segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

REVOLUÇÃO FEMINISTA

Da ISTOÉ
Nunca fomos tão fortes. No último ano, mulheres denunciaram publicamente homens poderosos em casos de assédios. Organizaram manifestações em diferentes países contra o feminicídio e pela manutenção e ampliação de direitos. Criaram redes de apoio para ajudar vítimas de violência doméstica, de agressões e de estupros. Desenvolveram grupos de debate e de apoio mútuo nas redes sociais. Discutiram e condenaram o machismo, o racismo e a homofobia e trouxeram força para a nova onda de um movimento que tem mudado mentalidades, comportamentos e relações. Diante de tamanha mobilização, “feminismo” foi escolhida a palavra de 2017 pelo dicionário americano Merriam-Webster e a busca pelo termo no Google cresceu 200% desde 2016. “Estamos em um momento em que o feminismo se tornou a grande força de enfrentamento não só do machismo, mas que leva adiante a luta anti-racista e pelos direitos das mais diversas minorias políticas”, afirma a filósofa Marcia Tiburi, autora do recém-lançado “Feminismo em Comum” (Rosa dos Tempos).
Entre os marcos do feminismo atual estão as redes de solidariedade desenvolvidas por mulheres. A maioria de apoio para vítimas de violência. “São alternativas criadas já que as instituições tradicionais não são responsáveis o suficiente”, afirma Tiburi. As conexões se dão, em grande parte, pelas redes sociais. O Fórum Nacional de Políticas Públicas para Mulheres é um dos grupos de referência, começou como uma página no Facebook e depois migrou para o Whatsapp e hoje inclui pessoas de todo o País. “A ideia inicial era trocar informações sobre cursos e artigos e reunir contatos”, afirma Ana Victoriano, dona da iniciativa. “Mas hoje se tornou uma comunidade de ajuda a vítimas de agressões. Não imaginei que tomaria essa proporção.” Os pedidos de ajuda chegam diariamente e, por meio da rede, os contatos são feitos para que as mulheres possam receber orientação adequada. Depois de passar meses apanhando do marido, a advogada Maíra Moura Soares Neves, 41 anos, procurou Ana em outubro de 2017 e conseguiu deixar o casamento em que era agredida constantemente e do qual se via refém. “Em qualquer conversa, ouvia gritos de vagabunda ou recebia tapas”, diz. Moradora da cidade de Barra do Bugres, a 180km de Cuiabá (MT), era casada com um delegado e não tinha como denunciá-lo em uma delegacia. “Com certeza iam engavetar meu caso.” Maíra então usou o Facebook para pedir ajuda a Ana, que acionou conhecidas em São Paulo. Elas falaram com juristas no Mato Grosso que indicaram uma promotora em uma cidade próxima a dela. “Criaram uma corrente de ajuda”, diz. Em pouco tempo, uma denúncia foi feita contra o ex-marido de Maíra e ela se separou. A mesma promotora foi quem a ajudou a retirar seus pertences da antiga casa. Ao contar sua história, Maíra chora, respira fundo e conclui: “Eu estava de mãos atadas, mas essa rede de mulheres me salvou.”
Duas campanhas recentes que surgiram nos Estados Unidos dão o tom da amplificação das transformações: “Me Too” (“eu também”, em português), em que mulheres expuseram abusadores contando suas histórias; e Time’s Up (algo como “esse tempo acabou”, em tradução livre), que inclui a criação de um fundo para ajudar vítimas de assédio sexual na indústria do entretenimento em Hollywood. Além dessas iniciativas, o fim das “grid girls”, garotas que frequentavam os locais de provas da Fórmula 1 com roupas minúsculas, também é um indício da mudança de postura em relação às mulheres. Outro exemplo é o latino-americano Ni Una Menos, que organiza passeatas anuais contra o feminicídio. O movimento chegou também ao Oriente Médio. No Irã, em janeiro e fevereiro deste ano, mulheres protestaram contra a obrigatoriedade do uso do véu, em vigor desde 1979. Cerca de 30 foram presas em uma manifestação recente. Na Arábia Saudita, o governo mudou uma lei que exigia o consentimento de um homem para que uma mulher abrisse uma empresa. O feminismo tem se espalhando por vários lugares do mundo e há causas similares. Mas é preciso pensar nas diversas realidades enfrentadas pelas mulheres, inclusive no Brasil.
Feminismos
O feminismo brasileiro tem características específicas como a necessidade de pensar as diferentes perspectivas envolvendo gênero e, principalmente, raça, classe e sexualidade. É um dos debates mais atuais dentro do movimento. “Ser branca em São Paulo é diferente de ser negra e nordestina”, diz Mafoane Odara, coordenadora de projetos do Instituto Avon. Diretora executiva da Anistia Internacional e fundadora da ONG Criola, Jurema Werneck aponta que o feminismo clássico trata da mulher branca de classe média, mas há outras questões que precisam ser mais debatidas. “O movimento ainda precisa ver como lidar com a maioria das mulheres, e isso inclui negras, trans, entre outros grupos”, afirma. Ela complementa: “Não digo que as pautas não ressoem, nem estou negligenciando reivindicações, mas é preciso retornar aos princípios do próprio feminismo de igualdade e justiça e ter olhar mais amplo.” Integrante da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, Juliana Gonçalves afirma que hoje o correto é falar sobre feminismos, no plural, e sobre como os grupos estão se articulando. “As sufragistas e a queima dos sutiãs são sempre lembradas, mas a resistência começou bem antes”, diz. “Enquanto as mulheres brancas estavam batalhando para entrar no mercado de trabalho, minhas ancestrais já trabalhavam há muito tempo.” Gonçalves ressalta que respeitar diferenças não pode ser motriz de desigualdade ou separação. Pelo contrário, é o que dá mais força. “Mas é preciso escuta. Quem tem uma bagagem diferente não pode ser tratada como uma desigual, pois a intolerância se traduz em números que matam e ferem.”
No caso de mulheres negras, que representam um quarto da população brasileira, a sobreposição entre desigualdade de gênero e de raça resulta em números alarmantes. O Mapa da Violência 2015 mostra que a taxa de homicídios entre negras aumentou 54,2% entre 2003 e 2013. No mesmo período, a taxa entre brancas caiu em 9,8% (confira no quadro ao lado). Além disso, é o perfil social com os maiores índices de desemprego: 17,4% contra 11,6% da média feminina com ensino médio. Resistência do mercado de trabalho e violência constante são realidades também para transexuais e travestis, em um País com as mais altas taxas de assassinatos desse grupo no mundo. Em 2016, aconteceu uma morte a cada dois dias. Diante desses dados e com a popularização do feminismo, discute-se atualmente a necessidade de olhar para as diferentes questões e se unir para combatê-los. “Essas outras vertentes surgem como forma de forçar o feminismo mais hegemônico a repensar suas práticas e perspectivas, se não a luta só serve para garantir igualdade a um segmento muito específico de mulheres”, afirma a escritora e militante feminista trans Amara Moira.
Foi ao perceber a dificuldade de mulheres negras no mercado de trabalho que a empresária e coach Ana Bernardes teve a ideia de se dedicar a ajudá-las. Criou o grupo Afro Empoderadas e Empreendedoras, hoje com mais de 2 mil pessoas, e presta consultoria empresarial voluntária, em eventos e acompanhamento individual — como faz com a dentista Kátia Cristina da Silva Neves, que gere seu próprio consultório. “Percebi que somos nós por nós”, diz Bernardes. Para a promotora de Justiça Fabiana Dal’Mas Rocha Paes, especialista em disparidades de gênero, a luta pela igualdade de oportunidades é justificada pelo efeito positivo também no desenvolvimento econômico. “Contemplar a parcela feminina da população, mais de 50%, fará com que o País seja mais desenvolvido”, afirma. “Por isso, podemos dizer que ser feminista e exigir mais espaços e oportunidades para as mulheres não tem a ver com ideologia ou tendência política para a esquerda ou direita, é uma questão, inclusive, econômica”, diz. Paes ressalta que, no último relatório do Fórum Econômico Mundial sobre disparidades de gênero, o Brasil caiu da posição 79 para a 90. “Essa queda tem relação com a falta de mulheres em cargos de poder”. E isso inclui o ambiente político. “Com mais mulheres no Congresso, haveria mais medidas protetivas”, afirma. Na Câmara dos Deputados, elas ocupam 10,7% das cadeiras e, no Senado, 14,8%.
O feminismo tem fomentado também mudanças no cotidiano dos brasileiros. A exemplo da discussão sobre a diferença entre assédio e paquera, que ficou mais intensa no início de 2018, quando a apresentadora americana Oprah Winfrey fez um discurso no Globo de Ouro falando sobre as situações vividas por mulheres na indústria do audiovisual em Hollywood. Na sequência, 100 francesas assinaram uma carta falando sobre o direito do homem de importunar uma mulher. Quais os limites da interação durante um flerte? O que é considerado ofensivo? Perguntas que muitas pessoas se fizeram podem ter sido respondidas durante o Carnaval deste ano, época em que os casos de violência sexual chegam a aumentar em 90%. Durante a folia, em diferentes cidades, foram distribuídos adesivos e cartazes com a frase “não é não”. Vídeos se propagaram pelas redes sociais com dizeres como “depois do não, tudo é assédio” e “meu corpo não é folia”, marcas de cerveja investiram em publicidade se posicionando contra abusos, cantores em blocos e trios elétricos lembraram a todo momento que violência contra a mulher é crime. E mais uma vez mulheres se organizaram com a campanha “Aconteceu no Carnaval”, site que recebe relatos dos abusos sofridos.
“Exigir mais espaços e oportunidades para as mulheres não tem a ver com ideologia” Fabiana Dal’Mas Rocha Paes, promotora de Justiça
No ambiente de trabalho, assédios também não são mais vistos com naturalidade. Nas empresas e instituições, mulheres têm se organizado para discutir situações e apontar nomes, inclusive expondo situações nas redes sociais. Um caso emblemático no Brasil envolve o ministério que é sinônimo da diplomacia: o Itamaraty, que registra casos recorrentes de embaixadores assediando sexualmente as funcionárias sem receber punição. “O fato de não haver mulheres na alta cúpula explica como um assediador pode ocupar o mesmo cargo até hoje, pois há apoio de chefes”, afirma uma integrante do Grupo de Mulheres Diplomatas, que falou à ISTOÉ sob anonimato. Para mudar esse cenário, é preciso que haja também envolvimento dos homens.
“Eles precisam entender a necessidade de abrir um espaço que é nosso mas que não estamos ocupando”, afirma a promotora Gabriela Manssur, autora do projeto Tempo de Despertar, curso voltado para explicar a agressores de mulheres a gravidade do crime e evitar que voltem a cometê-lo.
Nada a perder
Manifestações, campanhas, protestos, grupos, apoios. As redes de mulheres crescem e mostram o caminho que o feminismo brasileiro deve seguir nos próximos anos. A advogada Najara Barreto, 37 anos, é um exemplo de como uma ajuda pontual pode se expandir para o coletivo. Espancada pelo marido, não via a possibilidade de se separar por não trabalhar e ter que cuidar dos filhos. Com a ajuda do projeto Justiça de Saia, da promotora Gabriela Manssur, que auxilia vítimas de violência doméstica, conseguiu um emprego, se separou e hoje trabalha na equipe de Manssur. “Passo meu celular pra quem quiser, converso com as mulheres pelo Whatsapp, dou apoio total. Depois do que passei e por ter conseguido me reerguer, quero fazer com que outras vítimas sejam salvas também”, diz. A projeção que o movimento feminista e de solidariedade tem ganhado pode acarretar, segundo Tiburi, em um avanço reacionário. “O feminismo vai ser combatido porque é inovador e transformador, porque garante liberdades individuais e é ultrademocrático. A lógica da história é essa”, diz. “O sistema social atual cria o medo: de denunciar em uma delegacia, de procurar ajuda, de se manifestar”, afirma Tiburi, que conclui: “Mas as mulheres perceberam que perderam espaço, que são violentadas, fisicamente e em sua dignidade, no seu corpo e no seu trabalho. E agora não há nada a perder com essa luta, que só vai crescer.”
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domingo, 25 de fevereiro de 2018

INTERVENÇÃO PARCIAL

Artigo de Fernando Gabeira
Não creio que seja o caso de defendê-la diante das teorias conspiratórias, de esquerda ou direita, que veem nela uma espécie de ataque ao seu projeto eleitoral. É inevitável que as pessoas fixadas na luta pelo poder interpretem tudo, mesmo um fato dessa dimensão social, como simples contador de votos.
A intervenção está aí. O governo é impopular, mas o instrumento é o Exército, com grande credibilidade. Se escolher atos espetaculares para tirar Temer do sufoco vai afundar com ele.
Logo, a primeira e modesta tese: o norte é a prática militar, com preparo e meios materiais necessários, e não o oportunismo político. Se prevalecer a superficialidade do governo, a batalha será perdida.
A intervenção tem de saber o que quer, para definir a hora de acabar. Isso não se define com uma data rígida no calendário, mas com a realização da tarefa: estabilizar a situação do Rio para que a polícia tome conta depois de reestruturada. É isso que fazem as intervenções, mesmo num país como o Haiti.
Para reestruturar a polícia é preciso contar com a parte ainda não corrompida e pagar todos os salários em dia.
A maioria parece apoiar a intervenção. É fundamental respeitar a população, conquistar corações e mentes. Nesse sentido, foi um grande passo civilizatório o vídeo de três jovens orientando os negros a evitar a violência policial e a se defender, legalmente, dela. Está na rede. É um texto que deveria ser levado em conta, pois revela como as pessoas de bem se comportam nessa emergência.
Circulou uma notícia de que as favelas ocupadas por traficantes armados seriam considerados territórios hostis. É um equívoco, creio eu. As favelas são territórios amigos, ocupados por forças hostis. Parece um jogo de palavras, mas é uma diferença que implica em táticas e estratégias diversas.
A quarta modesta tese: como não foi realizada a intervenção completa, a Lava-Jato poderia avançar nos processos contra os políticos. Seria a maneira de combinar um ataque ao crime organizado em seus diferentes universos. Creio que fortaleceria o trabalho da intervenção.
Finalmente, algo que me parece também decisivo. Quem acha que é a única saída do momento, apesar de sua fragilidade, precisa ajudar.
O que significa ajudar? A sociedade já se move de muitas formas, inclusive, na internet, colaborando com aplicativos como Onde Tem Tiroteio, Fogo Cruzado e dezenas de outras iniciativas.
Isso vai depender também da intervenção. Se a visão for de aglutinar o esforço social, o general Braga precisa apresentar as linhas gerais de seu plano. Delas podem surgir uma indicação de como ajudar.
Compreendo que a esquerda diga que a violência foi superestimada pela mídia. O próprio general Braga derrapou no primeiro momento, ao afirmar que é muita mídia.
Ele tem razão, de certa forma. Sou um velho jornalista. No século passado, as notícias eram produzidas apenas por profissionais. Hoje, não: a estrutura industrial ampliou seu alcance diante de milhares de colaboradores filmando tudo. Quem filma os tiroteios no morro? E os assaltantes que tentam enforcar uma velha? Não são repórteres. Nenhum dos atos violentos foi desmentido. Não houve fake news, uma vez que caindo no circuito industrial os dados foram checados.
Não se trata, portanto, apenas de muita mídia. São muitos fatos. De qualquer forma, ganhariam as redes sociais.
É com eles que vamos. Ou não vamos.
Artigo publicado no Jornal O Globo em 24/02/2018
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sábado, 24 de fevereiro de 2018

PIONEIRAS NA POLÍTICA

A conquista do voto feminino no Brasil completa hoje, 86 anos. O país está sendo comandado por uma mulher, a presidente Dilma Rousseff;  é um marco na história política brasileira. Em 2010, Dilma chegou pela primeira vez ao cargo maior do país. Mas antes de Dilma chegar à Presidência da República, outras mulheres também foram pioneiras na política brasileira.
Alzira Soriano, em 1928 foi a primeira mulher eleita prefeita no Brasil, em Lajes, Rio Grande do Norte. Com a Revolução de 1930, Alzira Soriano perdeu o seu mandato, por discordar da ditadura de Getúlio Vargas. Em 1947, voltou a exercer um mandato de vereadora, foi eleita três vezes.
Carlota Pereira de Queiroz, foi a primeira mulher eleita deputada federal do Brasil, em 1933, em São Paulo.
Eunice Michiles, a primeira senadora do país em 1979. Eunice era suplente do senador João Bosco de Lima, após a morte do senador, ela assumiu a cadeira no Senado e entrou para a história da política brasileira.
Pelo voto direto, em 1990: Júnia Marise foi eleita a primeira mulher para o cargo de senadora: Júnia Marise, do PDT de Minas Gerais e a cearense Marluce Pinto, por Roraima.
Maria Luiza Fontenele, em 1986 é prefeita de Fortaleza (CE). É a primeira mulher a ser eleita prefeita de uma capital.
Iolanda Fleming foi a primeira mulher a tomar posse como governadora, em 1986, no Acre. Eleita vice-governadora em 1983. Quando o governador Nabor Júnior deixou o cargo em 1986 para disputar o Senado, ela se tornou a primeira mulher a governar um estado brasileiro.
Luiza Erundina, em 1988 é eleita a primeira mulher prefeita de São Paulo, a maior cidade do Brasil.
Antonieta de Barros, uma catarinense filha de uma escrava liberta começa aos poucos a ser "redescoberta" nacionalmente como ícone do movimento de mulheres negras. Antonieta de Barros foi a primeira parlamentar negra brasileira, eleita em 1934.
Benedita da Silva é a primeira mulher negra a assumir cargo de senadora, em 1990 e, em 2002 é eleita vice-governadora do Rio de Janeiro e em seguida assume o cargo de governadora.
Roseana Sarney, em 1994 é eleita a primeira governadora do país, pelo estado do Maranhão.
Leia mais sobre a mulher na política, clique aqui.
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UMA CONQUISTA FEMININA

A conquista do voto feminino no Brasil completa hoje 86 anos. Com a instituição do voto feminino, em 24 de fevereiro de 1932 os primeiros passos foram dados para que a mulher marcasse presença no espaço político, comprovando sua competência na arte de fazer política.
Apesar da instituição, o voto feminino não era obrigatório, o que só ocorreu em 1946. A partir daí, a mulher entrou no campo político e entrou na disputa eleitoral, concorrendo à cargos de vereadora, prefeita, deputada, senadora governadora e presidente da República.
As pioneiras Alzira Soriano e Carlota Pereira de Queiroz desbravaram essa seara e foram eleitas. Em 1928, a potiguar Alzira Soriano foi a primeira prefeita eleita no Brasil. A paulista Carlota Pereira de Queiroz, em 1933 foi eleita a primeira deputada federal no país.
O caminho longo e árduo continua fazendo parte da trajetória política da mulher no Brasil e levou mais outras décadas para eleger a primeira senadora, Eunice Michiles, em 1979. Ela era suplente do senador João Bosco de Lima, após a morte do senador, ela assumiu. Por voto direto as senadoras eleitas foram Júnia Marise Azeredo Coutinho, por Minas Gerais e Marluce Pinto, por Roraima.
Para eleger a primeira governadora, o país demorou outra eternidade, em 1986,no Acre, Iolanda Fleming foi a primeira mulher a tomar posse como governadora. Eleita vice-governadora em 1983, com a saída do governador Nabor Júnior para disputar o Senado, ela se torna a primeira mulher a governar um estado brasileiro.
Em 1986, Maria Luiza Fontenele é eleita prefeita de Fortaleza (CE). É a primeira mulher a ser eleita prefeita de uma capital.
Quebrando todos paradigmas, Luiza Erundina, em 1988 é eleita a primeira mulher prefeita de São Paulo, a maior cidade da América Latina.
Disputando uma eleição majoritária na cabeça de chapa, Roseana Sarney, no Maranhão, foi eleita primeira governadora e entra para a história da política brasileira.
Benedita da Silva, primeira mulher negra a assumir cargo de senadora, em 1990 e, em 2002 é eleita vice-governadora do Rio de Janeiro e em seguida assume o cargo de governadora.
Enraizado de conceitos ultrapassados, o Brasil demorou 78 anos para eleger Dilma Rousseff, a primeira mulher chegar à Presidência da República. As mulheres trilharam um caminho, longo e árduo para conquistar o direito de votar.
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sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

FUGINDO DO PARAÍSO

Artigo de Fernando Gabeira
No século passado, tive a oportunidade de cobrir a chegada dos refugiados do comunismo às praias de Brindisi, na Itália. Vinham da Albânia, sedentos de liberdade e de algum conforto material. E agora testemunho o movimento dos refugiados do socialismo do século 21. Como o drama se desenrola no Brasil, tive a oportunidade de seguir sua trajetória em três viagens à fronteira.
Na primeira entrei na Venezuela. Nas duas últimas concentrei-me em Boa Vista, Pacaraima e no trecho de 200 quilômetros da BR-174 que liga a fronteira à capital de Roraima.
O Brasil ainda não se deu conta desse drama na sua amplitude. Cerca de 180 crianças venezuelanas entram todos os dias no País, na maternidade Boa Vista nascem quatro por dia. E há muitas mulheres grávidas. Toda uma nova geração de brasileiros está surgindo desse drama histórico.
Índios waraos, que desceram da Bacia do Orenoco, vieram em massa para o Brasil. Estão alojados em Pacaraima e em Boa Vista. No ano passado estavam na rua. Eram um perigo para eles e também para a pequena cidade brasileira. Muitos tinham doenças de pele, pelas circunstâncias em que vivam, amontoados na rodoviária e nas cercanias. Hoje estão em abrigo, ainda em situação precária. É praticamente toda uma etnia que se mudou para cá. O que fazer diante disso?
A novidade desta última viagem é que o drama ficou mais intenso, famílias dormindo no chão, crianças revirando latas de lixo, mulheres se prostituindo na capital. Há também nesse sofrimento muita iniciativa, muita gente vendendo picolé, cortando cabelo, desenhando retratos, enfim, buscando uma forma de atenuar a miséria.
Hoje, são os próprios habitantes de Roraima que alimentam os venezuelanos. Mas isso não significa a inexistência de rejeição. As pesquisas indicam um mal-estar crescente, uma xenofobia latente num Estado que já teve os maranhenses como bode expiatório num momento em que se deslocaram em massa para Roraima.
O governo lançou um plano de ordenamento da fronteira com a Venezuela. Assim como a intervenção no Rio, é uma ideia à espera de um plano concreto. O princípio é correto: cadastrar e distribuir os venezuelanos racionalmente pelo País.
Pelo menos em teoria, aprendemos com a história dos haitianos no Acre. Eram em menor número, mas ainda assim foi preciso mandá-los de ônibus para São Paulo, sem nenhum aviso ou preparação.
No caso dos venezuelanos, no êxodo em massa está embutida também uma fuga de cérebros. Não há indicações precisas, mas há quem calcule em 20% o índice de profissionais com curso superior.
Desde o ano passado eu estranho o silêncio das forcas políticas brasileiras. Naquela época, já era possível prever esse desdobramento e, mais ainda, é possível agora afirmar que não existe nenhuma solução no horizonte.
Os venezuelanos vão continuar saindo em massa do país e as eleições anunciadas por Nicolás Maduro, boicotadas pela oposição, devem fortalecer a ditadura bolivariana. Os instrumentos diplomáticos do continente, Mercosul, Unasul, OEA, parecem incapazes de encontrar saída.
O Brasil hesita em internacionalizar o problema, embora a ONU já tenha mostrado simpatia pelo plano teórico de Temer. A internacionalização dificilmente resolverá pela América do Sul um problema que é muito do próprio continente.
A Europa está sobrecarregada com o êxodo pelo Mediterrâneo. Os Estados Unidos são governados por Trump, que não tem simpatia pelos refugiados.
O plano de ordenamento da fronteira, segundo os militares, depende de segurança jurídica. Ali podem trabalhar contra a entrada de drogas e armas. Mas não podem legalmente tratar de migração.
A fronteira continua porosa. Existe algo muito difícil de combater, técnica e politicamente: o contrabando de gasolina. A 174 está cheia de carcaças de carros queimados, muitos deles tentando escapar da polícia com uma altamente inflamável carga desse combustível. Documentei como os carros evitam a aduana e entram por um caminho alternativo trazendo a gasolina, que no lado da Venezuela é tão barata que dez centavos de real dão para encher um tanque. No lado brasileiro é vendida por R$ 1,50 o litro.
É politicamente difícil combater o contrabando, pelos simples fato de que ele faz parte da vida de Pacaraima: a cidade não tem posto de gasolina. Em termos de coerência, o Brasil só pode combater esse tipo de contrabando se abrir um posto em Pacaraima. A cidade se organiza como se isso não fosse necessário.
São 400 quilômetros de ida e volta entre Pacaraima e Boa Vista. É preciso encher o tanque na capital até transbordar ou, então, fazer o jogo do contrabando. Qual o sentido de tirar proveito de um país em ruínas? Jogar no quanto pior, melhor? Essa tese pertence ao outro lado, o de Maduro e seus apoiadores no mundo.
O êxodo entrou no noticiário talvez enfatizando apenas o sofrimento, sem atenção para os milhares de estratégias pessoais de sobrevivência, uma dimensão que é possível sentir nas descrições do escritor Primo Levi do campo de concentração em Auschwitz.
Mas na política mesmo ainda não descobriram o que se está passando por lá, exceto pelo voz desgastada de Romero Jucá. Impressionante como tanto sofrimento some no radar de Brasília. A condição humana escapa à esquerda quando as pessoas fogem do que ela considera um paraíso ou, como Lula, uma democracia em excesso. A esquerda não pode encarar essa realidade porque abalaria sua autoimagem. Entre abrir a cabeça ou se fechar para o mundo, já fez sua opção.
Felizmente, é um drama que não tem repercussão eleitoral, a não ser num universo de meio milhão de habitantes de Roraima. Com as paixões em fogo brando talvez seja possível responder com serenidade a essa tragédia, mesmo sabendo que o horizonte será mais sombrio.
Artigo publicado no Estadão em 23/02/2018
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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

FALANDO FRANCAMENTE

Marina Silva está de volta, por terceira vez, ao debate eleitoral brasileiro. Por ora, como pré-candidata. Quer ser a presidenta da República do Brasil que vai superar a polarização da sociedade, reunindo o melhor que cada partido pode aportar ao país. Marina, a ambientalista que ajudou a fundar a Rede Sustentabilidade, persiste. A exemplo do ex-presidente Lula, que concorreu três vezes até chegar ao Planalto na quarta, Marina teima. Levanta a bandeira do diálogo republicano para mudar o rumo da prosa num país que acumula rancor pelo futuro glorioso que nunca chega. Vinda de uma família pobre e numerosa, a exemplo de Lula, Marina sabe o que é furar o bloqueio do destino. Sua história sensibiliza. A superação da pobreza, o aprendizado da leitura aos 14 anos, a militância pelo meio ambiente. A carreira política e a projeção internacional. "Vamos fazer um debate em torno de propostas para que o eleitor analise a trajetória de vida de cada um”, diz ela.
Diferentemente do ex-presidente, ela quer abreviar seu tempo de espera para alcançar o Planalto. Chega nesta eleição trazendo uma mensagem, a priori, óbvia, que caracterizou sua campanha em 2010 e 2014: construir pontes com adversários, elevar o patamar de ética pública na condução do Executivo. Diálogo, diálogo, diálogo. Sair da dinâmica do toma lá dá cá. Tirar o país da cultura do ódio que se estabeleceu nas ruas. Há quem diga que Marina está numa posição confortável, de ataque aos que estão sob os holofotes, apenas apontando os erros de seus adversários. É criticada, também, por ter apoiado Aécio Neves em 2014, o impeachment de Dilma em 2016, a Lava Jato, e agora, mais recentemente, por não ter se posicionado enfaticamente contra a intervenção federal do Rio de Janeiro, muito embora a Rede tenha soltado uma nota contundente a respeito do assunto. Ela já se acostumou a críticas, e não se importa de confundir seus detratores: defende pautas consideradas de esquerda para alguns, e de direita para outros. “O Brasil não precisa de mais ódio, mais separação, mais violência. O Brasil precisa se unir em torno do que interessa”, diz ela ao receber o EL PAÍS, na sede da Rede, em Brasília.
O que deveria ser óbvio, porém, é algo profundamente desafiador para um país que se decepcionou com políticos eleitos sob o discurso da ética, e que depois demonstraram a perversidade do jogo político. Com o desenrolar da Lava Jato, entraram tempos bélicos, com eleitores tomados pela ira contra representantes da sua classe. Marina tem pouco tempo de propaganda e parcos recursos para campanha. Mas está confiante. “O debate que precisamos fazer hoje é o de uma transformação que não se encerra na eleição”, diz.
Pergunta. Você esteve em 2010 e 2014 concorrendo à presidência em campanhas presidenciais marcantes, com votações expressivas. O que a pré-candidata Marina de 2018 aprendeu com a experiência dessas duas eleições?
Resposta. Aprendi que vale a pena a gente persistir na verdade e não vale a pena fazer de tudo para ganhar uma eleição. A forma como a gente ganha determina a forma como a gente governa. Se ganha mentindo, governa mentindo. Se ganhar roubando, governa roubando. Se ganhar com violência, governa com violência. Vale a pena persistir em falar a verdade, em estabelecer o diálogo, em não ter postura de agressão, para não ganhar o poder a qualquer custo e a qualquer preço. Isso se confirmou nas duas eleições, principalmente em 2014, depois da catástrofe que aconteceu com nosso país, depois de uma campanha que fez tudo para ganhar a eleição. Eu dizia que preferia ganhar ganhando. E se não fosse assim, perderia ganhando. Dilma e Temer ganharam perdendo, e quem perdeu mais foi o povo brasileiro. São 12 milhões de desempregados, índices de violência cada vez mais altos no Brasil inteiro, a segurança pública um caos. Só ver o que acontece no Ceará, no Tocantins, no Amazonas e no Rio de Janeiro, e em todas as unidades da federação. Espero que hoje os brasileiros não se deixem levar pelas estruturas. Mas façam contraponto muito forte a elas.
P. Você coloca bastante ênfase no papel que a sociedade exerce e avanços que têm a chancela popular, como Todos pelo Educação, Ficha Limpa, etc. Mas essa mesma sociedade é suscetível a quem hoje inflama a cultura do medo, e que tem mais recursos do que você, como candidata. Sua estratégia tem sido trabalhar a linha do bom senso, como em 2010 e 2014. Vai dar certo agora?
R. A mesma estratégia de não apostar na polarização, na mentira e no medo vai permanecer. Até porque eu não posso acreditar que uma vitória baseada nessa prática política possa construir alguma coisa boa. Nunca o Brasil precisou tanto quebrar a polarização como agora, nunca se precisou tanto criar condições para que as velhas estruturas sejam derrotadas. Do dinheiro, do marqueteiro. A violência que você cita acontece em dois níveis. Num que aponta que se você não votar naquele projeto e naquele grupo você vai perder todos os direitos e conquistas que você já alcançou. Isso também é uma forma de violência. Porque é pensar política como dádiva, como favor. E pensar o cidadão como eterno devedor, que terá de pagar com o seu voto. O outro lado também é aquela política que infantiliza o eleitor. 'Fica aí que eu faço e aconteço por você, arrebento por você, falo e penso por você'. Precisamos de um amadurecimento político, onde a sociedade tem seu papel, sua responsabilidade, e essa campanha será a da hora da verdade.
P. De qual verdade estamos falando?
R. A verdade que empresários – não todos –, políticos – não todos – cometeram crimes gravíssimos contra o orçamento público e os interesses da sociedade. A verdade de que a polarização levou o país para o fundo do poço. E a verdade que o cidadão agora sabe de tudo isso. O cidadão pode ter agora uma atitude clínica, como diz o [filósofo polonês Zygmunt] Bauman, ou uma atitude cínica. Tenho fé em Deus, e na consciência do povo brasileiro, que ele tenha uma atitude clínica, de chamar para si a responsabilidade. Neste momento o povo brasileiro poderá, com o apertar da tecla no dia da eleição, demitir todos aqueles que usurparam a sua confiança, roubaram seu dinheiro, sua esperança. Uma situação de desequilíbrio muito grande, porque PT, PMDB, PSDB e DEM fizeram acordos entre eles, para evitar que a sociedade faça qualquer tipo de mudança que não esteja por dentro de seus leitos. O tempo de televisão maior é pra eles, recurso eleitoral é maior pra eles. Para bloquear qualquer possibilidade de que a sociedade possa fazer a mudança.
P. Mas e agora, como fica?
R. O povo brasileiro é maior que a montanha de dinheiro, o tempo de TV e o marqueteiro. Acredito nisso e vou trabalhar por isso com tranquilidade. Não acho que para ganhar a eleição a gente tem que destruir as pessoas. Cada um tem o direito de se colocar. E vamos fazer debate em torno de propostas para que o eleitor analise a trajetória de vida de cada um. O projeto que representamos, o que pensamos para manter as conquistas do passado e corrigir erros, resolver problemas graves que estão acontecendo, caso de segurança pública que leva a aumentar a violência e a situação de descontrole. E o desemprego ceifou as esperanças de cada pessoa cuidar da sua família. Tem muito candidato que faz campanha olhando para o retrovisor. Sem deixar de olhar para trás, mas coisas ruins que podem ser pedra no caminho, olhar para o presente, resolver os problemas, e olhar para futuro, para um novo ciclo de prosperidade econômica, social, cultural, política e de valores.
P. Suas colocações, e a filosofia da Rede pegam um público jovem. Mas como um partido pequeno de poucos representantes pode concorrer com as bancadas de MDB ou PT?
R. Espero que haja grande renovação no Congresso e no Executivo, tanto nacional como na maioria dos Estados. E essa história de partido grande e partido pequeno... precisamos aprofundar melhor esse debate. Olha a situação em que está o Brasil. Quem foi que levou o Brasil a essa situação? Os partidos grandes! As bancadas grandes. Logo, o tamanho do partido e da bancada não é sinônimo de bom governo, de boa gestão publica, ou de bom serviço prestado ao cidadão. Pelo contrário, passou a ser sinônimo, na maioria dos casos, de articulação criminosa para roubar a Petrobras, fundos de pensão, a Caixa Econômica, o Banco do Brasil, Belo Monte. Quando digo que a sociedade tem um papel, é porque eu acho que só ela pode criar um novo ciclo na política brasileira.
P. De que forma exatamente?
R. Muita gente acha que é primeiro mudar as estruturas para depois mudar a política. Acho que primeiro precisa de uma mudança de postura. E mudar esses parlamentares que estão aí numa grande quantidade. Mudar o Executivo para que haja uma nova qualidade principalmente no sentido da ética pública. A sociedade já deu grandes contribuições do ponto de vista prático. Na saúde, na educação, no meio ambiente, até na política econômica. Nos direitos humanos. Na questão indígena, no combate a fome, e agora é convocada para dar uma grande contribuição na inovação política. A renovação de quadros tem que vir lastreada de inovação política. Porque a reforma política que foi feita vai na contramão da inovação e renovação. Foi feita para dar mais poder e dinheiro aos partidos, e mais possibilidade de controle dos caciques. Seja de Executivo ou Legislativo. Num momento em que surge um novo ativismo no mundo, autoral, das pessoas, eles estão na velha lógica das velhas estruturas do século XX, final do século XIX. É repensar qual é a visão que conduz a essa nova dinâmica, à política cultural civilizatória, qual processo faz com que pessoas se integrem, para não ser uma sociedade tão fragmentada que não leva a lugar algum. O debate que precisamos fazer hoje é o de uma transformação que não se encerra na eleição. A eleição é um momento de tudo isso. Pode dar grande contribuição.
Hoje, a Rede Sustentabilidade conta com quatro deputados e um senador. Mas, o noticiário político dá como certo que Alessandro Molon (Rede-RJ) e Aliel Machado (PR) devem migrar nos próximos dias para o PSB, partido pelo qual Eduardo Campos e Marina concorreram à eleição em 2014. Foi com a morte de Campos que Marina assumiu a cabeça de chapa, alcançando 22 milhões de votos. Em 2010 haviam sido quase 20 milhões. Se por ventura a notícia da saída dos deputados, aventada desde o ano passado, se confirmar, Marina não teria o mínimo de cinco representantes no Congresso, que lhe garantiria espaço nos debates eleitorais na TV. Mas, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a Rede agora tenta atrair novos filiados. Mesmo nessa troca de guarda, seu tempo de programa ainda seria minúsculo, com menos de 15 segundos, tempo este que poderia crescer a partir de alianças partidárias. Uma delas poderia ser o próprio PSB.
P. Vamos imaginar que Marina Silva ganha a presidência. Apoia uma reforma da Previdência, trabalha o ajuste fiscal, e você vive um momento de popularidade baixa. E aí, o Congresso aproveita e não quer aprovar projetos importantes. E negociam barganha: “aprovamos se você liberar tal emenda”. Como a presidenta Marina reagiria a uma chantagem do Congresso?
R. Primeiro que um presidente não deveria ceder jamais a uma chantagem. Numa República, um representante da sociedade, que é o Congresso, jamais deve chantagear. Esse é o novo requerimento. Nós precisamos refundar a República. Não consigo imaginar um país que naturaliza a chantagem. Os que chantageiam e os que são chantageados. Os que corrompem e são corrompidos. Em que se naturaliza como única forma de governar esse tipo de prática. Participo sem vale tudo para ganhar, pois se ganhar quero estar legitimada para fazer as mudanças que o Brasil tanto precisa. Tenho certeza que isso é totalmente possível. Fui ministra do Meio Ambiente durante cinco anos e meio, aprovei projetos altamente relevantes para o resultados das políticas ambientais que hoje são reconhecidos e premiados no mundo inteiro, e nunca fiz qualquer tipo de barganha. Sempre foi na base do convencimento. Quando aprovei a lei da Mata Atlântica, a lei de gestão de florestas públicas, a criação do serviço florestal brasileiro, que tinha o objetivo de se tornar a Embrapa das floresta ( infelizmente foi parado com tudo), a criação do instituto Chico Mendes, e posso citar uma série de projetos relevantes também na base de convencimento. E olha que eu não era a pessoa que tinha mais popularidade no Congresso.
P. Por quê?
R. Porque eu sempre fui militante das causas ambientais, da educação, de direitos humanos, causa indígenas, mas graças a Deus consegui dialogar com diferentes partidos, e nunca na minha vida encontrei qualquer pessoa que me viesse fazer uma proposta antirrepublicana. Nunca. Não se pode baixar a guarda. Quando você baixa a guarda dos procedimentos republicanos, acontece o que aconteceu no Brasil. A sociedade precisa de quem dialoga, de quem compõe. E não é errado compor governo, pode fazer isso sem ser no base no toma lá dá cá, mas no base do programa, dando crédito inclusive para aquela liderança política que está à frente da saúde, da educação, da segurança pública. O problema é que as pessoas querem privatizar a popularidade. Eu não acredito no poder centralizado, acredito no poder diluído. Se tenho um bom ministro na Educação, é com esse trabalho que ganhará nome, mesmo sendo de outro partido. Não tenho problema em partilhar crédito, porque política não se faz sozinho. E os partidos políticos têm bons quadros, o setor privado também. A sociedade, a academia, os trabalhadores... eles estão no banco de reserva e quem entrou em campo entrou para fazer gol contra. Está na hora de botar em campo quem vai fazer gol a favor do Brasil e na rede, literalmente na Rede.
Marina ri, discretamente, do seu jogo de palavras. Na sede do partido, num velho edifício comercial da região central em Brasília, ela já havia recebido diversos jornalistas, seguindo uma sequência de entrevistas, que iniciou há algumas semanas. É uma maneira de se expor até que os tempos de campanha cheguem oficialmente, a partir de 16 de agosto. Será uma campanha curta e muito disputada, inclusive com o jogo sujo das notícias falsas. Mas ela, criticada por seu excesso de discrição diante de temas substanciosos, já começou a falar como a candidata da Rede.
O QG do partido é modesto, instalado num edifício onde se encontram a sede de sindicatos trabalhistas, lojas de eletrônicos, farmácia, e escritórios. Poucos dias antes da entrevista, uma parte de um viaduto havia caído perto dali. O orçamento da ex-ministra do Meio Ambiente para avançar na corrida eleitoral também é modesto, assim como seu tempo de propaganda. A Rede deve contar com cerca de 10 milhões de reais do fundo eleitoral para bancar a campanha. PT e PMDB, por exemplo, terão mais de 200 milhões cada.
P. Você tem pouco dinheiro para campanha e pouco tempo de televisão. Existe alternativa de aliança para que você possa ampliar seu tempo?
R. Tenho feito um esforço de dialogar com os diferentes partidos, numa atitude de respeito porque é um momento difícil e cada um coloca a possibilidade de ter candidatura própria. Venho dialogando com os partidos com os quais caminhamos juntos em 2014. Mas com respeito, pois é eleição em dois turnos e aí partidos têm direito de encaminhar o que eles acham que é a sua contribuição genuína para o momento de primeiro turno. Não se pode tratar a eleição de primeiro turno como se fosse a única. Não preciso ser inimiga do Ciro Gomes, do Joaquim Barbosa, se ele for candidato, de quem quer que seja o candidato que esteja dentro desses requerimentos. Torço para que haja uma renovação na política. Vejo como promissora a iniciativa de segmentos da sociedade começarem a participar do processo político colocando candidaturas que não costumeiramente estavam nos cânones dos partidos. Mas temos de ter um certo cuidado porque uma coisa é ir por um percurso. Deputado, senador, etc. Outra coisa é algo como a Dilma, que foi direto para a presidência da República. E outras experiências. Temos de ir aprendendo. Mas eu saúdo a iniciativa de quem quer contribuir para melhorar e se dispõe como quadros novos.
P. Entre outsiders que rondam as eleições, o Luciano Huck  é um apresentador de TV e o cogitam para a presidência, incluindo FHC validando. Não é estranha essa validação do ex-presidente?
R. Acho [positivo] o movimento de querer contribuir com o debate, estimular candidaturas, como o Huck diz que irá fazer, e eu não tenho por que duvidar da palavra dele. Ele mesmo já disse que não é candidato, acho legítimo. Neste momento de tanto descrédito, se ele já disse que não é candidato, e inicia um debate de processo político, não o diria com tanta veemência para depois voltar atrás. Acho que participa de forma legítima, de um processo cidadão para estimular candidaturas cidadãs.
P. Não vê a chance de ele vir a dizer que é candidato?
R. Ele mesmo disse 'não' com todas as letras. Sou daquela compreensão de que na democracia todos têm direito de se colocar se estiverem de acordo com a lei da Ficha limpa. Obviamente que temos de ter todos os cuidados. Vamos colocar quem não é político... Não deu certo com a Dilma. Tem aquilo “ah, é um gestor que está acima do bem e do mal”. Mas eu saúdo os que querem melhorar a qualidade da política, não tenho por que ficar duvidando do que o Luciano diz que não é candidato. E como cidadão, tem direito de mostrar o que acha melhor para o Brasil.
A entrevista com Marina foi feita dias antes de o nome de Huck voltar à baila, com as especulações de que anunciaria, por terceira vez, se seria ou não candidato. Embora Marina tenha dito que não tinha por que duvidar da palavra do apresentador, o próprio duvidou de suas certezas, pelo que descreveu no artigo publicado na Folha de S. Paulo, no último dia 18. “... por mais coerente que eu tente ser, não posso esconder que o coração se encheu de força, a cabeça de ideias e que todas as intempéries e adversidades que os amigos mais queridos apontavam incessantemente, encolheram e ficaram minúsculas por alguns instantes.” Embora tenha dito por terceira vez publicamente que não é candidato, sua hesitação deixou aberta, novamente, a porta para as especulações.
P. Falando de Lula, uma edição da revista Época mostra que TRF-4 foi mais severo com ele do que em outros julgamentos similares, o que abre especulações. A sua leitura é que a Justiça foi feita?
R. Temos um processo longo de investigação, em que foi assegurado ampla defesa. E que ainda tem recursos cabíveis para revisão das penalidades aplicadas, de acordo com requerimentos legais. Não podemos ter atitude de rebelião contra a Justiça. Ou criaremos dois pesos e duas medidas. O problema é que temos altos empresários e lideranças políticas sendo julgadas, e não temos o equivalente para os que estão escondidos no Executivo e no Legislativo dentro do foro privilegiado. É isso que está criando a anomalia. Tem 200 deputados e senadores que deveriam ser igualmente investigados e punidos, mas não estão em função do foro privilegiado. Eles podem julgar seus próprios crimes. Temos pessoas que estão no Executivo sem investigações. Caso do presidente, se não tivesse foro, seria investigado pelo Supremo. Não fosse o toma lá dá cá, que garantiu o caso arquivado. Temos de acabar com foro para que todos aqueles que cometeram erros, assegurada a ampla defesa, sejam investigados e julgados. Não acho que alguém por ser citado ou ser investigado já é culpado. Só digo que temos que respeitar o trâmite judicial e fazendo todos os esforços de que sejam decisões técnicas, investigações que levem a um veredito legal, ético, em todos os sentidos.
P. Nós vimos o fortalecimento da bancada ruralista no Congresso, assim como a bancada da bala, e a chamada da bíblia, inclusive com vários falsos profetas. Como lidar com esses retrocessos em meio ambiente e diretos de mulheres e até o fim do estatuto do desarmamento proposto por este grupo?
R. Esse risco está posto, as pressões acontecem, no Governo da Dilma e do Temer. Eles cederam sobremaneira, porque a primeira coisa que negociam é a agenda ambiental, indígena, dos direitos humanos. Direitos que não deveriam ser negociados. Um governo que tem credibilidade, legitimidade, ele terá que fazer a mediação entre os diferentes interesses. Não é errado ter interesse. O erro é quando o interesse de algum se sobrepõe de maneira ilegítima e espúria sobre o interesse dos demais. Num governo democrático você dialoga com todos os segmentos. E paga o preço por assumir posição. Nesse presidencialismo de coalizão que nós temos, enquanto estava com figuras fortes, como Fernando Henrique – pode-se ter discordância —, ou Lula – pode-se ter discordância também – eles conseguiam liderar governos. Tivemos problemas de compras de votos de reeleição (FHC), do mensalão, com Lula. Mas no caso de governos fracos, como é o caso de Dilma e Temer, então, a chantagem campeou porque esses governos não conseguiram outra linguagem que não a toma lá dá cá. O governo legitimado pelo respaldo da sociedade tem de usar sua credibilidade para fazer o que é estratégico pelo país.
Marina se declara contra a reeleição por ver neste mecanismo uma porta de entrada para oportunismos que prejudicam a democracia. Em sua visão, as pessoas acabam sobrepondo limites éticos para garantir mais tempo no poder. “Quem decide o tempo de validade é o cidadão”, diz ela. Lembra da época em que emissários tucanos aventavam que o partido precisava ficar 20 anos no poder. Depois, veio o PT com o mesmo objetivo. E para lograr esse objetivo, vende-se a alma de um país. “Se precisa negociar interesses espúrios contra os índios, é o que vão fazer. Se precisa fazer interesses tem que atacar cofres públicos e roubar Petrobras, eles vão fazer”, reclama Marina, para quem um Governo deveria ter cinco anos, e abrir caminho para alternância de poder, ainda que o partido no poder concorra.O que não dá para ser é personalizar os Governos. “Nós não podemos criar uma lógica de que isso [um Governo] só funciona com um grupo. Pois isso acaba com a democracia. Temos de combinar as duas coisas”, diz ela.
P. De que forma se combinam as duas coisas?
R. Institucionalizar as conquistas, transformar as conquistas em direito, em leis que possam ser cumpridas independente dos partidos, do governo ou dos lideres. No Brasil e na América Latina e nas democracias ainda não amadurecidas as pessoas fulanizam, partidarizam as conquistas para ganhar dividendos com aquilo que é de todos. E trabalham com a cultura do medo, da violência, fazem as pessoas trocarem as suas liberdades para fazê-las mudar de opinião, fazer sua escolhas por segurança. Se eu não votar eternamente nesse, vou perder meu emprego, meus estudos? Meu programa de transferência de renda? Isso não é cidadania. Não acredito em políticos que tratam direitos como se fossem favores. Temos de amadurecer nossa democracia. Por isso pago um preço, falo claramente o que penso. Vejo políticos que fazem a política de camaleão. Fala de acordo com o público. A estratégia é enganar o eleitor. Em cima de princípios e valores duradouros podemos fazer alianças pontuais.
P. Você sempre  defendeu a Lava Jato e o papel que a força tarefa tem exercido no Brasil. Vivemos a revelação de que os juízes Moro, Bretas e o chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, recebem auxílio moradia, mesmo tendo casa própria. Num momento em que o papel da ética está sobre a mesa, isto não soa como ética relativa?
R. Nós temos de fazer o aperfeiçoamento das nossas instituições. As contribuições que vem sendo dadas para o combate à corrupção não podem ser invalidadas em função dos aperfeiçoamentos que devem e precisam ser feitos em cada um dos poderes. Não temos a pretensão de anular a Constituição Federal pois com certeza dentre os que votaram, havia alguns que não tinham alinhamento com os valores republicanos dela. Temos de fazer corretamente essa separação. Ou daqui a pouco estamos fazendo a política de que um se esconde atrás do erro do outro. Vamos nos fortalecer nos acertos de cada um, no varejo para ver se fazemos uma grande mudança no atacado. E vamos combater os erros que existem no Executivo, Legislativo e Judiciário no atacado. Quem está dando a melhor contribuição nesse sentido, mais uma vez, é a sociedade que ajudou a aprovar a Lei da Ficha Limpa, e também por ela não se permitiu aprovar a lei de abuso de autoridade para intimidar a Justiça. E será graças à sociedade que, acho, se criará algum mecanismo de controle social do Judiciário, ressalvada a autonomia desse poder. Nós não podemos ter uma justiça tutelada e nem de encomenda. Precisamos de uma Justiça de acordo com sua autonomia.
P. Mas essas notícias lhe incomodaram? O auxílio moradia lhe incomodou?
R. O correto é não ter esse tipo de privilégio para ninguém, assim como não ter foro privilegiado.Nem para o Executivo, nem Legislativo nem Judiciário. Tudo que vem à tona é para ir separando o que são erros de privilégios legais, e outros erros daqueles problemas ilegais. Privilégios combatidos com a lei para que a lei seja igual para todo mundo.
P. Você já disse que hoje não apoiaria Aécio Neves, como o fez em 2014, com as informações que se dispõe dele. Você também sempre se disse favorável ao impeachment da ex-presidenta Dilma. Mas, de lá para cá nossa democracia sofreu abalos, houve queda na qualidade democrática. Isso não lhe faz rever sua posição sobre o impeachment também? Você não teme ser vítima de um processo similar num Congresso hoje?
R. Com relação ao Aécio, com as informações de hoje, não teria apoiado assim como acho que a maioria do povo brasileiro não teria votado nem nele nem na Dilma porque ambos participaram do mesmo assalto aos cofres públicos. Em relação ao impeachment, houve um crime de responsabilidade e ele não pode ser secundado, foi em função dele que a presidente Dilma foi cassada. Já tivemos outro presidente cassado também, com o Fiat Elba do Collor. Se as pessoas vão agir de forma oportunista em determinadas circunstâncias de fazer a cassação de um mandato sem ter nenhuma materialidade para fazê-lo, espero que não. Não acho que a mobilização da sociedade para cassar quem comete crimes contra a nossa Constituição diminua a democracia. O que diminui a democracia é o que leva governantes a desrespeitarem as leis. É o que está sendo feito com a liberdade que conquistamos para assaltar a Petrobras, Caixa, etc. Isso diminui a democracia. A mobilização do povo é o que está salvando a democracia. As instituições que estão funcionando a duras penas também.
P. Setores da sociedade temem seu nome por você ser evangélica. Como você pensa em falar com grupos, como o LGBT, e trabalhar o preconceito que existe pelo fato da sua religião ser pública?
R. Tem de tratar com tranquilidade porque as pessoas têm o direito de querer saber as opiniões, posições em relação àquele que vai se dirigir a todos os brasileiros.
P. Existem riscos de retrocesso?
R. A resposta, você mesma já deu. Há um preconceito pelo fato de ser evangélica... as pessoas têm o mesmo cuidado em relação aos católicos? A outros credos? Claro que determinadas situações que até vão na contramão nesse modo que foi a grande contribuição do mundo evangélico para a abertura do Estado – não esqueçamos que estamos fazendo 500 anos de reforma protestante. Quem estabeleceu e ajudou a separar Estado e Igreja para Estado laico, e trabalhou tanto para que não houvesse a educação apenas confessional....
P. ...Sim, mas temos representantes no Congresso que trabalham por retrocessos de conquistas.
R. Não podemos trabalhar com rótulos. O fato de termos algumas pessoas com algum tipo de atitude com a qual eu não concordo... não posso generalizar para todas as pessoas que não têm fé. Então temos de tratar no mérito. Defendo Estado laico, porém não é Estado ateu. Estado laico respeita os direitos dos cidadãos, seja ele que crê, que não crê, seja ele que é homem ou mulher, independente de orientação sexual. Estado é para atender as políticas públicas. E não imagino que depois de tanta luta para que tivéssemos um Estado laico iríamos reeditar a ideia de um Estado teocrático. A própria reforma protestante deu essa contribuição. Eu tenho tranquilidade porque tenho a minha fé. Não preciso escondê-la. As pessoas têm de votar em mim sabendo quem eu sou. Não gosto de fazer prática de um discurso para cada público. Já disse que em cima de valores e princípios éticos duradouros podemos fazer alianças pontuais. Eu não concordava com tudo que a Marta Suplicy defendia quando eu era do PT mas isso nunca me impediu de fazer suas campanhas. Eu não concordava com tudo com o [Fernando] Gabeira, e isso não me impediu de apoiar sua candidatura. O direito de expressão não é só para os que creem mas para os que não creem. Então, vamos fazer o debate. Meu programa de 2010, 2014 sofreu muitos ataques e eu diria que foram injustos. De longe fui a que mais apresentou propostas respeitosas com a comunidade LGBT, o que não significa que eu tenha de negar a minha fé e os valores nos quais acredito.
P. Ainda que não falemos em polarização, a Rede está mais a esquerda, não?
R. A Rede está à frente. Hoje essa coisa de esquerda e direita não diz muita coisa. A esquerda se junta com Maluf, com Sarney, Jader Barbalho, Amazonino, Renan... com Collor. As pessoas têm complexo, as pessoas têm síndrome de rei Midas, que achava que tudo que tocava virava ouro. Tem gente que acha que tudo que toca está purificado. Temos de pensar em novas sínteses. O socialismo humanista deu grandes contribuições. Chegamos aqui por contribuições do ideário da revolução francesa e avanços tecnológicos da revolução industrial. E hoje já estamos em outra fase. Será que vamos continuar nos situando dentro dos mesmos paradigmas? As coisas não são 100% cinza ou azul. Temos de saber trabalhar com a complexidade da vida e do mundo. Não gosto dessa relativização. Se estiver com este grupo, você esta purificado. Se você esta com outro, demonizado. Essa dicotomia que leva a polarização nos levou agora para essa guerra com algum lado. Podemos nos unir a favor do Brasil. Há pessoas valorosas em todos os partidos. As pessoas têm de se unir para combater alguém?
P. Você se vê numa eventual união de esquerda caso Jair Bolsonaro cresça demais e se torne uma ameaça?
R. As pessoas querem se blocar para polarizar, não sei se é o melhor caminho. Eu venho de um projeto que é para desconstruir a polarização, e não para adensá-la. Não acredito nela como solução. Se ela ajudasse a construir algo, não teríamos o desmascaramento dela no que acontece no combate a corrupção. Esses grupos que nunca se uniram, como PT e PSDB, nunca os vi se unirem para grandes questões relevantes nacionais, mas sim para ir contra a Lava Jato, e apoiar o foro privilegiado. O primeiro partido a fazer uma nota contra o suspensão do mandato do Aécio foi o PT.
P. Como ficaria a reforma da Previdência? Se você estivesse no Congresso, você votaria?
R. Esta que está aí não tem credibilidade e legitimidade para ser feita. Começou do jeito errado, ouvindo apenas o lado do empregador. Uma reforma da Previdência, para resolver os problemas de déficit, para atualização na reestruturação produtiva que o mundo está vivendo, o bônus demográfico que perdemos, precisamos fazer, mas não essa que não dialoga com trabalhadores. Mas precisamos sim de reforma, e precisa ser encarada. Em 2010 eu já levantei esse problema, e dizia, inclusive, que precisávamos sair do regime atual para o de capitalização.
P. Mas esta Previdência atual modifica direitos de uma parte de sociedade, e preserva de um setor da elite. Como se corrige, por exemplo, o caso dos militares?
R. Isso só se corrige no debate. Olhando o conjunto dos problemas da Previdência, de forma transparente. Colocando a natureza das assimetrias que existem hoje em relação aos grupos que ficam fora dos grupo de pressão. E o Governo Temer perdeu grande chance de fazer isso. A reforma que o Brasil precisa é a partir de um debate. Não se pode pedir sacrifício em nome de privilégio de um, ou de gasto ineficiente de um Governo, sem perspectiva de um novo ciclo de prosperidade e investimento.
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terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

BATATA QUENTE

Da ISTOÉ
No abre-alas do ano eleitoral, o PSDB se depara com um problemão para resolver. Depois de perder quatro eleições em 16 anos, o partido esperava nadar de braçada, ao apresentar um candidato mais identificado com o centro do espectro político para fazer frente aos representantes dos extremos Lula, à esquerda, e Bolsonaro, à direita. Tudo muito bom, tudo muito bem se o nome ungido pela cúpula do partido não fosse o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. O tucano se transformou numa batata quente na mão da legenda. Ninguém sabe como ele vai fazer para conseguir desempacar nas pesquisas – hoje Alckmin encontra-se estacionado nos 6%, bem atrás dos mais bem colocados Lula (34%) e Bolsonaro (27%), e registra a maior rejeição.
O pessimismo invadiu até os poros do PSDB. Sem carisma, o presidenciável encarna o anti-candidato: não tem mostrado habilidade política para celebrar alianças, padece de um discurso consistente para encantar o eleitorado, recorrendo sempre a evasivas e a generalidades, e ao contrário do que prometeu quando assumiu a presidência da legenda, não conseguiu unir o tucanato – hoje mais dividido do que nunca. Tucano histórico e adversário de Alckmin no PSDB, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, é um dos que já jogam a toalha. “Geraldo é um candidato sem pegada, sem posições definidas. No ritmo em que ele vai, o PSDB ficará de fora do segundo turno”, afirmou. A direção do partido, que mais uma vez escolheu o candidato a partir de uma convenção de cúpula, ou seja, de modo vertical, de cima para baixo, não é poupada das críticas: “Olho para eles (a direção do partido) e vejo todos felizes, rumo à quinta derrota seguida. Parece que jogam para perder”, disparou Virgílio. Na mesma linha de Virgílio, o próprio ex-presidente Fernando Henrique está convencido de que, com Alckmin, a candidatura do PSDB não alçará vôos mais altos.
À ESPERA Luciano Huck continua atraindo os holofotes, apesar de negar a candidatura (Crédito: Pedro Ladeira)
Hoje, ao se vislumbrar o quadro político, o melhor cenário para Alckmin seria que as forças de centro, diante da mais absoluta falta de alternativas, convergissem em torno de seu nome. A questão é que, em política, nada ocorre por gravidade. Daí a dificuldade de Alckmin. O advogado Murillo Aragão, da Arko Advice, aponta outro obstáculo. “Nas três vezes em que o centro precisou do PSDB, seja para proteger o presidente Temer ou para encaminhar a reforma da Previdência, o partido titubeou.
Como então o centro vai aceitar a candidatura do PSDB sem questionar? Esse é o ponto que se coloca hoje”, afirmou. A postura claudicante de Alckmin abriu uma avenida para nomes que correm na mesma raia que ele, como Rodrigo Maia (DEM) e Henrique Meirelles (PSD). Não por acaso, no PSDB, o caldeirão está fervendo. A pressão exercida sobre ele é inversamente proporcional à contagem regressiva do relógio. Ainda mais levando-se em conta que a eleição de outubro será a mais curta da redemocratização. Se Alckmin não emocionar o eleitorado até o fim do primeiro trimestre, nomes com maior potencial de crescimento já se insinuam para substituí-lo: o apresentador Luciano Huck e o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Huck, inclusive, atraiu os holofotes nesse início do ano ao sugerir em entrevista ao Domingão do Faustão que não estaria fora do jogo. Embora, na quarta-feira 10, ele tenha voltado a negar a candidatura, o frenesi gerado por Huck entre os eleitores mais identificados com o centro do debate político embalou comparações com a popularíssima apresentadora de TV norte-americana, Oprah Winfrey, cotada para concorrer em 2020 à Presidência dos EUA. Na segunda-feira 8, o próprio presidenciável do PSDB disse acreditar que até junho ou julho o cenário dificilmente vai ser alterado de forma consistente.
Riscos
Também joga contra Alckmin o fato de ele representar o velho, enquanto o eleitor busca novos rostos. “O eleitor está cansado de Alckmin, sobretudo porque ele não resolveu a crise de Segurança no Estado, apesar de ser governador por 14 anos”, disse o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV. O tucano encontra dificuldades para decolar também no Paraná e em Santa Catarina, considerado “o Nordeste do PSDB”, regiões onde o senador Álvaro Dias e o deputado Jair Bolsonaro demonstram bom desempenho. O tucano também não vai bem no Rio Grande do Sul, patina no Rio e não encanta no Nordeste.
“Geraldo pensa que é o candidato do centro, mas não é. Há candidatos mais credenciados que ele” – Arthur Virgílio (PSDB), prefeito de Manaus
Os aspectos éticos, flancos que poderiam ser explorados contra o PT na campanha, não deixam de assombrá-lo. Além de estar às voltas com denúncias em obras no Rodoanel e Metrô, Alckmin vem sendo investigado no Superior Tribunal de Justiça, devido à acusação de delatores da Odebrecht de que teria recebido R$ 10 milhões de caixa dois, durante as campanhas eleitorais de 2010 e 2014. Para tentar turbinar a campanha, Alckmin adiantou na última semana o coordenador do seu plano econômico: o economista Pérsio Arida, um dos pais do Real. Mas ninguém no próprio PSDB, à exceção dos aliados mais próximos de Alckmin, acredita que o gesto será suficiente para desencadear uma agenda positiva que se traduza em índices mais robustos de aceitação popular. Se o quadro não mudar e o céu não converter-se a brigadeiro, certamente o PSDB e os partidos da órbita governista ligarão o radar por um nome com turbinas mais potentes.
• Alckmin com 6% se mantém muito distante dos líderes Lula 34% e Bolsonaro 17%, e perde até para Marina, com 9%
• Sua rejeição é muito alta, com 27%, só atrás de Lula
• Deveria obter melhor desempenho no seu estado. Lidera a corrida em São Paulo, com 23,7%, segundo o Instituto Paraná Pesquisas, mas só um pouco à frente de Bolsonaro (19,9%) e Lula (19,4%)
• Perde em redutos tradicionais do PSDB, como Paraná e Santa Catarina. Não tem penetração no Rio de Janeiro e muito menos no Nordeste
• Está desgastado depois de 20 anos de PSDB no poder em São Paulo
• É investigado no STJ por ter recebido ilegalmente R$ 10 milhões da Odebrecht para as campanhas de 2010 e 2014
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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

DESEMBARQUE DO GOVERNO

A ministra Luislinda Valois foi demitida dos Direitos Humanos, pasta que comandava desde fevereiro. Subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo Vale Rocha, acumulará a pasta. A exoneração de Luislinda será publicada no Diário Oficial da União de amanhã, 20. Luislinda ficou conhecida depois que a Coluna do Estadão revelou que a ministra pediu para acumular seu salário de desembargadora aposentada com a remuneração da pasta alegando “trabalho análogo à escravidão”.
Em novembro passado, a Coluna do Estadão mostrou que Luislinda Valois apresentou ao governo um pedido para acumular o seu salário com o de desembargadora aposentada, o que lhe garantiria vencimento bruto de R$ 61,4 mil. Em 207 páginas, ela reclamava que, por causa do teto constitucional, só pode ficar com R$ 33,7 mil do total das rendas. A ministra disse que essa situação, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo, o que também é rejeitado, peremptoriamente, pela legislação brasileira desde os idos de 1888 com a Lei da Abolição da Escravatura”.
Luislinda justificou no documento que, por causa da regra do abate-teto, pela qual nenhum servidor ganha mais do que um ministro do Supremo, seu salário de ministra cai para R$ 3.292 brutos. O de desembargadora, de R$ 30.471,10, é preservado.  Ao citar a Lei Áurea, a ministra Luislinda cometeu um deslize. Ela disse que a norma “recebeu o número 3533”, quando a lei sancionada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888 é a 3353.
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DE MALAS PRONTAS

Charge do Sinfrônio, via Diário do Nordeste
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domingo, 18 de fevereiro de 2018

RIOS DA INDIFERENÇA

Artigo de Fernando Gabeira
Escrevo a caminho de Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela. Saí diretamente do Rio para cá. Suponho que a sociedade também tenha essa tendência ao equilíbrio, uma espécie de sistema nervoso autônomo. Se é assim, creio que já deu sinais de que algo vai mal tanto no organismo nacional como no sul-americano.
O Rio foi tomado por inúmeros casos de violência e assalto. Apesar de tantos avisos, o governador Pezão confessou que o estado não se preparou para o carnaval. Como se uma festa tão antiga e previsível fosse um raio em céu azul. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, disse que iria aproveitar a folga do carnaval e viajar para a Europa, em busca de experiências “inovativas”. Folga, como assim? Trabalhei no carnaval por escolha, se quisesse poderia estar fantasiado em qualquer esquina. Mas um prefeito não tem folga no carnaval. É precisamente o período em que tem de cuidar de tudo, para evitar o pior. Pezão ainda não conseguiu ler o plano de segurança. Crivella se elegeu dizendo que iria cuidar das pessoas. Será que foliões, fantasiados, seminus e alegres, não são pessoas?
Essas coisas nos colocam próximos de uma desordem generalizada. As principais autoridades parecem não entender o que está se passando. A tarefa do equilíbrio, a homeostase, torna-se cada vez mais complicada.
Aqui na fronteira, as coisas não são diferentes. Estive em Pacaraima duas vezes, e uma em Santa Helena, já na Venezuela. Previ que a situação iria se agravar, o que não é nenhuma vantagem, apenas o óbvio. Por aqui já passaram mais de 40 mil. Na Colômbia, um milhão de refugiados cruzaram a fronteira. As ferramentas diplomáticas, Mercosul, Unasul e mesmo a OEA, são incapazes de achar uma saída. Talvez o único caminho seja internacionalizar uma crise que transcende a capacidade sul-americana. Mas o que pode fazer a ONU? A Europa está sobrecarregada pelo fluxo de refugiados no Mediterrâneo. E os Estados Unidos, com a escolha de Donald Trump, fecham-se cada vez mais para as tragédias do mundo.
Como um sistema nervoso autônomo, os mecanismos de monitoramento continuam funcionando. Eles registram os desequilíbrios, indicam as desordens. No entanto, não se encontra remédio. A tarefa do sistema nervoso central está atrofiada, não há antecipação planejada, apenas uma espera na crise para intervir quando for tarde demais. O colapso do governo no Rio, por corrupção e incompetência, já era um sinal de que a crise de segurança se agravaria. A escalada repressiva de Maduro, uma certeza do êxodo em massa para Colômbia e Brasil.
Assim como no corpo, o sistema nervoso autônomo na sociedade precisa de mais atenção. No corpo, é ele que nos desestimula, por exemplo, a disputar uma corrida depois de um farto almoço.
Embora isso não explique tudo, creio que os governantes em Brasília e no Rio não se importam tanto com esses desequilíbrios porque estão atentos a outros sinais. Ambos têm problemas com a polícia, ambos se esforçam para escapar dela. Não creio que uma antecipação conseguiria resolver as crises em Pacaraima ou Copacabana. Mas, certamente, ajudaria.
Um governador que não se prepara para o carnaval, um prefeito que vê nele uma folga para buscar soluções na Áustria, na Alemanha e na Suécia, são figuras inúteis.
No caso da Venezuela, Temer pode dizer que o governo anterior não só apoiou como se tornou cúmplice da tragédia produzida por Maduro. Mas Temer era vice-presidente. Não é possível que só tenha percebido agora como o Brasil errou.
E, agora, as coisas são bem mais difíceis. Em Roraima, segundo as pesquisas, a população, majoritariamente, rejeita os imigrantes. Em termos regionais, nas eleições, pode acontecer ali algo que aconteceu na Europa: um avanço da xenofobia.
Nesse caso, como aliás em tantos outros, é preciso preparar o corpo para pancadas de todos os lados. A direita gostaria de ver a fronteira fechada. E a esquerda, assim como Crivella, que não vê pessoas na multidão carnavalesca, dificilmente enxerga direitos humanos nas milhares de famílias que fogem do socialismo do século XXI, como se autoproclama a aventura bolivariana.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 18/02/2018
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sábado, 17 de fevereiro de 2018

RECORDANDO DARCY RIBEIRO

Há exatos 21 anos morria em Brasília, vítima de um câncer, o antropólogo Darcy Ribeiro. Ele revolucionou a educação no Rio de Janeiro quando foi vice-governador. Darcy planejou, criou e dirigiu a implantação dos Centros Integrados de Ensino Público (CIEP).
O CIEP era um projeto visionário que elevou a educação para uma qualidade ímpar ao governo de Leonel Brizola. Nos CIEP´s a criança tinha educação em tempo integral, com muitas atividades recreativas e culturais.
Entre vários livros escritos por Darcy Ribeiro, um se tornou clássico da antropologia brasileira, O Povo Brasileiro, o qual faz uma reconstituição minuciosamente da formação do Brasil e do povo brasileiro, desde a chegada dos portugueses, africanos.
Fundador da Universidade de Brasília, Darcy Ribeiro também foi ministro da Educação no governo João Goulart, vice-governador do Rio de Janeiro – 1983 a 1987 – e exerceu o mandato de senador pelo Rio de Janeiro, de 1991 até 1997, quando faleceu.
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sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

À ESPERA DE LULA

Da ISTOÉ
Quando o sol se descortina no horizonte, o ar cortante e álgido da manhã dá lugar a uma atmosfera densa de expectativa. É inegável para quem por lá atravessa: o Complexo Médico Penal de Pinhais, a 40 minutos do centro de Curitiba, já respira diferente. O presídio, com 8,406 metros quadrados de área construída e que hoje abriga 697 presos, entre os quais 11 da Operação Lava Jato, será o provável destino do ex-presidente Lula, tão logo os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) decretem sua prisão. Na última semana, a reportagem de ISTOÉ visitou a penitenciária – em fase final de preparação para receber o petista. Já foram definidos os esquemas de segurança, o local em que o líder do PT irá ficar e até sua rotina no cárcere – incluindo o que ele poderá ou não fazer no futuro lar.
Por decisão do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen), foi reservada a Lula uma das dez celas da galeria 6 do Complexo, situada no segundo piso. Lá estão acomodados exclusivamente presos da Lava Jato e outros condenados pelo crime de colarinho branco. Os mais ilustres são o ex-governador Sérgio Cabral, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Cada cela da galeria 6, como a que já está separada para Lula, tem 12 metros quadrados, e é destinada a 3 presos. A unidade é composta por três camas de solteiro, construídas em alvenaria, com direito a um colchão de densidade 28. Se o petista precisar de colchão especial, um médico deverá atestar que ele sofre da coluna, por exemplo. Nesse caso, caberá à família providenciar outro colchão, nas medidas fornecidas pela direção do presídio. A cela, com uma janela e porta em aço, conta com um vaso sanitário no chão (o chamado boi), com pouca privacidade, e um tanque com torneira. Os agentes penitenciários asseguram que é possível bebê-la sem sobressaltos – a água, fornecida pela Sanepar, esclarecem, é potável. Mas se Lula exagerar no consumo, não tem conversa: a água será cortada. O tanque também servirá para o futuro detento lavar as quatro cuecas e quatro pares de meias, autorizados a carregar para a cela. Toalhas e roupas de cama são fornecidas pela prisão, incluindo um cobertor. Como o inverno de Curitiba é gelado, alcançando até temperaturas negativas, a família poderá mandar cobertores mais quentes. Detalhe: a movimentação de familiares no presídio é restrita. Só podem entrar dois parentes por vez, devidamente cadastrados. E não são permitidas visitas íntimas. Já os advogados podem falar com os presos a qualquer hora e dia, mas através de um parlatório, por meio de interfone, protegido por resistente vidro de policarbonato.
Como todos os demais presos, Lula será obrigado a usar uniforme – calça de moletom cinza e camisa branca, com detalhe em azul, as cores da bandeira do Depen –, mas não precisará mexer no bolso para receber o novo figurino. A indumentária será fornecida pelo presídio. Os uniformes são lavados uma vez por semana na lavanderia da cadeia, onde trabalham dois detentos, devidamente remunerados. Se o ex-presidente necessitar de remédios, a penitenciária fornece genéricos de graça. Médicos e enfermeiros também prestam atendimento gratuitamente. São eles que controlam a ingestão de eventuais medicamentos, que não ficam nas celas em hipótese alguma para evitar que algum deles se intoxique.
Desde que alcançou o Planalto, Lula acostumou-se ao conforto e salamaleques que só o poder é capaz de proporcionar. No Complexo dos Pinhais a vida será bem mais dura, por óbvio. Por exemplo, o petista, assim como seus pares, será obrigado a despertar às 5h. O café da manhã, servido na cela, vai até às 6h. Limita-se a dois pães com manteiga e café com leite. Depois, é chegada a hora o banho. Há um conjunto de chuveiros para cada galeria. Com água quente, inclusive. Mas cada banho só pode durar no máximo quatro minutos. A escala no chuveiro é regida pela lei da vida, que deveria valer para todos: quem chega por último, vai para o final da fila. Para o asseio do preso, os parentes poderão levar shampoos e sabonetes.
Das 9h às 11h, Lula poderá tomar banho de sol no pátio. E até jogar futebol. Mas não será como nas famosas pelejas na Granja do Torto com os ministros. A bola é improvisada, em algumas ocasiões feitas de meia, e a trave foge da tradicional: em geral é pintada nos dois lados do muro. À atividade física segue-se uma nova refeição. O almoço do petista será entregue às 11h. A comida vem em formato de marmitex, fornecida pela Risotolândia, empresa contratada pelo Depen em processo licitatório. Cada marmita, na temperatura de 42º, é devidamente balanceada por nutricionistas: 60% de carboidratos (arroz, feijão ou macarrão) e 40% de proteínas (carne todos os dias), acompanhados de verduras ou legumes. Sobremesa, no entanto, é luxo: só é permitida uma vez por semana. O jantar, com o mesmo cardápio, está programado para ser servido às 17h. Nesse intervalo, é possível circular pelos corredores, ir à biblioteca, ou mesmo ficar vendo TV nas celas – cada unidade é equipada com um aparelho de TV de 20 polegadas e um rádio AM/FM, sem entrada de USB. O uso de outros equipamentos eletrônicos são expressamente proibidos. Celular nem pensar. Por volta das 22h, as luzes se apagam. “A vida não é das piores, mas também não chega a ser um hotel duas estrelas”, disse Luiz Alberto Cartaxo Moura, diretor do Depen, à ISTOÉ. O diretor do presídio que abrigará Lula, Jefferson Medeiros Walkiu, carrega a fama de durão. Medeiros não admite, por exemplo, que o detento beba ou fume. Portanto, nada de cachacinha ou charutos cubanos. Se flagrado fumando ou bebendo, o petista estará sujeito a sofrer medidas restritivas de liberdade. “Não vai para a solitária, como se fala, mas fica numa área confinada por quinze dias”, alerta Cartaxo. E também pode vir a amargar o acréscimo na pena. Tudo é anotado na ficha do preso, analisada posteriormente pelo juiz de Execuções Penais.
NOVOS PERSONAGENS O jurista Sepúlveda Pertence (à esq.) foi contratado a peso de ouro por Lula, enquanto o ministro Alexandre de Moraes (à dir.) mandou para cadeia deputado condenado em segunda instância. Um recado para Lula
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) publicou nesta terça-feira 6 o acórdão da sentença dos três desembargadores (Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus) que condenaram Lula a 12 anos e 1 mês de reclusão. Decisão de segunda instância que prevê prisão após a sentença, conforme decisão do STF em 2016. Os advogados de Lula têm 12 dias úteis para apresentarem o embargo declaratório para esclarecer detalhes da sentença. Esse embargo não pode modificar o resultado da sentença, que foi por 3 a 0. Prazo vence no próximo dia 20. Os desembargadores do TRF-4 terão até dois meses para analisar esse recurso. A decisão pode sair até o final de março. Devem decretar a prisão de Lula, conforme prevê o STF, e encaminhar a ordem de prisão para a 13ª Vara Federal do Paraná, do juiz Sergio Moro
O cotidiano de quem está (ou esteve) lá
O DIA A DIA NOS PINHAIS Cada detento se ocupa de uma forma. Os da Lava Jato fazem ginástica com garrafa pet e pintam paredes
Bem longe do aconchego desfrutado durante a vida fora do cárcere, não raro regada a luxos inacessíveis ao cidadão comum, os poderosos presos da Lava Jato tiveram de se adaptar, cada um a seu jeito, à insólita rotina no Complexo Médico-Penal dos Pinhais, em Curitiba.
Vidrado em musculação e acostumado a uma rotina de exercícios físicos, o empreiteiro Marcelo Odebrecht, que deixou o presídio no dia 23 de dezembro, tinha de improvisar para manter a saúde em dia: utilizava como peso duas garrafas pet de dois litros d’água. O ex-ministro José Dirceu, por sua vez, preferia cuidar dos três mil livros da biblioteca. Trabalhava como auxiliar do bibliotecário. Dessa forma, conseguiu abater alguns dias da pena imposta a ele de 30 anos de detenção. Já o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um dos prováveis futuros vizinhos de Lula na galeria 6 da penitenciária, tem optado por atividades mais frugais. Diariamente, desde que chegou aos Pinhais, se ocupa pintando grades de celas. É como uma terapia, justifica. Para o serviço de limpeza se apresentam como voluntários dois ex-companheiros de Lula: o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto e o ex-deputado André Vargas (PT-PR). Só o ex-governador do Rio Sérgio Cabral é quem ainda permanece no ócio. Nos últimos 15 dias, ficou enfurnado numa solitária. Na segunda-feira 5, foi transferido para uma cela comum. Está sozinho.
Saiba mais sobre o Complexo Penal Médico de Pinhais e seus arredores:
Confira também a íntegra da entrevista exclusiva com o delegado Luiz Alberto Cartaxo Moura, diretor-geral do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná, o Depen:
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