedido foi formulado pelos partidos Rede e PSOL. Nesta terça, um grupo de senadores protocolou recurso contra a decisão.
Se João Alberto se afastar, assumirá a presidência do Conselho de Ética o senador Pedro Chaves (PSC-MS), vice-presidente do órgão. Ele é um dos cinco senadores que assinou o recurso para desarquivar o pedido de cassação de Aécio.
Do G1
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segunda-feira, 26 de junho de 2017

DESARMONIA INSTITUCIONAL

Gaudêncio Torquato, Blog do Noblat
Por que a corrupção tanto se expandiu no Brasil, nos últimos tempos, se os órgãos de controle do Estado ganharam sólidas estruturas e melhoraram seu desempenho? A questão é instigante e merece reflexão. Certamente, há múltiplas causas para a extensão da criminalidade que age à sombra do Estado.
Por mais que a hipótese possa parecer absurda, uma das fontes do poder oculto é a própria Constituição de 88. Nossa Lei Maior é grande responsável por mazelas, distorções e ilegalidades.
Vamos explicar. Ao abrir o leque de direitos sociais e individuais, a Constituição Cidadã construiu vigas com a argamassa da autonomia, das liberdades e das competências funcionais.
Sistemas e aparelhos se robusteceram para exercer com independência suas tarefas. Estado liberal e Estado social tiveram de convergir na direção do Estado Democrático de Direito. Sob sua égide, o Poder Judiciário assumiu posição de relevo. Hoje, exerce papel preponderante na construção de nossa via de­mocrática.
Como já tivemos oportunidade de mostrar, em razão dos buracos abertos na Constituição – não preenchidos por legislação infraconstitucional – o Poder Judiciário passou a realizar tarefas que caberiam ao Poder Legislativo.
Urge reconhecer: o corpo parlamentar deixou espaços vazios, ao não dar respostas à questões transcendentais. Como não ocupou os imensos vácuos abertos na CF, outro Poder teria de fazê-lo. É o que ocorreu e vem ocorrendo. (A propósito, compete ao Supremo afastar um senador ou autorizar sua prisão?).
Portanto, o teor crítico à judicialização da política deve levar em consideração a ausência de legislação infraconstitucional. Razoável parcela de tensões entre os Poderes pode ser creditada a essa situação.
Disputas e tensões
Mas outras instituições do Estado, voltadas para a defesa do regime democrático, da ordem jurídica e de defesa da sociedade também ganharam impulso. O Ministério Público, alçado à condição de instituição essencial à função jurisdicional do Estado e com acrescida bagagem normativa, incorporou de maneira plena a missão de ser o guardião mor da sociedade. Sua atuação ganhou o respeito dos cidadãos.
Nos últimos tempos, porém, sua atuação passou a ser ques­tionada. Razões: o excesso de exposição pública, o açodamento e pressa em suas ações, certo toque de brilho e vaidade que parece motivar a farta expressão de procuradores na mídia e mesmo uma dose de arrogância.  Ou seja, discrição e comedimento são deixados de lado.
A par de decisões polêmicas como essa do Procurador Geral da República, que aceita um acordo de delação premiada por parte de um personagem que confessa uma infinidade de crimes, mas ganha o perdão por delatar a figura do presidente da República. O fato causa estranheza.
Já a Polícia Federal ganhou força como órgão encarregado de exercer a segurança pública para pre­servar a ordem e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Passou a agir em parceria com o Judiciário, mas abriu arestas com o MP, com quem parece disputar funções, particularmente no campo da investigação. Sua extensa folha de serviços, alargada por maior profissionalismo, penetra nos cantos obscuros da vida criminosa e nos porões incrustados nas malhas da administração pública. Mas também é criticada por imprimir certa camada de espetacularização nas ações que ganham nomes simbólicos – prisões, condução coercitiva, apreensão de documentos etc. Os papéis foram bem definidos pela CF, que propiciou ao aparelho do Estado a com­petência para organizar estruturas e métodos capazes de garantir a sua segurança e alcançar o equilíbrio social.
Invasão de competências
Outros aparelhos também fazem apurações e controles, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Corre­gedoria-Geral da União, além dos instrumentos do Parlamento, como a Comissão Mista de Controle sobre Atividades de Inteligência e Comissões Parlamentares de Inquérito. Em suma, o Estado possui má­quina mais que suficiente para monitorar as retas e curvas das pessoas físicas e jurídicas. Mas há muitas curvas nessas trilhas.
A pletora de órgãos de controle abre imensos espaços, propiciando a interpenetração de funções e competências. Não raro, os membros de cada setor divergem, alguns se queimando no fogo das vaidades. No Estado-Espetáculo, os atores tentam, cada qual a seu modo, chamar a atenção.
E assim, o bem-estar coletivo fica sob a égide do personalismo que caracteriza a atuação dos aparelhos do Estado. Fulanos e sicranos têm seus nomes criticados ou elevados ao Panteão da Pátria. A crise que solapa a base da política afunda os participantes da esfera congressual e dá impulso a membros de outros Poderes.
O juiz Sérgio Moro e o procurador Delton Dellagnol ganham loas da sociedade. Alas e grupos se formam no interior de estruturas disputando posições. Basta ver os nomes – oito – que disputam de maneira aguerrida o cargo de Procurador Geral da República na vaga de Rodrigo Janot.
A desarmonia se expande na esteira das disputas. Os círculos de negócios avançam sobre as estruturas do Estado, formando teias de interesse, cooptando integrantes da burocracia e procurando apoio na esfera política.
A tríade descrita por Roger-Gérard Schwartzenberg mostra-se ativa: esse triângulo liga o poder político,  alta administração e os grupos de negócios. Diz ele: “esses três universos cruzam-se cada vez mais, recortam-se, penetram-se”. Desenvolve-se uma simbiose. E a corrupção acaba se aproveitando desse estado de coisas.
Em paralelo, assiste-se ao declínio dos mecanismos clássicos da política: partidos sem doutrina, parlamento sem força, oposições sem projetos, aderentes/eleitores sem motivação para vida partidária.
A luz no fim do túnel deixa ver o despertar da democracia participativa, alimentada por novos polos de poder: grupos e movimentos organizados, entidades que passam a fazer pressão sobre os Poderes tradicionais. Sob essa radiografia, distinguem-se sinais, mesmo opacos, de esperança.
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ESCADAS OU CAMINHOS

Cristovam Buarque, Blog do Noblat
Houve um tempo em que os políticos debatiam qual o melhor caminho para o progresso, hoje discute-se como o Brasil pode oferecer escadas mais fáceis para permitir ascensão social aos grupos com poder de pressão no uso dos recursos públicos. Procura-se beneficiar indivíduos, não o país. A discussão sobre as reformas, trabalhista e previdenciária, é exemplo deste desvio da estratégia do “caminho” para a estratégia da “escada”.
Cada grupo estuda e defende suas posições, favoráveis ou contrárias às reformas, não em função de qual será o melhor caminho para desamarrar o Brasil e permitir caminhar para o aumento de nossa eficiência, produtividade, justiça, independência, sustentabilidade, incentivo aos jovens, proteção aos velhos, pobres e doentes; mas em função de como evitar perdas para seu grupo, ou para conseguir aumentar seus benefícios ou seus votos. Busca-se escadas para indivíduos, não caminhos para o conjunto do país.
Este não é um fenômeno novo. Em reação aos anos de chumbo da ditadura, durante a elaboração da Constituição decretou-se mais direitos do que deveres. Desde a luta pela democracia, que buscava definir os rumos para o país, o debate político perdeu a discussão de quais os melhores caminhos para todos os brasileiros e se concentra até hoje, salvo exceções, em quais são as escadas para servir a cada grupo e cada indivíduo.
Até mesmo boas políticas para corrigir injustiças têm sido definidas mais para atender interesses de grupos do que para formar compromissos com o país: preferimos o uso de cotas para ingresso na universidade, do que o caminho mais ambicioso de assegurar a educação de base com a mesma qualidade para brancos e negros, pobres e ricos.
Nos contentamos com um programa justo de assistência por meio de transferência de renda para cada família pobre, no lugar de uma estratégia ousada para fazer a emancipação da população pobre e ninguém precisar de bolsas. O Ciência Sem Fronteiras foi mais orientado para beneficiar jovens do que para construir um potente sistema de ciência e tecnologia a serviço de todo o país e seu futuro.
A operação Lava-Jato e a Lei da Ficha Limpa têm a grande vantagem de tirar escadas para a eleição de políticos corruptos, mas não vai construir o caminho para a escolha de políticos honestos. Felizmente, já temos o sistema judiciário que prende corruptos, mas ainda não formamos uma massa de eleitores capazes de eleger políticos honestos.
O Brasil precisa sair da discussão de escadas que atendem a interesses de grupos e fazer o debate sobre quais são os melhores caminhos para o futuro desejado. Mas isto é difícil porque, no lugar de buscar construir coesão nacional, preferimos continuar a política de atender corporações, sindicatos, associações, grupos. Não percebemos que esta falta de coesão é a principal causa de nossos problemas e frustrações: porque sem coesão, política e social, não vamos definir um rumo para o conjunto de nosso povo e nossa nação.
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domingo, 25 de junho de 2017

O FUTURO DOS PREDADORES

Artigo de Fernando Gabeira
Sempre que ligo a tevê no noticiário político, o PSDB está deixando o governo ou decidindo ficar com ele. O partido não conhece aquela teoria da dissonância cognitiva. Ela afirma que, uma vez feita uma escolha, a tendência é reforçá-la com racionalizações. Se escolhemos rosas brancas no lugar das amarelas, tendemos a ressaltar a beleza das brancas e a enfatizar os defeitos das amarelas. O PSDB ou está saindo ou ficando. Se decide ficar, faz precisamente o contrário do que acontece na dissonância cognitiva: começa a refletir sobre as vantagens de sair. No momento em que toma a decisão do desembarque, certamente vai falar muito das vantagens de ficar no governo. Enfim, parece ter uma permanente incapacidade de tomar decisões e seguir com elas.
O drama do PSDB se acentuou com as denúncias contra Aécio Neves. Sua tendência quase genética a subir no muro torna-se mais compulsiva no momento em que tem de escolher entre a Lava-Jato e o sistema político em colapso.
O interessante é observar como a existência das investigações mexe com a sorte dos partidos. O PT, por exemplo, torce para que Aécio Neves não seja preso, pois isso destruiria o argumento de que o partido é, seletivamente, perseguido. A prisão de Aécio pode tornar mais fácil a de Lula. Ambos olham com esperança para Temer, não porque o admirem e sim porque é o único com instrumentos potencialmente capazes de salvar todo mundo.
Escolha de Procurador Geral, mudanças na direção da PF — o sonho de consumo das estruturas partidárias cai nas mãos de Temer, por sua vez, preocupado com sua própria situação, sobretudo com o avanço das delações premiadas.
Janot deixa o cargo em setembro. Fala-se em corrida de delações. Ao mesmo tempo, fala-se num acordo para fixar a diferença entre receber dinheiro pelo caixa 2 sem oferecer nada em troca, ou receber em troca de favores oficiais. Quando setembro chegar, talvez termine o primeiro ato. O PSDB vai hesitar muitas vezes, os adversários políticos continuarão fingindo que não estão umbilicalmente ligados no barco que naufraga.
As raposas políticas trabalham para que Temer escolha um substituto amigo para Janot. É preciso ver como isto vai se passar na instituição, se ela se rende com sem luta, ou resiste ao lado da sociedade. Diz a imprensa que a candidata Raquel Dodge tem apoio de Sarney, Renan e Moreira Franco. Se a eleição dependesse do voto popular, esse apoio seria um abraço mortal.
Tudo é possível num país como o nosso. Surreal mas não o bastante para apagar de nossa consciência o gigantesco processo de corrupção que arruinou o país.
Terça-feira acordei em Curitiba e olhei pela janela do hotel: manhã fria, cinzenta e chuvosa. Pensei nos presos que estão por aqui. O inverno será duro para eles. E, certamente, alguns outros virão para cá.
Mas ainda assim, creio que uma fase esteja acabando. Ela não resolve nada sozinha. Mas abre a possibilidade do país enterrar o sistema politico partidário, buscar algo novo, ainda que questionável, como fizeram os franceses, por exemplo.
O esforço de Sarney, Renan, Moreira e outras raposas do PMDB para deter o curso das mudanças é patético.
Pessoalmente não acredito que uma procuradora de alto nível iria se prestar ao papel histórico de se tornar cúmplice da quadrilha que mantém o país oficial na lata do lixo.
Quando setembro chegar, com o ritmo intenso dos acontecimentos, o perigo de um retrocesso talvez já não esteja no ar. Qualquer substituto, minimamente decente, terá de concluir o trabalho já feito. Muitos fatos ainda devem ser desvendados. Algumas delações devem ajudar. Não creio que a de Eduardo Cunha possa ser uma delas. Cada vez que se fala em sua provável delação, é possível que ele enriqueça mais, vendendo o silêncio, inclusive para inocentes.
Mas a carta de Cunha revela uma reunião entre ele, Lula e Joesley que o dono da Friboi não mencionou sua delação premiada. Isso reforça a suspeita de que Joesley esteja escondendo jogo.
Semanas favoráveis, semanas negativas, semanas no muro, tempo vai se passando, as ruínas do velho sistema político partidário se acumulam. No entanto, o debate sobre a renovação ainda não ocupa o espaço merecido.
Com os dados que temos, é possível que as instituições que sobrevivem realizando seu trabalho e a sociedade que as apoia saiam vitoriosas dessa luta.
De nada adiantará essa vitória se não houver uma alternativa de mudança. Nem todos os bandidos serão presos e a força da inércia pode trazê-los de novo ao topo da cadeia alimentar. Eles comem, anualmente, cerca de dois por cento do PIB.
Por que mantê-los, sobretudo agora que estão se desintegrando? O preço do silêncio e da indiferença pode nos levar a perder uma nova chance de tirar o Brasil do buraco.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 25/06/2017
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A REPÚBLICA DOS RÉUS INDIGNADOS

Ruy Fabiano, Blog do Noblat
O debate da reforma trabalhista, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, esta semana, contrapôs duas lideranças altamente representativas da atual conjuntura política brasileira.
De um lado, em defesa da reforma – e como seu relator -, o senador e líder do governo Romero Jucá (PMDB); de outro, contra a reforma, “e em defesa da classe trabalhadora”, a senadora e nova presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
A uni-los, a condição de réus na Lava Jato, em múltiplos inquéritos, beneficiários do mesmo esquema criminoso sob cujo amparo os seus respectivos partidos nadaram de braçada por quase uma década e meia. Lado a lado, lesaram o Estado.
Deixaram de ser aliados com o impeachment de Dilma, em que Jucá assumiu protagonismo, como ministro do Planejamento do governo Temer – de lá afastado em meio a cabeludas denúncias de corrupção, análogas às que desabaram sobre Gleisi.
Mas nenhum dos dois perdeu status. Temer considerou que, se as acusações a Jucá o inviabilizavam como ministro, não o impediriam de exercer a função de líder do governo no Senado, mostrando assim a consideração que tem pela chamada Câmara Alta do Legislativo. Ali, pelo visto, cabe tudo.
Lula, presidente de honra (?!) do PT, também não viu nada de mais em colocar na presidência do partido alguém que carrega o fardo de acusações cabeludas, como, entre outras, a de receber dinheiro roubado para sua campanha eleitoral.
Afinal, ele próprio, estava no comando desse processo, segundo os seis inquéritos a que responde – o primeiro dos quais a ter sua sentença prolatada nos próximos dias.
Gleisi e Jucá não são exceções. Ao contrário, são a regra. Os nomes mais influentes e representativos do Congresso, hoje, vivem a mesma circunstância de investigados pela Justiça. O quadro generalizou-se de tal forma que já não se sentem constrangidos.
Se o próprio presidente da República e seus principais ministros estão sob investigação policial, sob a mesma e banal rubrica de corrupção, por que se sentiriam melindrados?
Exercem o mandato com a maior naturalidade, apoiando-se mutuamente. Em alguns momentos, chegam a protestar com veemência contra os que (vejam só!) cumprem o dever de processá-los. Jucá é mais discreto; seus protestos são privados.
Gleisi, não: vem a público “denunciar” o procurador Deltan Dallagnol e o juiz Sérgio Moro pelo “crime” de fazer palestras – e cobrá-las. Pouco importa que tenham esse direito assegurado em lei.
O que importa é expô-los a uma acusação de que poucos sabem a inconsistência. A veemência simula indignação. É o réu, inversamente, acusando a Justiça, buscando constrangê-la.
Nas palestras que tanto o procurador como o juiz fazem – e que têm sido importantes para conscientizar a população da missão que exercem -, não tratam de nenhum processo em particular, nem dos réus. Falam pedagogicamente do processo que o país vive, enfrentando pela primeira vez o estamento burocrático, que faz do público um bem privado – e que, no reinando PT-PMDB, deu dimensão sistêmica à rapina, quebrando o país.
Algumas dessas palestras estão na internet (ao contrário das de Lula, materializadas em notas frias). Dallagnol e Moro dizem que doaram seus respectivos (e legítimos) cachês, pagos pela iniciativa privada (frise-se), a instituições de caridade.
Se o fizeram ou não, é problema deles, já que a lei não os obriga a isso. Quanto aos “cachês” de Gleise, Jucá, Lula e amigos, além de muuuito maiores, foram doados a eles próprios.
É nas mãos desse pessoal que estão as reformas de que depende o país para consertar o estrago que a Era PT (de que o PMDB é parceiro) impôs ao país. Ainda que aprovadas – e há sérias dúvidas quanto a isso – irão carecer do selo da legitimidade, o que agravará o ambiente psicossocial depressivo do país.
O ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, em palestra esta semana, assim resumiu o quadro político-econômico do Brasil:
“Acho que o nosso problema econômico é enorme, está numa trajetória insustentável mesmo com o que sobrou das reformas. Mas acho que o problema político é muito maior do que o econômico. Isso é incrível, porque o problema econômico é gigante.”
Pois é.
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ILUSÕES AUTORITÁRIAS

Nas redes sociais, pessoas que não entendem o processo democrático e nem conhecem história, defendem opções simplistas para a solução de problemas. Populistas à direita e à esquerda, como Bolsonaro ou Lula, se aproveitam disso, por ignorância ou má-fé e buscam liderar essas pessoas.
Uma simplificação é o elogio aos governos militares, como se esse período tivesse sido uma maravilha. Fora a barbárie da tortura e desaparecimento de pessoas, alguns afirmam que naquela época não havia problema de segurança e que andávamos livres nas ruas. Ora, também no governo Juscelino ou Getúlio não havia problemas, principalmente porque não existia o tráfico de drogas na escala de hoje. A segurança não tinha a ver com regime militar ou não. Eram outros tempos.
Quem conhece um pouco da história também sabe que o Brasil quebrou com a crise do petróleo em 1973 e 1979, ajudado pela arrogância e autossuficiência do então Presidente da Petrobras e depois Presidente da República Ernesto Geisel. Mesmo avisado que o cartel árabe aumentaria o preço do petróleo, menosprezou o aviso, como relata sempre o ex-ministro Delfim Netto.
O petróleo aumentou de 3 para 12 e depois para 34 dólares o barril e o país entrou na década perdida de 1980. Essa decisão se parece com aquelas tomadas por Lula para autorizar novas refinarias de petróleo no nordeste. Sem avaliar custos e com autossuficiência e ignorância, atropelou as decisões técnicas e ajudou a quebrar a Petrobras.
Casos de corrupção eram sussurrados naquela época, com jornais censurados, inúmeros políticos cassados indiscriminadamente, ministros do Supremo aposentados à força e investimentos duvidosos feitos sem crítica quanto ao custo global, ambiental ou indígena, e o descaso lamentável com a educação. Agora temos liberdade de imprensa para denunciar e debater e justiça para punir, impossíveis naquela época.
A ditadura militar, em 21 anos, atrasou a formação de novas lideranças democráticas e, quando foi forçada a sair, por pressão popular e pelo desastre econômico, tivemos a volta de  Brizola, que demoliu o Rio de Janeiro e a novidade foi a dupla Lula e Collor na primeira eleição livre. Deu no que deu. Durante esse período, quem se organizou clandestinamente foi a esquerda, ressurgindo com força e, como num movimento pendular, influenciando decisivamente a Constituição de 1988 nos temas econômicos.
Não podemos cultivar salvadores da pátria, nem visões simplistas para os grandes problemas que temos. Apesar dos problemas, é melhor acreditar na democracia, sem ilusionismos à direita ou à esquerda e eleger Presidentes da República que defendam ideias com as quais concordamos como eleitores , mas também tenham a capacidade de implementá-las, interagindo com o Congresso Nacional eleito.
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sábado, 24 de junho de 2017

A VITÓRIA DE FACHIN

Da ÉPOCA
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estava particularmente desanimado, amargurado mesmo. “Se isso acontecer, mudo de país”, disse, em um desabafo a pessoas próximas. A terça-feira, dia 20, era um dia de desconfianças mútuas e múltiplas em Brasília. Era a véspera do julgamento de um questionamento feito pelo governador de Mato Grosso do Sul, o tucano Reinaldo Azambuja, sobre quem pode homologar uma delação premiada e se o ministro Fachin deveria ser mantido como relator do caso JBS. Traduzida em prática, a sessão do dia seguinte poderia arruinar as delações premiadas, uma das razões do sucesso da Operação Lava Jato no combate à corrupção. Poderia também inibir o surgimento de novos delatores, que formam fila no Ministério Público Federal para contar a verdade em troca de benefícios. A expectativa gerava intensa movimentação de grupos antagônicos do Judiciário e do Ministério Público. Pela manhã, a turma do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, e a de Janot mostravam-se seguras de um desfecho favorável.
Mas o ministro Gilmar Mendes, cada vez mais um opositor declarado da investigação, circulava pelos gabinetes dos colegas determinado a influenciar alguns votos. Fofoca e informação se misturavam. Foi quando soube das andanças de Gilmar que Janot se amargurou.
Ainda na noite da terça-feira, Fachin percorreu o longo corredor em curva do Supremo Tribunal Federal e subiu um lance até a cobertura, onde fica o gabinete do decano Celso de Mello. Estava ali para acertar os últimos movimentos da resistência à articulação para invalidar a delação da JBS. A reunião não apareceu na agenda oficial de Fachin. Figura sem apegos às articulações políticas, Celso de Mello fizera chegar ao relator que estava convencido da importância do trabalho de Janot. Ex-integrante do Ministério Público, o decano confidenciara que um ataque ao coração das delações seria o mais grave e audacioso golpe nas investigações. Ele também se preocupava em preservar a imagem do Supremo e evitar um desgaste diante da opinião pública tal qual ocorrera com o Tribunal Superior Eleitoral, presidido por Gilmar Mendes, depois da absolvição da chapa Dilma Rousseff e Michel Temer. Seguindo a diretriz de Celso de Mello, o ministro Luís Roberto Barroso articulou a reação e, a exemplo de Gilmar, visitou as salas dos colegas, carregando argumentos e súplicas, assegurando que ninguém hesitaria ou recuaria.
As negociações e pressões seguiram pela manhã seguinte. Perto do meio-dia, os procuradores de Curitiba Deltan Dallagnol e Carlos dos Santos Lima publicaram uma nota nas redes sociais, orquestrados com Brasília. “Ache você bom ou ruim o acordo feito pela Procuradoria-Geral da República com os irmãos Batista, a revisão da homologação do acordo, na prática, dificultará, se não impedirá, o avanço das investigações da Lava Jato. Os investigados e réus só fazem acordos porque confiam que eles serão cumpridos”, diz o texto.
O exercício de Fachin de angariar apoios e mobilizar esforços em torno de si foi pensado estrategicamente por ele. Fachin é, acima de tudo, um professor universitário. Tem paixão por lecionar. Alçado a relator da maior investigação de corrupção da história na mais alta Corte do país, teve de aprender a agir com estratégia. A sua maneira, com discrição e atenção, assim o fez. Primeiramente, Fachin poderia ter negado, sozinho e de saída, o recurso de Azambuja. Mas correria o risco, assim, de que outros entrassem com recursos semelhantes e o caso fosse sorteado, caindo nas mãos de alguém não tão afeito à Lava Jato. Seu voto também foi astuto. Para se respaldar e “equilibrar posições extremadas”, Fachin repetiu copiosamente trechos de uma decisão do ministro Teori Zavascki, morto em janeiro, em defesa do papel do relator como titular do poder de homologar uma delação. Em seguida, Fachin lembrou que, como votou Dias Toffoli em 2015, não cabe ao juiz avaliar o conteúdo da delação, somente sua correção formal – emparedando Toffoli, aliado de primeira linha de Gilmar Mendes. Por fim, Fachin grifou que centenas de delações já foram homologadas monocraticamente por ministros do Supremo – a ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte, homologou sozinha as 77 delações da Odebrecht. Esse amadurecimento tão rápido de Fachin deve-se tanto à necessidade quanto ao fato de o ministro ter um grande senso de missão. Considera a Lava Jato importantíssima e ainda mais relevante a sua preservação. Fachin sabe que, na posição de relator, vai sofrer críticas legítimas. E ataques ilegítimos. Preparou sua família para os ataques e atendeu aos apelos da Polícia Federal de reforçar sua segurança – agora, só embarca em aviões pela pista.
Os ataques ilegítimos vieram, como Fachin esperava. O Planalto fez circular na semana passada um dossiê fajuto repleto de acusações contra o ministro: de que ele viajou em jatinho da JBS; de que alguns familiares seus teriam relações promíscuas com a empresa; e de que ele participou de convescotes com senadores na época em que seria sabatinado no Senado, em maio de 2015. Tanto Fachin quanto representantes da JBS negam que ele tenha voado em algum jatinho da empresa ou que algum parente do ministro tenha qualquer relação com o grupo. O ex-presidente José Sarney pediu a aliados que buscassem imagens de Fachin confraternizando com senadores há dois anos. Em uma reunião, Sarney informou o presidente Michel Temer e seus principais ministros que nada fora encontrado, segundo um dos participantes do encontro. O golpe não prosperou. Atento a todas essas confabulações para constrangê-lo e para minar a Lava Jato, Fachin agiu para mobilizar colegas em sua defesa onde tem mais habilidade – no campo das críticas legítimas, no campo da Suprema Corte. Na manhã da quarta-­feira, dia do início do julgamento, Fachin ainda receberia, separadamente, os advogados das partes envolvidas no processo que questionava a homologação da delação. No encontro, manteve-se silente, mas emanava confiança. Aos poucos, construía-se uma maioria a seu favor.
Leia a reportagem completa em ÉPOCA desta semana que já está nas bancas.
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A UM PASSO DA CONDENAÇÃO

Da ISTOÉ
Mais do que nunca, os olhares do mundo político e jurídico estão voltados para as movimentações do juiz Sergio Fernandes Moro, da 13ª Vara Federal do Paraná. Nos próximos dias, ele anunciará a sentença que condenará Lula à prisão no caso do tríplex do Guarujá por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente é acusado de ter recebido o imóvel da OAS como contrapartida às benesses que a empreiteira obteve do governo no período em que o petista esteve no poder. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o ex-presidente foi beneficiado com pelo menos R$ 87,6 milhões dados pela OAS, dos quais R$ 3,7 milhões foram usados por Lula no apartamento de três pavimentos.
Conforme apurou ISTOÉ junto a integrantes da Lava Jato, o petista vai pegar até 22 anos de cadeia – 10 anos por lavagem de dinheiro e 12 por corrupção passiva. No cronograma de Sérgio Moro só uma etapa o separa do anúncio da condenação de Lula: a definição da pena a ser aplicada ao ex-ministro Antonio Palocci, hoje preso.
A defesa de Lula está tão perdida nesse processo quanto o próprio cliente. Sem argumentos sólidos para defendê-lo, os advogados do petista apelam para o jogo sujo e chicanas jurídicas.
Chegaram ao desplante de afirmar que os procuradores usariam, na acusação a Lula, a mesma teoria aplicada por Hitler em seu primeiro discurso como chanceler da Alemanha na qual o ditador nazista defendeu a “elasticidade dos veredictos”.
Ou seja, que a posição dos procuradores seria manifestamente contrária às provas dos autos. Uma excrescência. Ao contrário do que alardeiam os advogados do petista, o MPF dispõe de farta documentação e depoimentos que demonstram que o ex-presidente ocultou a propriedade.
Nas alegações finais enviadas ao juiz Moro, na última semana, o dono da OAS, Léo Pinheiro, atestou que o imóvel era mesmo de Lula.“O tríplex nunca foi posto à venda e as reformas foram executadas seguindo orientações dos reais proprietários do imóvel, o ex-presidente Lula e sua esposa.
O projeto de reforma foi aprovado na residência do ex-presidente”, escreve o advogado de Pinheiro, José Luiz Oliveira Lima. O advogado esclarece na defesa da OAS que o tríplex, “bem mais caro do que o apartamento que Lula tinha no local”, não saiu de graça. “Os gastos feitos eram contabilizados e descontados da propina devida pela empresa ao PT em obras da Petrobras. Tudo com a anuência de seu líder partidário (Lula)”, afirmou.
Apesar de todas as evidências de que cometeu vários crimes, Lula, como todo acusado que cai nas garras da Justiça, insiste em alegar inocência. Em entrevista a Rádio Tupi do Rio na manhã da última terça-feira 20, o ex-presidente classificou de “piada” a peça acusatória dos procuradores da Lava Jato. “Espero que o Moro leia os autos e anuncie para o Brasil a minha inocência. Eu já provei que sou inocente. Quero que eles agora provem minha culpa”, acrescentou.
Em nota oficial, os procuradores do MPF foram contundentes ao rebater Lula. “A defesa do ex-presidente está usando recursos eticamente duvidosos para atacar. Quer transformar um julgamento de crimes por corrupção em julgamento político”, dizem os procuradores do MPF. Eles reiteraram que, “apesar de todas as dificuldades para superar a impunidade, todo esse processo pode restabelecer a crença de que é possível termos um País onde todos sejam efetivamente iguais perante a lei”.
O imóvel efetivamente não se encontra no nome do ex-presidente, mas a corrupção está fartamente provada, já que as benfeitorias no imóvel aconteceram e constituíram uma contrapartida ao tráfico de influência exercido pelo petista em favor da OAS.
Mesmo assim, a ideia era de que o apartamento fosse transferido mais tarde para Lula. Segundo Léo Pinheiro, a transferência fazia parte do acordo firmado com Paulo Okamotto, diretor do Instituto Lula e braço direito do ex-presidente. A eclosão do escândalo, no entanto, alterou os planos.
Na última semana, o advogado de Lula, Cristiano Martins Zanin, mostrou que a defesa do petista veio para confundir, não para explicar, como versava a famosa frase de Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Segundo ele, o imóvel havia sido transferido pela OAS para um fundo imobiliário da Caixa. O blefe se transformou num tiro no pé.
De pronto, a Caixa esclareceu que o imóvel jamais lhe pertenceu. “Ele foi dado pela OAS como garantia de uma operação de debêntures com financiamento da Caixa, mas o imóvel continua sendo da empreiteira”, afirmou a Caixa. O próprio dono da construtora, Léo Pinheiro, garantiu em depoimento ao juiz Sergio Moro que o tríplex estava destinado a Lula e sua família desde o início de 2010, ano em que a empreiteira assumiu as obras de construção do Edifício Solaris, antes pertencente à Cooperativa dos Bancários de São Paulo (Bancoop). Pinheiro fez questão de deixar claro que a OAS só aceitou assumir as obras do Solaris porque soube, por meio de João Vaccari, ex-tesoureiro do PT, que o então presidente Lula tinha imóvel no local.
Outras importantes testemunhas corroboraram a versão de Léo Pinheiro. Entre elas, o ex-zelador José Afonso. Segundo ele, Lula esteve duas vezes no imóvel, uma das quais acompanhado pelo dono da OAS. E agiu como dono do apartamento, não como alguém que desejava visitá-lo na condição de futuro comprador.
À ISTOÉ, o zelador chegou a dizer que testemunhou em 2014 a ex-primeira-dama Marisa Letícia, mulher de Lula falecida em fevereiro, pedir a engenheiros da OAS que construíssem o elevador privativo. “Como é que alguém, que não é dono, pede a construção de um elevador?”, questionou Afonso. O envolvimento de Lula nas práticas de corrupção tisnou sua imagem perante a sociedade.
Em levantamento feito pelo Instituto Paraná Pesquisas no Distrito Federal, 87,1% dos entrevistados garantiram que não votarão em candidatos citados na Lava Jato. Na pesquisa, Lula é considerado “o mais nocivo para o Brasil” para 37% das pessoas pesquisadas.
O ex-presidente foi denunciado em setembro de 2016 pelo MPF. No mesmo mês, Sergio Moro aceitou a acusação, transformando-o em réu pela quinta vez, afirmando que, dos R$ 3,7 milhões doados pela OAS ao ex-presidente, R$ 2,2 milhões constituíram vantagens oferecidas a ele por meio do apartamento 164-A do Edifício Solaris, no Guarujá.
Nesse valor, estão incluídas as reformas feitas no imóvel de 300 metros quadrados, que passou a contar com um elevador privativo, cozinha completa e área de lazer com piscina. Na denúncia formulada pelo MPF, Lula é considerado “o comandante da corrupção” na Petrobras. Ou seja, o chefão da quadrilha. “Lula dominava toda a empreitada criminosa, com plenos poderes para decidir sobre sua prática, interrupção e circunstâncias. Nos ajustes entre diversos agentes públicos e políticos, marcados pelo poder hierarquizado, Lula ocupava o cargo público mais elevado (…) Os atos de Lula, quando analisados em conjunto, e em seu contexto, revelam uma ação coordenada por ele, desde o início, com a nomeação de agentes públicos, comprometidos com o desvio de recursos públicos para agentes e agremiações políticas, até a produção do resultado, isto é, a efetiva corrupção (…) Lula é um dos principais articuladores do esquema de corrupção que defraudou contratos da Petrobras”, diz a denúncia assinada por 13 procuradores, incluindo Deltan Dallagnol, que menciona Lula como um dos políticos que usou recursos da Petrobras para enriquecimento ilícito.
O mais nocivo
Além da sentença de Moro no processo do tríplex, novos revezes se descortinam no horizonte de Lula. Para convencer o MPF a aceitar um acordo de delação premiada, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral promete envolver o petista em mais uma falcatrua.
Entre as histórias que Cabral se dispôs a contar está uma reunião, realizada em 2009 com a presença de Lula, em que o ex-presidente teria autorizado o empresário Arthur César Soares de Menezes a pagar propina a integrantes do Comitê Olímpico Internacional em troca da escolha do Rio de Janeiro como cidade sede das Olimpíadas de 2016. Em março, o jornal francês Le Monde já havia abordado o assunto.
De acordo com a publicação, o Ministério Público da França descobriu que Arthur César Soares pagou US$ 1,5 milhão ao presidente da Associação Internacional de Federações de Atletismo, Lamine Diack, três dias antes da votação que confirmou o Rio como sede dos Jogos.
Incapaz de se reinventar, o petista insiste no surrado discurso da vitimização. “Já provei minha inocência. Agora quero que provem a minha culpa. Mexeram com a pessoa errada”, disse em tom de ameaça, tal qual um capo mafioso. Não cola mais. Apesar de as investigações da Lava Jato atestarem que toda a política nacional está corrompida, resta evidente que a corrupção institucionalizada na era petista no poder não foi mera continuidade de um sistema corrupto, como adora alegar setores da esquerda. Sem dúvida, existe um “antes e depois de Lula”.
Não que a corrupção não existisse, por óbvio. Mas, sob o petista, a bandalheira foi transformada em política de Estado. É como se o Estado tivesse sido posto à venda. No governo dele e de sua sucessora, o pentarréu valeu-se do discurso histórico de esquerda, qual seja, de intensificação da intervenção do Estado na economia para angariar novas oportunidades de negócio à cúpula petista.
O caso da exploração do pré-sal é emblemático. Por trás daquilo que era apresentado como defesa do interesse nacional estava uma intencional e bem articulada ampliação do Estado como balcão de negócios. A serviço de um partido e de interesses particulares, como foi o caso do tríplex.
A realidade exposta pelos depoimentos colhidos por Moro é pródiga em demonstrar que o mito do herói, cultivado pelo PT nos últimos quarenta anos, serve melhor à literatura farsesca do que à política. Lula exerceu papel determinante na construção da pior crise política, econômica e moral da história recente do Brasil. Se ainda pairam dúvidas sobre qual caminho o País deverá seguir em 2018, o lulopetismo já apresentou abundantes motivos para o brasileiro saber qual trilha deve ser evitada.
Num artigo escrito, em 2004, para a Revista Jurídica do Centro de Estudos Judiciários sobre a Operação Mãos Limpas ocorrida na Itália nos anos 1990, o juiz Sérgio Moro a descreveu como “uma das mais impressionantes cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa”. E acrescentou: “se encontram presentes várias condições institucionais necessárias para a realização de ação semelhante no Brasil”. Estava certo o magistrado. E a condenação de Lula, a ser confirmada também pela segunda instância, será o seu apogeu, sem a qual a Lava Jato não terá feito qualquer sentido.
Mãos limpas
No mesmo artigo, Moro analisou o caso de Bettino Craxi, líder do Partido Socialista Italiano (PSI), primeiro socialista chefe de um governo na Itália (1983-1987) e um dos principais alvos da Operação Mãos Limpas. Moro sublinhou que Craxi, àquela altura já alvo de investigações e depois de refutar várias vezes o seu envolvimento, reconheceu despudorada e cinicamente, sem corar a face, o cometimento das práticas ilícitas em célebre discurso no Parlamento italiano, em 3 de julho de 1992, servindo-se de argumentos muito semelhantes aos utilizados pelo PT e por Lula: “Casos de corrupção e extorsão floresceram e tornaram-se interligados. O que é necessário dizer e que todo mundo sabe é que a maior parte do financiamento da política é irregular ou ilegal. Os partidos e aqueles que dependem da máquina partidária, de jornais, de propaganda, atividades associativas ou promocionais têm recorrido a recursos irregulares”.
As coincidências não param por aí. Em dezembro de 1992, Craxi receberia um documento de dezoito páginas no qual era acusado de corrupção, extorsão e violação da lei de financiamento de campanhas. A base da acusação era a delação premiada de Salvatore Ligresti, amigo pessoal de Craxi preso em julho de 1992.
Dizia ele que o grupo empresarial de sua propriedade teria pago cerca de US$ 500 mil desde 1985 ao Partido Socialista Italiano em troca de favores. Em janeiro de 1993, chegou à residência do político o segundo aviso com acusações de que a propina teria beneficiado não apenas o PSI, como também a ele próprio. Um mês depois, Craxi renunciou ao posto de líder do partido.
Transformado em símbolo do que havia de pior na política italiana, Craxi chegou a ser alvo de uma chuva de moedas ao andar pelas ruas de Milão. Ao condenar Lula, Sergio Moro terá alcançado, ironicamente 13 anos depois de ter escrito o artigo, a versão tupiniquim do corrupto italiano Bettino Craxi.
Uma relação tão delicada
A JBS, que no início chamava-se apenas Friboi, transformou-se na maior produtora de proteína animal do mundo graças ao governo Lula, que deu mais de R$ 10 bilhões em empréstimos do BNDES com juros de pai para filho ao grupo de Joesley Batista. Com essas mamatas todas, a JBS deu um salto de 3.600% no faturamento durante o governo petista. Em 2006 faturava R$ 4,7 bilhões e em 2016 passou para R$ 170,4 bilhões. Apesar de Lula turbinar os negócios do amigo Joesley, o empresário vem tentando se esquivar desse relacionamento mais do que próximo. A amizade era tanta que houve boatos de que ele era sócio de um dos filhos de Lula.
Em entrevista à Época, na última semana, o empresário disse ter se encontrado com Lula apenas duas vezes para conversas “republicanas”: em 2006 e 2013.
Mentiu. Afinal, no depoimento da delação premiada que o próprio dono da JBS concedeu aos procuradores do Ministério Público Federal (MPF) em Brasília, em março último, Joesley relatou diversas outras conversas com Lula.
Um desses encontros, segundo Joesley, aconteceu em outubro de 2014 na sede do Instituto Lula, quando o empresário alertou o ex-presidente de que a JBS já havia doado R$ 300 milhões à campanha do PT , o que ele considerava “perigoso”, caso viesse a conhecimento público. “Lula me fixou nos olhos, mas não disse nada”, afirmou Joesley aos procuradores. Os encontros dos dois, portanto, eram constantes. Os dois se falavam com frequência por telefone também.
Coube ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) desmentir Joesley. Em carta escrita de próprio punho da cadeia de São José dos Pinhais, onde está preso desde o final do ano passado, Cunha disse que o dono da JBS faltou com a verdade. “No dia 26 de março de 2016, sábado de aleluia (véspera da Páscoa), houve um encontro entre eu, ele e Lula, a pedido do Lula, para discutir o impeachment de Dilma”, diz Cunha na carta. Nessa reunião, acrescentou Cunha, realizada na casa do empresário, “pude constatar que a relação de Lula e Joesley era de constantes encontros”. O ex-deputado afirmou que pode provar o que está falando por meio de recibos do aluguel dos carros que utilizou em São Paulo para ir à casa de Joesley encontrar o ex-presidente petista.
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TEMER E OS FATOS VELHOS

Helena Chagas, Blog do Noblat
Fatos novos têm surgido em profusão, às vezes a uma velocidade estonteante, dois ou três por dia. Quem usava essa desculpa para não desembarcar do governo pode, agora, escolher o mais novo fato entre os novíssimos, sem precisar recorrer à entrevista de Joesley Batista à Época. Só para ficar nos últimos: o relatório da Polícia Federal indicando, "com vigor", a prática de corrupção passiva por parte do presidente da República; o depoimento do doleiro Lúcio Funaro acusando Michel Temer de ter mandado pedir R$ 20 milhões para campanhas do PMDB em operações de financiamento da Caixa a empresas privadas; os documentos encontrados na casa do coronel aposentado João Batista Lima relacionados ao pagamento de reformas em residências de parentes do presidente.
A julgar pela história brasileira recente, e até pela não tão recente, os fatos trazidos a público nos últimos dias seriam motivo suficiente para abertura de processo contra o presidente da República. Sem contar os que, inevitavelmente, ainda virão - como, por exemplo, a formalização da denúncia do procurador Rodrigo Janot ao STF. Na comparação histórica, o conjunto da obra reunido contra Temer até agora dá a quem quiser argumentos políticos e jurídicos para seu afastamento pela Câmara dos Deputados, seja para julgamento por crime de responsabilidade pelo Senado, seja pela via do crime comum julgado pelo Supremo, caminho pelo qual Janot optou.
Afinal, por muito menos, as tais "pedaladas fiscais", já se derrubou, há apenas dez meses, e com base na Constituição, uma presidente direta e legitimamente eleita. De uma maneira tal que o Senado, talvez constrangido pela ausência de qualquer acusação concreta de corrupção, acabou, no final do julgamento, por manter os direitos políticos de Dilma Rousseff. Seus ex-aliados, junto com a oposição, consideraram o preço barato para se livrar dela, que era o que queriam.
Voltando mais longe no tempo, há 25 anos o Congresso cassou o mandato do presidente da República por corrupção, usando como prova cabal o cheque utilizado para comprar um Fiat Elba com recursos supostamente originários de corrupção. Supostamente porque, na hora da verdade, alguns anos depois, ao julgar Fernando Collor por corrupção, o STF o absolveu por falta de provas. Mas aí já era tarde, a missão - tirar um presidente que nem eles nem as ruas já não aguentavam mais - estava cumprida e o sujeito ia longe.
O resumo da ópera é que, representado pelo Legislativo, o establishment político, econômico e midiádico, nos raros momentos em que se une e resolve, acaba conseguindo tirar da cadeira o presidente da República. E pelas razões mais variadas. Assim como, quando não quer, tem uma elástica e enorme tolerância, que o deixa cego ao que não quer ver.
Crises políticas são diferentes entre si, deflagradas por fatores diversos, envolvendo situações e personagens com variadas características. Dilma não é Collor, Collor não é Temer, Temer não é Dilma. Mas o clima que precede as quedas de presidentes costuma ser muito parecido. O roteiro final é quase o mesmo, quando um governo sai da condição de extremamente fragilizado pela crise para a deterioração irreversível. É o ponto em que perde o controle do Congresso, vê os aliados debandarem e mergulha na paralisia da ingovernabilidade.
A pergunta que não quer calar hoje em Brasília é quando, e se, Michel Temer, soterrado pelos fatos novos, chegará a esse ponto de não-retorno. Tudo indica que, embora perdendo a olhos vistos as forças para governar e aprovar as reformas, ele não chegou ainda. Por quê?
Porque Temer tem os velhos fatos a seu favor. O principal deles, a incapacidade das forças políticas que fizeram o impeachment de Dilma e carregam o discurso das reformas de se articularem em torno de um nome para substituí-lo. Alguém capaz de fazer andar a agenda legislativa como quer o mercado, manter a condução da economia e, principalmente, não representar ameaça aos aliados na eleição de 2018. Um sujeito que, ao que parece, ainda não nasceu.
Outro fato bem antigo que ajuda muito o presidente da República a ficar onde está é a velha disputa doméstica dos caciques do PSDB, que preferem botar azeitona na empada da oposição a favorecer um adversário interno. Sem falar naqueles antiquados métodos do velho PMDB de se manter no poder, ameaçando e atropelando quem estiver no caminho.
Enquanto os velhos fatos continuarem dominando o cenário, não haverá fato novo capaz de resolver as coisas.
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A MUSA DA CENSURA

José Paulo Cavalcanti Filho, Blog do Noblat
O 21º CinePE, que aconteceria entre 23 e 29 de maio, foi adiado. Por conta de cineastas que protestaram pela inclusão, na programação, de dois filmes: um, sobre o filósofo Olavo de Carvalho (“O Jardim das Aflições”); outro, sobre o Real (“O plano por trás da história”). Retiraram seus filmes da mostra gritando “Fora Temer!”. E se dizem defensores da democracia. Perdão, senhores, mas vão ter que escolher. Uma coisa ou outra. Censores ou democratas.
Não ficaram sozinhos, nesse gesto heróico. Logo outros, que se intitularam críticos de cinema, assinaram Manifesto (15/5/2017) concordando com o direito legítimo de não compactuar com a formação de uma tribuna para o pensamento ultraconservador que ora se vê encorajado pelo governo Temer. Para esses, mais importantes que os filmes em si, a liberdade de pensar e dizer, ou a própria democracia, é gritar “Fora Temer!”. A chacun son temps, como no provérbio francês.
A intolerância não tem pátria. Em Cannes, este ano, os filmes “Okja” e “The Meyerowitz Stories” acabaram boicotados. Por virem de duas empresas imperialistas, Netflix e Amazon. E por serem destinados a outras telas. Não foram considerados filmes. E acabaram fora das premiações. O presidente da HBO ponderou – Um filme é um filme, não importa se exibido em cinema, televisão, computador ou celular. Com toda razão. Menos para os cineastas bolivarianos que se deliciavam na bela riviera francesa.
Nos tempos de Hitler, um filme que falasse bem dos judeus jamais seria exibido nos cinemas alemães. Caberia então perguntar, aos cineastas/revolucionários de agora, se diriam lá o que dizem aqui – Vida e cinema não se distinguem. Caso em que apoiariam o Kaiser.
Na ditadura militar, caso fosse proibida a exibição de filme sobre um intelectual de esquerda, diriam todos que seria censura. Inclusive esses mesmos cineastas/ revolucionários de agora, imagino. Já filme sobre um intelectual conservador, eles protestam. Antes, era censura. Agora, só um gesto democrático. Pungente e glorioso. Escusas, senhores, mas prefiro ficar com o poeta Fernando Pessoa (Ricardo Reis, “Odes”, 30/7/1914), Só na ilusão de liberdade/ A liberdade existe.
Não espanta que cineastas/militantes explicitem suas ideologias. Em prática aberta de censura. O espantoso é que, agindo assim, também se intitulem democratas. Democracia é algo diferente, senhores. É coisa séria. É a arte de conviver. Inclusive com pessoas que não pensam como a gente. Que não dizem o que gostaríamos de ouvir. Que fazem filmes, quaisquer de que sejam, diferentes do que preferimos ver. O que esses corajosos cineastas fizeram foi, digamos com todas as letras, censura. A mais clara. A mais intolerante. A mais insensata.
A direção da CinePE respondeu educadamente. Mais do que talvez devesse. Declarando respeito aos valores básicos da liberdade, quais sejam o direito de expressão, o respeito à pluralidade e o combate ao instrumento de censura. Mas, alvíssaras, tudo foi agora refeito. E o festival, afinal, será realizado. Entre 27/6 e 3/7. A partir da próxima terça, pois. Ainda bem. Em 1985, depois de 20 anos de chumbo, iniciamos, no Ministério da Justiça, o movimento Censura Nunca Mais. É lamentável que, 32 anos depois, ainda seja necessário dizer Abaixo a Censura.
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